18 de Maio de 2014 às 18:56
* Victor Nogueira
No tempo em que a minha mãe era viva, logo depois de almoço, ela "moía-me" o juízo para ir buscar-lhe o "Correio da Manhã", que só lia depois de jantar, de nada lhe adiantando eu dizer-lhe que cinco minutos me bastavam para antes das 19 horas descer no elevador até ao r/c, atravessar o jardim e a avenida, chegando a tempo à tabacaria onde lhe guardavam o jornal. E ao lê-lo, ia sempre comentando que era uma porcaria de jornal, só mortes e crimes e roubos (e não reparava ela nas páginas e páginas de anúncios à prostituição disfarçada de "massagens") E quando eu lhe sugeria que comprasse outro jornal retorquia-me que só gostava de ler aquele. Percebo que confinada à casa e à cadeira de rodas que não queria usar, apesar dos crimes e roubos, aquelas páginas impressas eram uma espécie de telenovela, uma vida de empréstimo para uma pessoa que sempre fora lutadora e cheia de vida e - apesar dos desencantos acumulados com o tempo, sobretudo após a morte do filho caçula - cheia de alegria.
Um parêntises para referir que na Canha, uma das muitas terras onde a Celeste deu aulas, havia uma velhota surda que "inventava" os enredos das novelas cujos diálogos não ouvia, comentando que aquilo não era pessoal da vila, pois os não conhecia, mas pessoal de Vendas Novas. Para ela o mundo acabava a 10 km. Um pouco como aqueles outros miúdos alunos da Celeste, no monte da Arouca (depois Unidade Colectiva de Produção Soldado Luís), onde se chegava a pé pelo trilho ao longo da vala de irrigação dos arrozais, a partir da Barrosinha, ou atravessando o Rio Sado num bote a partir da aldeia fronteira, Vale de Guiso ... Para esses miúdos os dez km até à vila de Alcácer do Sal eram quase como a ida à Lua, ficando espantados a 1ª vez que viram um comboio, um monstro, qd a professora os levou à vila no R4, antes do 25 de Abril.
Depois da morte da minha mãe deixei de ler o "Correio da Manhã", salvo qd vou lanchar a um café na Praça do Brasil, e o encontro na cesta dos jornais para os clientes, conjuntamente com a imprensaa local e a desportiva. Tinha e tem o Correio da Manhã uma série de cronistas que aprecio: a Leonor Pinhão, o embaixador F. Falcão Machado e as saborosas crónicas de ....
* António Sousa Homem
http://daliedaqui.blogspot.pt/2014/05/as-cronicas-de-antonio-sousa-homem-01.html
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)