domingo, 20 de novembro de 2011

TEXTOS e comentário ~ Victor Nogueira


Mindelo - Foto Fátima Pereira

 Olá, Amiga

Está um domingo de sol e debato-me entre o ficar sozinho em casa ou ir em  busca de outrem. Como habitualmente encerrar-me-ei em casa, fechado em mim mesmo. Detesto os fins de semana e feriados. Quase sempre os detestei. Embora desde há três anos "ferie" quotidianamente; nos chamados dias "úteis" as lojas e os serviços estão abertos e "saio" de mim para resolver os problemas diários,  comezinhos ou não. 

Como se inúteis tivessem de ser aqueles dias em que não trabalhamos ou produzimos, ganhando o vil metal para comer o pão que o diabo amassou. E nos dias úteis ou inúteis deixo por fazer aquilo que gostaria ou quereria fazer: estar com Outrem, procurar quem é de mim reflexo e complemento, acabar de arrumar os livros nas prateleiras, digitalizar milhares de fotos ou textos que escrevi, escrever, viajar em busca de novas ou "velhas" terras e gentes, conviver ... 

Ignoro os convites para ir ao Barreiro, a Lisboa, ao Porto, ao Seixal, a Évora ...  Um dia destes fui a uma loja ao pé do edifico onde trabalhei e ouço vozes cristalinas chamando pelo "doutor".  Viro-me e vejo quatro das empregadas de limpeza que me sorriem, me perguntam por mim e pelos meus filhos cujos nomes conhecem de me irem visitar ao meu gabinete, que ficam todas contentes ao saberem que já sou avô.  Afivelo a minha máscara que o não é, sorrio com  o brilhosinho nos olhos que o Rui e a Susana dizem ser meus, sou naturalmente encantador e simpático, despedindo-me espontaneamente com um beijo e um gesto  de carinho a cada uma delas, que me permito pois já não estou ao serviço, já não sou o "doutor" mas apenas o "Victor". Mas, após a despedida, retomo  o meu ar sério e distante. 

No meu quotidiano fica sempre  o confronto entre o estoicismo  e a "loucura", entre o agir e o deixar correr, entre o bate e foge.  Nem sempre era assim e por vezes numa curva da estrada encontrava a Outra, portas e janelas abertas ao sol, ao sal, ao mar, à brisa refrescante ou sufocante, envoltas em breves e fugazes horas ou dias de paz e felicidade, de mar chão e sereno, de riso e de ternura. Todas em suas histórias tinham um nome que as despersonalizava mas as identificava e resguardava da devassa alheia ! 

Leio pois os teus escritos e coloco-me no limbo, como se outrem eu fosse, encantado com o que decifro, descobrindo na tua figura maneirinha, simples, sem lantejoulas,  caminhos de ternura, de afecto, de humor ! E procuro desesperadamente resguardar-me. 

Beijo-te, simplesmente, Amiga

Victor Manuel do Kant_O 

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)