* Victor Nogueira
ACERCA DUM DEBATE
O MFA não me parece que tivesse um programa, mas apenas objectivos. E várias "leituras" antagónicas
Há algumas perplexidades; Marcelo encurralado no Carmo por suposta sugestão da PIDE (que Spínola e Costa Gomes pretenderiam manter) e Tomás despreocupadamente à solta. A saída do pessoal civil de Lisboa à rua e a "resistência" de alguém no Posto de Comando do MFA foi um 1º travão à "leitura" de Spínola, a quem no entanto foi permitida a farsa da passagem de Poder por Marcelo para que este não caísse na rua. Aliás, o Poder residia em Tomás - deixado em paz - que livremente poderia nomear e demitir o Presidente do Conselho de Ministros.
O 2º travão foi a gigantesca manifestação do 1º de Maio, sobretudo em Lisboa mas também noutras localidades.
E outra perplexidade: era ou não prioritário neutralizar a PIDE, tomando a sua sede e prendendo os seus agentes ? Afinal a PIDE foi “neutralizada” por estar cercada durante horas pelos civis, que no entanto não conseguiram evitar a destruição dos ficheiros dos informadores ou “bufos”.
O 3º travão foi a recusa clarividente dos movimentos de libertação em deporem as armas.
E a história é feita de muitos imponderáveis. Se a fragata tivesse disparado sobre o Terreiro do Paço ? E se a Cavalaria não se tivesse rendido ? E se o "anónimo" atirador - inconsciente do resultado e consequências da sua decisão - tivesse obedecido à ordem de fogo sobre os revoltosos ?
Os militares do MFA seguramente que tinham contactos com organizações políticas que se opunham à guerra colonial e ao fascismo. Uns pretenderiam apenas a “democratização”. Outros uma alteração radical, uma sociedade socialista, embora houvesse radicais divergências quanto à suua caracterização. E uns e outros procurariam naturalmente apoios na “sociedade civil” ou em países estrangeiros.
Com tanta e diversa gente envolvida é perfeitamente admissível que a PIDE e os Serviços Secretos ou Embaixadas de outros países estivessem por dentro do “levantamento”.
Isso da “pureza” do MFA e da “generosidade” inquestionável dos seus membros é um mito igual ao das Cortes de Lamego. O MFA não era um grupo coeso, com direcção única. A esmagadora maioria dos membros do MFA não controlava todas as variáveis e todos os factos, mesmo que envolvidos nas manobras militares. Era humanamente impossível. Tal como os civis que em multidão “participaram nas movimentações desde esse dia 24 de Abril e durante longos meses que se prolongaram para além do 25 de Novembro. O caminho fez-se caminhando.
Mas neste “debate” parecem-me evidentes algumas “ausências”. A resistência dos povos colonizados e do povo português à exploração, à repressão e ao fascismo. Resistência essa nuns casos "imediatista", noutros organizada. Nos campos, nas fábricas, na universidade …
Sem menosprezo pelos contributos individuais e seu reconhecimento. Havendo várias facções e barricadas, natural é que cada uma tenha os seus heróis, os seus mártires e os seus historiadores. Com visões mais ou menos simplistas, mais ou menos elaboradas, mais ou menos complexas. Cada uma com a sua “verdade”. E é da confluência das várias “verdades” apuradas com diferentes pressupostos, perspectivas e metodologias que se entenderá o processo histórico com as suas movimentações sociais e agentes mais ou menos activos.
A luta contra o fascismo ou contra o capitalismo é – mal comparado - como um comboio em marcha, nem todos interessados na estação final e muitos saindo nas estações intermédias. Desinteressados da estação final ou opondo-se a ela atingidos que estejam os objectivos particulares do embarque e da viagem.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)