quinta-feira, 15 de setembro de 2016

rumor da brisa que passa e encanta



* Victor Nogueira

Gostava que viesses mas não virás nem sei se o desejarias de facto, se tudo não passa  de imaginações, sonhos, encenações para lá da magia e do encanto. É tramado o peso da educação ancestral, de séculos de feminina submissão e domínio, de jogos de gato e rato, em que se não sabe bem quem domina ou quer dominar quem. São tramadas as cadeias tecidas pelas dez mil bocas e pelos cem mil olhos em redor, da vizinhança, de comadres ou compadres, de filhos, irmãos e netos. Restam as palavras, o desejo e o silêncio em redor de mim, para lá das sonoridades da brisa que sopra lá fora, do suave rodado dos carros no empedrado da  calçada, do meu dedilhar no teclado que pobremente fixa e limita o escorrer do meu pensar e sentir, ou do troar dos comboios que de longe chegam ou para longe partem.

Mas se não vens ou se vieste e não voltaste, satisfeita a curiosidadesinha de conhecer quem tão bem escreve  - dizes tu e muita gente - por vezes como se fosse príncipe ou princesa encantados cujo encantamento o personagem físico e real, ao alcance de todos os sentidos desfaz em nada e se perde no vazio. Sem retorno.

Poderia talvez escrever coisas belas, para ti, a quem dei um nome de código que só tu conheces, aquele com que te identifico quando me telefonas,  Poderia talvez usar a magia das palavras tecendo rendilhados e redes, mas não vale a pena fazê-lo se não és, pois gastas estão as palavras para quem é inominado Amor. Mas às prisões e aos egoísmos do Amor prefiro a serenidade, a liberdade  e a tolerância da Amizade. Tão ou mais exigente que românticos amores. Mas, para lá de Ítaca, estão gastas as palavras. Como escreveu Eugénio de Andrade, o poeta cujos textos expressam não a plenitude da alegria do amor alcançado mas a nostalgia do que se perdeu ou não alcançou.  Escuta, é o


RUMOR

 Acorda-me 
um rumor de ave. 
Talvez seja a tarde 
a querer voar. 

A levantar do chão 
qualquer coisa que vive, 
e é como um perdão 
que não tive. 

Talvez nada. 
Ou só um olhar 
que na tarde fechada 
é ave. 

Mas não pode voar. 

(Eugénio de Andrade)

DA SÈRIE entre eros e afrodite - cartas de ítaca
foto victor nogueira - pôr do sol em beringel 

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)