sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Pingos do Mindelo 03

* Victor Nogueira

Os dias continuam quentes, soalheiros e luminosos, apesar de algumas poucas manhãs neblinadas. Já se nota o fim dos veraneios pois há menos engarrafamentos em Vila do Conde e na Estrada Nacional. Mas os entardeceres e as noites tornaram-se frescas, obrigando a vestir um agasalho.

Ao fim da tarde estralejam foguetes em festas nas cercanias, despedida das que se realizam por este Norte acima, nas aldeias, cidades e vilarejos. Onde é a "festa" neste momento, desconheço. Sei depois que são as Festas de Santo Ovídio em Vairão, que se realizam anualmente no 1º fim de semana de Setembro


Fui abastecer-me ao Mini-Preço em Chinatown, na Zona Industrial, que agora foi "abarbatado" pela Cadeia Modelo / Continente. A variedade de produtos e diversidade de marcas é pequena e serve apenas para os "desenrascansos". Ao lado existe um mini mercado chinês com produtos maioritaramente chineses: alimentares, enlatados ou congelados, e bebidas, para além de hortaliça e carne. É uma aventura tentar comprar sem saber o que é e ao que sabe, pois as etiquetas nas prateleiras muitas vezes reproduzem apenas em caracteres latinos o nome chinês. Fico-me por um bolo - cujo nome não fixei -  e por bolachas de arroz. As embalagens têm no seu interior sacos de sílica para absorverem a humidade e prolongarem o tempo de duração dos produtos.Ao consultar o ticket das compras verifiquei o nome do que adquirira; Bolo da Lua e Bolachas Wantwant. Ambos os produtos são saborosos, parecendo-me que o bolo terá recheio de amêndoa.





Afinal descobri mais quatro abóboras no quintal, com variados tamanhos de crescimento. Mas ainda têm cor verde e aspecto de mamão e não de abóbora de Cinderela. Aqui fica o testemunho fotográfico bem como o de um dos repolhos.







Ainda não tive pachorra para voltar aos meus cozinhados. Nos anos subsequentes a 1986 e ao meu divórcio, quando aprendi a fazer pratos mais elaborados e abalançand  o-me a experiências, era um prazer cozinhar. Muitas vezes tinha companhia à refeição: os filhos, os e as colegas de trabalho e os jovens dos Programas de Ocupação Temporária no Urbanismo, que convidava, miúdos ciganos do Bairro como o Caló que me iam visitar. Mas agora a maioria das minhas refeições são solitárias, apesar dos meus convites.Portanto fico-me pelos bifes grelhados e pelas brutais omoletes - desta vez não acabaram em ovos mexidos. Cozinhar o trivial mesmo com algum apuramentos é fácil - basta dominar algumas técnicas e processos de cozedura e ter mão nos condimentos e respectivas combinações e na intensidade do lume. Sem a arte e a sapiência de Chefs de Cuisine como os meus amigos Carlos Barradas e Carlos Chagas, aqui fica o modesto testemunho da minha produção artesanal:



The last but not the least - Ao procurar roteiros para programas as minhas fotoandarilhices ali no armário e debaixo dumas revistas descobri, vejam, lá, descobri a máquina fotográfica GE 5X, que me desaparecera o ano passado, julgando eu que fora roubada ou a perdera. Já ganhei o dia com a pesquisa. 



E para terminar e do baú das memórias sobre culinárias. Em 1973 / 74 a minha mãe esteve de férias em Portugal - a chamada licença graciosa dos funcionários públicos das colónias  - e deixou ao meu pai e ao meu irmão um interessante caderno de recomendações domésticas, incluindo fáceis receitas culinárias. O meu pai nunca aprendeu  a cozinhar, nem mesmo o trivial, e segundo eu escrevera anos antes numa carta para  a minha mãe - cerca de 1958 - a especialidade dele era abrir latas de comida em conserva, de que já estava farto, ansiando pelo regresso materno a Luanda, terminada mais uma estadia dela em Portugal.





