Está um domingo de sol e debato-me entre o ficar sozinho em casa ou ir
em busca de outrem. Como habitualmente encerrar-me-ei em casa, fechado
em mim mesmo. Detesto os fins de semana e feriados. Quase sempre os
detestei. Embora desde há três anos "ferie" quotidianamente; nos
chamados dias "úteis" as lojas e os serviços estão abertos e "saio" de
mim para resolver os problemas diários, comezinhos ou não.
Como se inúteis tivessem de ser aqueles dias em que não trabalhamos ou
produzimos, ganhando o vil metal para comer o pão que o diabo amassou. E
nos dias úteis ou inúteis deixo por fazer aquilo que gostaria ou
quereria fazer: estar com Outrem, procurar quem é de mim reflexo e
complemento, acabar de arrumar os livros nas prateleiras, digitalizar
milhares de fotos ou textos que escrevi, escrever, viajar em busca de
novas ou "velhas" terras e gentes, conviver ...
Ignoro os convites para ir ao Barreiro, a Lisboa, ao Porto, ao Seixal, a
Évora ... Um dia destes fui a uma loja ao pé do edifico onde trabalhei
e ouço vozes cristalinas chamando pelo "doutor". Viro-me e vejo quatro
das empregadas de limpeza que me sorriem, me perguntam por mim e pelos
meus filhos cujos nomes conhecem de me irem visitar ao meu gabinete, que
ficam todas contentes ao saberem que já sou avô. Afivelo a minha
máscara que o não é, sorrio com o brilhosinho nos olhos que o Rui e a
Susana dizem ser meus, sou naturalmente encantador e simpático,
despedindo-me espontaneamente com um beijo e um gesto de carinho a cada
uma delas, que me permito pois já não estou ao serviço, já não sou o
"doutor" mas apenas o "Victor". Mas, após a despedida, retomo o meu ar
sério e distante.
No meu quotidiano fica sempre o confronto entre o estoicismo e a
"loucura", entre o agir e o deixar correr, entre o bate e foge. Nem
sempre era assim e por vezes numa curva da estrada encontrava a Outra,
portas e janelas abertas ao sol, ao sal, ao mar, à brisa refrescante ou
sufocante, envoltas em breves e fugazes horas ou dias de paz e
felicidade, de mar chão e sereno, de riso e de ternura. Todas em suas
histórias tinham um nome que as despersonalizava mas as identificava e
resguardava da devassa alheia !
Leio pois os teus escritos e coloco-me no limbo, como se outrem eu
fosse, encantado com o que decifro, descobrindo na tua figura
maneirinha, simples, sem lantejoulas, caminhos de ternura, de afecto,
de humor ! E procuro desesperadamente resguardar-me.
Beijo-te, simplesmente, Amiga
Victor Manuel do Kant_O
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)