6 de Setembro de 2013 às 15:33
* Victor Nogueira
1 . - Uma "manife" em Évora, num verão quente, nos idos de 1974
Ontem, no comício do PC, ali no Rossio de S.Brás, o Álvaro Cunhal falou na independência dos povos das colónias. (...) Ainda antes do Álvaro Cunhal falar o palco foi abaixo por duas vezes. Uma multidão imensa concentrava se em redor do palco, junto ao Monte Alentejano, agitando se inúmeras bandeiras vermelhas do PC. Em uníssono, a multidão repetia as palavras de ordem, de punho erguido.
Detecto, junto a mim, um grupo que vai comentando ao sabor das intervenções. Quando se falam nas torturas sofridas pelo Cunhal e outro comunista, uma mulher ao meu lado diz me: "Coitadinho! Bandidos!" E a multidão grita: "Morte à PIDE!". Dois delegados dos Sindicatos Agrícolas (Évora e Beja) enumeram as quebras dos contratos colectivos de trabalho e o nome dos latifundiários. A multidão grita: "Morte aos cães!" "A terra a quem a trabalha!".
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Ao meu lado, algumas mulheres dizem: "É assim mesmo!" e "Essa sou eu!", quando se fala em ranchos despedidos. O Álvaro Cunhal cita as lutas revolucionárias dos trabalhadores alentejanos e a "palha" que os latifundiários teriam mandado dar aos trabalhadores que imploravam comida. E a revolta; que enquanto houvesse ovelhas, galinhas e porcos não comiam palha os trabalhadores!
O Partido faz a sua campanha e no palco estão pessoas que já conheço de há muito. Por detrás delas, enormes, em fundo vermelho, as efígies de Marx, Engels e Lenine. A brancura de Évora é agora quebrada por cartazes do PC
Marx, Engels e Lenine enchem as ruas, conjuntamente com cartazes com a foice e o martelo. (MCG - 1974.07.28)
2. - Passa Camarada.
Na Voz do Operário ao chegar à porta para o pátio olhei por cima do ombro e vi o Álvaro e o seu guarda-costas e disse-lhe naturalmente: «Passa, camarada» ao que ele retorquiu " Passa tu, camarada, que chegaste primeiro» E assim ficámos lado a lado no pátio, numa lenta fila para o almoço, enquanto as pessoas vinham cumprimentá-lo ou apresentá-lo aos filhos de colo ou não..Foi uma hora divertida e tenho pena de não ter fixado por escrito as conversas, as impressões já desvanecidas e, sobretudo, os diálogos bem humorados com Dias Lourenço sobre as peripécias em torno das fugas de Peniche.
Publicada por Victor Nogueira à(s) Quarta-feira, Junho 14, 2006
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O Partido Comunista Português pretendia declarar uma greve geral para o próximo 1º de Maio. [que entretanto foi declarado feriado nacional. Não tivesse havido o 25 de Abril e para esse 1º de Maio estava prevista uma enorme vaga de prisões a efectuar pela PIDE] (...)
Hoje desde o Cemitério até à Praça do Giraldo, uma grande multidão - milhares de pessoas aguardaram [em Évora] - durante mais de hora e meia pela chegada do cortejo automóvel que acompanhava os presos políticos libertados - uns 3 ou quatro, um dos quais há 12 anos ! (1) São 20h30m está frio e começa a chuviscar. Resolvo ir a casa buscar o guarda-chuva e acabo por ir jantar uma merda dum bife nos “Manuéis”. Quando regresso à Praça [do Giraldo] já tudo havia terminado; apenas na placa central da Praça do Giraldo um grande magote de pessoas estão comprando "A Capital". São autênticas corridas aos jornais, avidamente disputados, como os dos últimos dias. Toda a gente anda de jornal debaixo do braço ou lê-o à mesa do café ou especado na rua. Até, oh! surpresa, raparigas! (Muitas mulheres têm tanta pena do Marcelo [Caetano], coitadinho, tão simpático, tão amigo do povo!) SAFA!
A caça aos PIDES continua. E não fossem as Forças Armadas e muitos se não todos seriam chacinados, após 40 e tal anos de tortura e repressão. Contam-me que em Évora um não escapou a alguns sopapos. Geram-se situações chatas e perigosas. (...) Dizem-me que um dos PIDES de Évora se teria enforcado na sua residência esta manhã.
