sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

as mãos e alguma poesia de quatro autores


7 de Fevereiro de 2014 às 15:18
Victor Nogueira - Estão roucas as palavras
Victor Nogueira - Sedento nas tuas mãos esguias e belas
Victor Nogueira - Hoje é domingo, uma vez mais
Manuel Alegre - As mãos
Eugénio de Andrade - As mãos
António Reis - 50. Não é nas mãos
Victor Nogueira - No dia da Mulher (1995)
Victor Nogueira - Distracção

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* Victor Nogueira

Estão roucas as palavras
gastas as tuas mãos
duras
secas
cortantes
como punhais


Setúbal 1985
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* Victor Nogueira

Sedento nas tuas mãos esguias e belas
aqui
na estrada da vida
à beira do caminho
de pé nesta tarde de verão
louco pássaro
.....................de asas partidas
busco a carícia do sorriso
..........o quente murmúrio da voz
..........o frémito das nossas mãos
..........o suave perfume do corpo apetecido
..........turbilhão incandescente sufocante
..........rio mar profundo
sigo ...com os dedos e os lábios o teu contorno
..........aqui os olhos ....a boca ....o lóbulo das orelhas
..........o andar decidido
..........os seios pequenos e firmes
além a ondulante seara
........a curva suave
........o moreno vale
fresco límpido agridoce refrigério


1985.Julho.28 - Setúbal

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[em évoraurgomedieval, no exílio]  Hoje é domingo, uma vez mais! O tempo conta‑se pelos domingos, especialmente quando são como este, soalheiros, quentes, e que nos fazem sentir o peso dos 25 anos, praticamente solitários, incomunicáveis, cheios de barreiras entre mim e os outros. Que é daquele tempo em que se cria em alguma coisa, em que se colhiam flores para dar aos entes queridos, cabelos esvoaçantes ao vento? Que é do tempo dos sorrisos, das gargalhadas cristalinas? Que é do tempo deslizando suavemente, das mãos esperançosamente estendidas? O tempo é isto, esta desilusão, este vazio, estas malhas que enredam mais e mais e que angustiosamente procuro afastar. Sou um guerreiro cansado por batalhas inúteis, contra o vento! "Grandes são os desertos e tudo é deserto"  (NSF - 1971.02.28) 

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* Manuel Alegre

AS MÃOS

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema - e são de terra.
Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

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* Eugénio de Andrade

AS MÃOS

Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sempre são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.

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*  António Reis

50.

Não é nas mãos
que desespero

As minhas mãos
só trabalham
e adormecem

esfriam
ou arrefecem

Não desmaiam
nem têm rios

Têm ossos
músculos
e sangue

poros também
por onde transpiro

mais nada têm

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* Victor Nogueira

1.

Na tua mão
bate estrangulado
o meu coração.
preso no teu olhar
bate suave
muito leve
com desejo de voar.
Onde o riso e a palavra
que o façam sossegar?

2.

Com os meu dedos
sigo lentamente o teu olhar

Uma leve brisa agita o teu rosto
e não sei bem se é um pássaro
ou uma flor
o sorriso que nasce nos teus lábios.

Será noite
ou uma criança a navegar?

3.

Nas minhas mãos
o dia escurece
e não ouço nelas
o calor da tua voz a cantar.
Uma gota cai lentamente no horizonte
E outra
E outra
E mais outra ...
E as minhas palavras são
um novelo em busca do mar!
O teu rosto,
o teu rosto é uma linha a navegar
onde loucas gaivotas
querem mergulhar.
Quem as recolherá
como um cristal a brilhar?


Setúbal 1995

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o    DISTRACÇÃO


Procuro-te
levando-me-te
como quem nas mãos leva
um sopro de fragilidade
que tu
em gesto ou palavra dispersas

Caindo na seriedade
o sorriso
apagado


Setúbal . 1989.Setembro





Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi [em Coimbra] sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (Évora - 1974)
Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi [em Coimbra] sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (Évora - 1974)

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)