foto victor nogueira - paço de arcos (centro histórico)
Eis-me aqui sentado, rodeado de livros e papéis, o reflexo das luzes nos vidros, o eterno zumbido nos ouvidos. Tudo é silêncio, silêncio total em meu redor, o silêncio que enche as minhas solitárias madrugadas, silêncio neste momento quebrado apenas pelo dedilhar compassado no teclado negro com caracteres brancos de neve e o roncar de esparsos e liliputianos automóveis lá em baixo na avenida. Para lá das vidraças o negrume duma amena noite de verão, com mil luzernas cintilantes como se pirilampos fossem.
Na sala, a porta da varanda aberta para que entrasse a fresca brisa nocturna, temperada pelo cheiro da terra molhada e o leve agitar dos espanta-espíritos, permitia que de longe viesse o ruído da feira de Santiago, nas Manteigadas, para lá do parque verde da Belavista, agora mergulhado nas trevas da hora, enquanto via um filme que me agradou, “The Shadow Dancer”, mal traduzido para “Paixões Sob O Sol Da Toscana”. Não é de “paixões” que o filme trata, mas sim do dom da escrita, da arte e da capacidade de voar, usando as palavras e dando outra dimensão à descrição da realidade, sendo o escritor aquele que assumindo o dom supera desse modo os sonhos não realizados, dele ou de quem o lê, para isso necessitando duma dose maior ou menor de loucura, não se confundindo com o mero habilidoso no manejo das palavras e dos sons nelas contidos. É o jogo de luz, cor e sombras, no processo criativo, aquilo de que nos fala a película.
Era um texto para complementar a foto aquele que pretendia gravar no monitor. O que me faz lembrar outra cena do filme quando o velho escritor dá ao neófito uma máquina de escrever, daquelas com teclado, fita e carreto, em substituição do computador que dificultaria o processo criativo pois tudo é facilmente apagado, sem a obrigação de pensar e de escolher melhor as palavras. Pessoalmente não penso assim, pelo contrário, que facilita e o único óbice é perder-se o registo da evolução do processo criativo,, umas vezes rápido, outras dificultoso, em torno duma palavra ou duma descrição..
Mas a única semelhança ou ligação entre o jogo de cores e formas do azul da foto e o castanho dourado debruado de verde e vermelho do filme é a suavidade. E o silêncio que me rodeia e no qual estou mergulhado. Como pássaro de asas cortadas.
~~~~~~~~~~
é penélope
a musa
em calíope
in-fusa.
e à janela
míope
a gazela;
e o antílope,
A galope
o chavalo
sem hissope
a cavalo.
E lucifera é
sem que ensope
em rapa-pé
o frangope.
Onde o magma
que de penélope
abra o enigma
com chope?
Setúbal 2014 07 24
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)