Passaram hoje em Évora uma coluna de carros de assalto, jipões e jeeps. Os soldados iam sorridentes, acenavam, alguns tinham flores nos canos das armas. Os populares gritam "Obrigado, rapazes!" e eu depois tenho pena de não ter correspondido ao aceno dos militares, apesar de estar comovido. (MCG – 1974.04.27/28)
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O registo anterior, "Passa, Camarada", não refere que ao chegarmos ao self-service da cantina da Voz do Operário, lado a lado, hesitei se iria ou não sentar-me junto do Álvaro e cavaquear com ele. Mas pensei que ele tinha direito à sua privacidade e sentei-me noutra mesa, enquanto duas jovens se sentaram e conversaram com ele. Creio que se não terá esquecido de mim, pois qd nos encontrávamos na Soeiro, eu à espera do início desta ou daquela reunião, ele olhava para mim com alguma insisistência, sem que qualquer de nós tomasse a iniciativa de cumprimentar o outro. Embora nos cruzássemos ou encontrássemos muitas vezes na Soeiro ou em Encontros ou Conferências, só voltámos a trocar umas breves palavras qd uma noite, na rua, a caminho duma reunião na Soeiro, a Fátima me disse "Olha, vem ali o Álvaro" e lá vinha ele sózinho, pelo passeio, a característica bolsa debaixo do braço, sendo por ela interpelando "Então por aqui sózinho, camarada ?!" e ficando ambos numa breve e amena cavaqueira enquanto eu me dirigia para o Centro de Trabalho.
Foi contudo o Álvaro motivo dalgumas das inúmeras e longas conversas do meu camarada e amigo Gilberto de Oliveira, em casa deste, comigo e com a Fátima. Participou no VII Cong.º da Internacional Comunista e no VI Cong.º da Internacional Juvenil, em Moscovo, juntamente com Álvaro Cunhal. Esteve preso no Campo de Concentração do Tarrafal (1936 / 1946), tendo sido membro do CC do PCP após a sua libertação. Depois de Abril escreveu Memória Viva do Tarrafal, nas Edições Avante. Quando da cisão no PCP, Gilberto e Álvaro tornaram-se adversários e só se voltaram a re-encomtrar depois do 25 de Abril.
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DAS KAPITAL e O MANIFESTO COMUNISTA
Era um homem
Era um livro
bembelo
Era o livro com paredes de vidro
Era o Partido
Quando falavam ou agiam
não eram eles
era o Partido
contido!
Foram Marx e Engels
Estaline após Lenine
Era o tempo da revolta
do fascismo e da guerra
Era o tempo da Revolução
o tempo escasso
de Abril em Maio
o tempo da alegria e do sonho
do mundo novo a construir.
A esperança
era um canto na cidade aberta e
o futuro começava ali numa criança a sorrir ao virar da esquina
ao alcance da nossa mão
O riso enchia a praça e tão leve o ar! ...
Era o tempo dos slogans
da liberdade da fraternidade da justiça e
da paz
Havia é certo
Maio de 68 e o conflito sino-sovietico
o Chile e o Vietname
e o despertar das colónias sob novas cadeias
E também havia
a Universidade em 69
a Hungria e a Checoslováquia,
a Polónia e o Afeganistão
E vieram alguns outros.
Khruchev e Brejnev
e também Gorbatchev
Havia é certo, lá longe ...
as cortinas
de ferro ou de bambu
Havia barreiras e fronteiras
no tempo da escuridão
da luta pela unidade na Revolução
Havia paredes
de vidro transparente ou translúcido,
frágil como o cristal ou
forte se aramado ou martelado
espelho na reflexão
Era um homem
Era um livro
E eles não sabiam
que era o tempo da Revolução.
E os homens ficaram
E os homens partiram
E eles não souberam
estender a sua mão
esquecidos da Revolução
na noite da reacção
E fecharam-se as portas
e cerraram-se as janelas
e eles dividiram-se na maré da inflexão
e não souberam camaradas
estender a sua mão
esquecendo que a revolução
começa com o nosso irmão
E levantaram paredões e lançaram ao chão
o camarada e amigo que tinha outra razão
porque tinham em si o que pretendiam
construir ou destruir
E falavam em coisas belas
falavam da liberdade da fraternidade
da justiça e da Paz
para outra criação
Eram homens e mulheres
alguns assassinados
que não queriam a morte
nem a expoliação ou humilhação
E passavam
passavam sempre
azafamados ou com lentidão
simples ou cheios de razão
com as virtudes e defeitos
do lugar e tempo em que estão
Uns e umas com delicadeza, como é óbvio
e outros com distracção ou brutidão
a franqueza do clarão na escuridão
esclarecido ou não
Era um homem
uma mulher
Era um livro
partido
porque não souberam vencer a solidão e
construir outra fabricação
Eram só homens
Eram só mulheres
Era só um livro
bimbelo
se não houvesse
em gestação
outra reflexão!
Até amanhã camarada ou não
1989 03 .21
(Setúbal)
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)