20 de Maio de 2014 às 13:46
* Victor Nogueira
No início eu supunha que as crónicas de antónio lobo antunes eram memórias da sua vida, até que as discrepâncias me levaram a concluir que no essencial não passariam de efabulações do autor. Do mesmo modo não sei se antónio sousa homem existe ou se ele e as suas crónicas semanais são também efabulações. Numa das duas seguintes fala do Mindelo onde não desembarcaram as tropas liberais depois de andarem em bolandas de praia para praia até lograrem aportar. Fizeram-no calmamente, depois de terem sido impedidos em Vila do Conde. O Mindelo surge também nas minhas histórias porque foi nessa povoação que o meu avô materno - um homem na cidade que nunca perdeu o amor ao campo - ali resolveu construir uma casa de veraneio. Fosse vivo e hoje não reconheceria o sítio, que perderá a sua ruralidade logo que sejam urbanizados os vastos campos agrícolas de milho nas trazeiras, desde a estrada nacional até à via férrea, hoje metropolitano de superfície.
Também houve tempo em que escrevia com canetas de tinta permanente, Parker ou Pelikan, depois dos homéricos dias em que se escrevia com uma "pena de pato", regularmente molhada no branco cinzeiro de cerâmica incrustado no tampo da carteira e que me enchia o caderno de pouco artísticos borrões. Hoje escrevo no computador, sem riscos nem palavras encavalitadas em borrão original. Sem mérito, segundo um miúdo cigano que dantes vinha a minha casa: «Vai daí, disse-lhe: Eu não sei desenhar nem cuidar de ovelhas como o teu pai mas escrevo melhor que ele. Não acreditou. Que escrevesse Fernando ali num papel. Disse-lhe, apontando para o meu volumoso livro de poemas: Então não vês que escrevi aquele livro?. Respondeu-me: Ah! mas isso não é escrever, isso foi feito no computador. Claro que para o Caló não saberei escrever, tanto mais quanto ele não será capaz de ler os meus hieroglifos. »
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)