* Victor Nogueira
Chegou finalmente o verão, envolto em chuvas e, numa noite destas, súbitos relâmpagos iluminavam para lá da janela como se dia fosse, raios silenciosos de início, cada vez mais atroantes à medida que a a tempestade se aproximava com a chuva em catadupas. Está pois abafado e electrizante o tempo, as núvens de flocos brancos em céu azul alternando com as de cinza em várias tonalidades. A visita foi ao jardim do Palácio dos Arcos, que teria dado o nome à vila, agora aberto ao público.
O Paço foi construído no século XV e reedificado no XVIII, na sequência do terramoto de 1755. Do conjunto original, o actual edifício mantém os dois torreões ligados por uma grande varanda, apoiada em três grandes arcos.Conserva também a capela, com um magnífico altar barroco, dedicado a Nossa Senhora do Rosário. Dizem as crónicas que D. Manuel I ter-se-ia hospedado várias vezes no Palácio, quer para participar em caçadas na quinta do morgadio, quer para assistir à partida das caravelas para a índia. Também D. Fernando II, D. Luís e a Rainha D. Maria Pia nele teriam permanecido várias vezes. Citando o blog Portugal (1) «a Quinta de Paço de Arcos terá sido uma das mais frondosas e magnificentes da zona ribeirinha de Lisboa, nela tendo caçado ou veraneado vasto número de governantes e figuras ilustres da aristocracia lisboeta. »
Na 1ª foto uma vista aérea do que sobreviveu dos jardins e da Quinta do Palácio após a construção da estrada marginal do Estoril, a sul, e da linha férrea, a norte, para onde se expandiu a vila, encosta acima, primeiro em vivendas, ladeando a Avenida Conde das Alcáçovas, e em casas de rendimento nas laterais, até à avenida do Conde S. Januário (juntando-se ao núcleo da Fonte de Maio, antiga zona agrícola bordejando a ribeira de Porto Salvo),ou na urbanização de J. Pimenta numa fase posterior . Na 2ª foto verifica-se a destruição da zona norte da propriedade, junto à linha férrea, para a construção dos edifícios dos quartos e piscina
Para além do jardim, com árvores centenárias, a propriedade possuía uma quinta e terrenos de caça, desmantelados há muito pelo crescimento urbano. O palácio, seu recheio (2) e jardim anexo foram doados pelo seu proprietário ao Município de Oeiras, com a condição de nele se instalar uma Casa-Museu e do seu jardim ser fruído pela população. Na posse da propriedade desde 1997 e com o argumento dos elevados fundos necessários para travar a degradação do edifício e sua recuperação, a Câmara entregou as obras de restauro a um grupo hoteleiro que em 2013/2014 nele instalou uma unidade de charme, com construções de raiz anexas que sacrificaram cerca de metade da área verde primitiva, sem que se construísse o museu pretendido pelo Conde de Arronchella e de Castelo de Paiva, José Martinho de Arrochela Pinto de Lencastre Ferrão. Para quem estiver interessado neste “caso” de "sedução", sugiro um artigo sobre o assunto intitulado “Palácio dos Arcos: que futuro?”, onde se questionam as opções e soluções adoptadas. (3) Na foto a seguir, os resultados da intervenção de charme, com diárias de 200 €. Como se vê a "operação" de restauro e recuperação nada tem a ver com a envolvente nem com os desejos manifestados pelo proprietário ao fazer a doação. Aliás, o que a cadeia hoteleira valoriza na publicidade é o facto da unidade estar a 15 minutos por comboio quer para Cascais quer para Lisboa, embora no pátio estacionem automóveis de alta cilindrada.
No que resta do frondoso jardim, parcialmente destruído, persistem árvores majestosas, mesas com cadeiras e uma deslumbrante vista para o rio coalhado de embarcações de recreio. A diáfana neblina destas tardes de verão não permite visualizar para montante a leveza da ponte 25 de Abril, distinguindo-se apenas um borrão impreciso, que é o Cristo-Rei. A “poesia” inspira os grupos escultóricos, de que se destaca a “mesa dos poetas”, onde estão representados cerca de duas dezenas de poetas e poetisas contemporâneos, incluindo os que estão espalhados pela redondeza, como por ex. Sebastião da Gama, Ary dos Santos, António Aleixo, Herberto Helder, Manuel Alegre e António Gedeão ou Irene Lisboa e Fernanda de Castro . A presença da poesia é atestada pelos poemas transcritos nas paredes dos corredores e pelo nome de poetas com que foram “baptizados” os 76 quartos da unidade hoteleira. Contudo o jardim apenas está cuidado junto ao palácio, mais parecendo quase matagal na zona oriental.
Não visitei nem o Palácio, nem a Capela, onde nos anos 60 do século passado assistia à missa com a minha tia-avó, em alternativa à vizinha Ermida do Senhor Jesus dos Navegantes, entre as Travessas da Ermida e a do Conde das Alcáçovas. Encerrada ao culto após a construção da nova igreja, a capela abre as portas anualmente, por altura das festas de verão, para ver sair a procissão em honra do Senhor Jesus dos Navegantes, o seu patrono.
Do interior da capela do Palácio nada me recordo, embora seja referido o valioso trabalho em talha dourada proveniente dum convento lisboeta, no séc. XIX. Sobre o Palácio encontra aqui vasta informação (4)
No início da Travessa Conde das Alcáçovas encontra-se um chafariz do séc XIX, recentemente reconstruído, incluindo os bancos onde se sentava para conversa quem na espera estivesse, para encher as bilhas. Fronteiro ao Palácio, a Casa da Dízima, actualmente restaurante, que remonta ao século XV e mantém a traça original. Era aqui que se cobrava a dízima, um imposto no valor de 10% do valor carregado ou descarregado das mercadorias e pescado. que revertia para o Rei.
Salvo indicação em contrário as fotos são de minha autoria e datam de 2014.Junho
NOTAS
vem de entre eros e afrodite 20 - cartas a Penélope 06
continua em entre eros e afrodite 20 - cartas a Penélope 08
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1975
2014
do Palácio -
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)