quinta-feira, 15 de setembro de 2016

de dia e de noite ouvem-se os aviões

* Victor Nogueira




De dia e de noite ouvem-se os aviões sobrevoando o espaço aéreo, roncando e atroando os ares, com maior ou menor intensidade. Mas habituamo-nos como nos sucedeu em Évora quando morámos na Rua Serpa Pinto, a dois passos da Praça do Giraldo, mesmo ao lado da Igreja de Santo Antão, cujos sinos tocavam de quarto em quarto de hora marcando o tempo, entrando repenicada e sonoramente pela casa dentro, mesmo se cerradas estivessem as portadas das janelas de guilhotina. Ao fim de algumas semanas já não os "ouvíamos". Aqui, no Mindelo não de Cabo Verde mas da Vila do Conde, o sobrevoo não é regular nem cadenciado e tem a dimensão da distância: vai aumentado até ao climax  e depois distanciando-se, perdendo-se no horizonte. Por mais que tente ainda não consegui fotografar qualquer avião pois passam muito alto e rapidamente, ao contrário do que sucede em Lisboa na zona do Campo Grande, o aeroporto da Portela de Sacavém já a seguir e não a cerca de 15 km, como acontece com o das Pedras Rubras.

Se a perda de audição é um aborrecimento e uma frustração quando não conseguimos entender o/a outro/a numa conversação  e se fica impedido de ir ao teatro, tem a vantagem de criar uma zona de conforto não ruidoso em torno de nós. 

Perda de audição que actualmente me impede de ouvir a chuva batendo no telhado desta casa térrea, quase como se estivesse em Setúbal, embora por razões diferentes. Com efeito no prédio de betão armado em cujo último andar  moro não ouço a chuva a bater na placa de cimento por cima de mim, muitas vezes dando por ela apenas quando desço nove andares e a vejo a cair ou dela encontro a marca no chão molhado, em espelho e poças de água. Mas hoje de manhã, por entre o troar dos aviões, dei por ela e chegando à janela da cozinha confirmei-a. Não caía em bátegas, grossas ou fininhas, antes em fiozinhos de água, cortina que mal se vê na foto cinzenta, à qual se seguiu céu azul e agora, horas decorridas, novamente acinzentado, o silêncio (quase) campesino quebrado pela passagem, desta vez longínqua, de mais uma aeronave. Fora isso, tudo é silêncio em torno de mim, sem aves saltaricando no muro do quintal ou brancas borboletas esvoaçando de flor em flor. Uma levíssima brisa agita suavemente o milheiral, ainda verde e, ao lado da árvore da borracha, uma solitária rosa vermelha chama a minha atenção.  A rubra rosa ou as suas multicolores "irmãs" consigo eu fixar em retrato, quase imóveis, presas que estão pela raiz ao solo. Mas não se deixam "aprisionar" pela objectiva as irrequietas e fugazes borboletas, sempre em contínuo movimento.




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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)