foto victor nogueira -
pôr do sol em setúbal com a serra da arrábida, vista do alto das escarpas de s. nicolau
1993 - Ultimamente a rua parece um forno. como se estivéssemos no Alentejo, com uma brisa sufocante e uma luminosidade que fere o olhar. (...) Há dias em que o brilho do ar é tão intenso que não consigo ler o jornal ao fim de semana no cimo das escarpas de Santos Nicolau, com o Estuário do rio Sado ao fundo e a Serra da Arrábida à direita. Mas aqui à noite, na varanda, corre uma brisa acariciante, conjuntamente com o cheiro da terra molhada. (MMA - 1993.08.10)
Já é meio da tarde. Enquanto escrevo estou distraído. Como sempre fui comprar os jornais, mas desta feita não fui lê-los para debaixo duma árvore na estrada da Figueirinha ou no cimo das escarpas de Santos Nicolau, com o Rio Sado e a Serra da Arrábida ao fundo. Não, desta vez fiquei-me pelo porto de pesca, mas como o tempo se tornara de trovoada quente e desagradável, mudei para debaixo duma árvore do degradado Parque José Afonso, agora transformado em parque de estacionamento automóvel, embora hoje quase vazio. (MMA -- 1993.09.10/11)
1994 - Antigamente, aos fins-de-semana, ia até à Serra da Arrábida ou até ao morro de S. Filipe ou para a Estrada da Comenda, o carro debaixo da sombra duma árvore para ler o jornal e para ouvir música. Mas agora fico-me pelo descampado no cimo das escarpas de Santos Nicolau, onde as árvores ainda não cresceram e para onde agora vão muitos carros, demasiados para o meu gosto. Aliás cada vez mais a cidade está sendo separada do rio, por causa do aumento do Porto de Setúbal, e cada vez mais nos arredores as casas substituem as árvores ou o arame farpado impede o acesso aos campos. (MMA - 1994.02.20)
2014 - Nunca escrevi sobre a Serra da Arrábida textos literários mas, se os tivesse escrito, nunca seriam místicos. A Serra para mim é um imperfeito álbum photographico por mim recolhido ao longo dos tempos, um conjunto de memórias e sabores, a companhia e sua partilha com muitos alguéns, a maioria dos quais se volatilizou. A Serra na sua aspereza polvilhada de encantos em recantos,,na sua flora ascética, com o mar e o rio azul nas suas reentrâncias ou bordejando as penedias, onde raros animais se avistam: uma gaivota, uma salamandra,uma lagartixa, um coelho, uma raposa … é um lugar de solidão para quem nela não se preocupe em buscar a mão de Deus e sim a do homem, sem a qual os acessos seriam quase inexistentes para os cumes encostas acima, com o esventramento pela cimenteira ou pelas pedreiras.
Fica a serra em poemas de frei Agostinho da Cruz, Sebastião da Gama, José Manangão, ilustrada também em duas curtas-metragens e numa média metragem.
1. - Sebastião da Gama
«O mais difícil não é ir à Arrábida (...). Difícil, difícil, é entendê-la: porque boas praias, boas sombras e boas vistas há-as em toda a parte para os bons banhistas, os bons amigos de bem comer, os bons turistas; o que não há em toda a parte é a religiosidade que dá à Serra da Arrábida elevação e sentido. (...) Mas é fora de dúvida que o visitante, se o não apreendeu, saiu da Arrábida sem sequer ter entrado nela verdadeiramente!
Vá sozinho, suba ao Convento, que é onde o espírito da Serra converge e como que ganha forma, leve, se quiser, os versos de Agostinho (...) e experimente como afinal é fácil estar a sós com Deus», escreveu Sebastião da Gama.
Serra Mãe
O agoiro do bufo, nos penhascos,
foi o sinal da Paz.
O Silêncio baixou do Céu,
mesclou as cores todas o negrume,
o folhado calou o seu perfume,
e a Serra adormeceu.
Depois, apenas uma linha escura
e a nódoa branca de uma fonte amiga;
a fazer-me sedento, de a ouvir,
a água, num murmúrio de cantiga,
ajuda a Serra a dormir.
O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou
e anda agora à procura, pela Serra,
da verdade dos sonhos que na Terra
nunca alcançou.
E outros murmúrios de água escuto, mais além:
os Poetas embalam sua Mãe,
que um dia os embalou.
texto completo em
http://cfp.cm-lisboa.pt/pls/htmldb/f?p=334:6:1167080594023003::::P6_POE_ID,P6_TEP_ID,P6_ANCORA,P6_AUTOR,P6_POEMA,P6_ID,P6_TIPO:5018,42081,32,Sebasti%E3o%20da%20Gama,Serra-M%E3e,141,autor
2. - Frei Agostinho da Cruz
DA SERRA DA ARRÁBIDA
Do meio desta Serra derramando
A saudosa vista nas salgadas
Águas humildes, quando e quando inchadas
Conforme a qual o tempo vai soprando,
Estou comigo só considerando,
Donde foram parar cousas passadas,
E donde irão presentes mal fundadas,
Que pelos mesmos passos vão passando.
Oh! qual se representa nesta parte
Aquela derradeira hora da vida
Tão devida, tão certa, e tão incerta!
Em quantas tristes partes se reparte,
Dentro nesta alma minha, entristecida,
A dor, que em tais extremos me desperta!
Alta Serra deserta, donde vejo
As águas do Oceano duma banda,
E doutra já salgadas as do Tejo:
Aquela saüdade que me manda
Lágrimas derramar em toda a parte,
Que fará nesta saüdosa, e branda?
Daqui mais saüdoso o sol se parte;
Daqui muito mais claro, mais dourado,
Pelos montes, nascendo, se reparte.
Aqui sob-lo mar dependurado
Um penedo sobre outro me ameaça
Das importunas ondas solapado.
Duvido poder ser que se desfaça
Com água clara, e branda a pedra dura
Com quem assim se beija, assim se abraça.
Mas ouço queixar dentro a Lapa escura,
Roídas as entranhas aparecem
Daquela rouca voz, que lá murmura.
Eis por cima da rocha áspera descem
Os troncos meio secos encurvados,
Eis sobem os que neles enverdecem.
Os olhos meus dali dependurados,
Pergunto ao mar, às plantas, aos penedos
Como, quando, por quem foram criados?
poema completo em
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/fcruz.htm
3. - Jose Manangão
Serra da Arrábida a grande jóia
Beijada pelas águas do rio "Sado"
Defronte, a Peninsula de "Tróia
A cidade de Setúbal, vive a seu lado
-
Tem no seu ventre um convento
Cercado por luxuriante vegetação
Não fora essa doença do cimento
A Natureza cumpriria sua função
-
As escarpadas afiadas pelo tempo
Suas grutas, ainda por desvendar
Sua beleza, acaríciada pelo vento
Os mirantes, onde vamos admirar
Ao seu redor e em cada momento
O infinito, onde o céu, abraça o mar
-
CURTAS METRAGENS
Arrábida da Serra ao Mar
https://www.youtube.com/watch?v=_BK_TXZw-Hk
Arrábida - Serra de um poeta
https://www.youtube.com/watch?v=D27lePTINcA
MÉDIA METRAGEM
Arrábida, da Serra ao Mar
https://www.youtube.com/watch?v=3CoRwwe7FdU
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)