Mestre "Cuca" I

1972

Estou com um grave problema, pois já me esqueci das recomendações das minhas tias (eu bem lhes disse para deixarem-mas escritas): será que as batatas se põem ao lume durante 15 minutos? E quanto ao feijão verde? Deita-se no tacho quando a água ferver. E depois? Continua? Apaga-se o lume? Bem, o que for se verá! (MCG - 1972.08.23)

1974

Acabei de jantar;  o [Emídio] Guerreiro e eu comprámos comida no "snack" Camões e viemos de abalada até casa com um carregamento de salada russa (bah!), filetes de pescada (estavam bons mas tinham espinhas) e borrego assado com ervilhas (saboroso, mas a carne era tanta como os ossos). Meio queijito (que o Guerreiro tinha) e maçãs (que tenho ali) e fizemos a festa por 38$50 cada um. Ah! esquecia‑me, como fundo musical a "Pequena Sinfonia Nocturna", de Mozart. A cadeira (desmontável) que a minha mãe me deu permite um sentar confortável. Gosto muito de estar sentado nela: estuda‑se bem. (MCG 1974 ABRIL 24)

Contrariamente aos outros anos, parece me que desta vez a casa [de Paço d'Arcos] anda mais desarrumada. Ainda nem sequer lavei a louça do almoço, ali empilhada na pia. Hoje os meus parcos dotes culinários sofreram um rude golpe, ao tentar grelhar lulas. Ah!Ah!Ah! Uma "pessegada"! Espero que o esturricado saia e não dê cabo da frigideira (daquelas que estrelam ovos sem gordura!) Se não, lá vou entrar em despesas [e ouvir as minhas tias]. (MCG - 1974.09.12)

1986


Cheguei há pouco da Feira [de Santiago], onde fui dar uma volta e dois dedos de conversa com o pessoal conhecido após o jantar lá em baixo no Centro, única maneira de variar o cardápio, pois ao almoço não tenho tempo para grandes variações e aprendizagens. Tal como as mulheres, os homens, desde pequeninos, deviam ser ensinados a cozinhar coisas variadas e saborosas, embora simples. Felizmente que em tempos descobri um livrito acessível que posso consultar e seguir sem necessidade de ter ao lado, para consulta permanente, um dicionário da especialidade, para decifrar os termos técnicos como "refogado" ou "esturgido" e quejandos. (XXX - data ?) ([1])






[1] - Passe a publicidade, trata‑se do Guia Prático de Cozinha, da autoria de Léone Bérard, editado pela Livraria Bertrand em 1977.

1993

Acabei de temperar o frango para o jantar: sal, como não podia deixar de ser, pimentão doce ou colorau (embora também goste de paprika ou de piripiri), molho de soja e aguardente.

Hoje veio visitar-me o Caló, um miúdo que mora aqui no Largo e anda aí pelo prédio a pedir esmola e que asila aqui muitas vezes para jantar e ver filmes de desenhos animados ou banda desenhada. É um miúdo com dez anos, delicado e simpático (mas também com a escola da vida), muito franzino e parecendo por isso mais novo, embora tenha um rosto envelhecido, cujo pai, segundo ele, é pastor. Por vezes, ao fim de semana, aparece arranjado, mas isto não é regra nos restantes dias, talvez porque a madrasta não lhe ligue muito, embora esta não ande mal cuidada, quando por vezes aparece a procurá-lo; no princípio era todo machista, mas agora oferece-se para pôr a mesa, lavar a loiça e regar as plantas. As pessoas escorraçam-no ou não lhe devem dar muita atenção, por ser pobre e pedinte, pelo que ele diz a toda a gente que eu sou o maior amigo dele. (MMA - 1993.08.15)

Fiz para o almoço pernas de frango estufado com arroz de manteiga. Já ando a ficar farto de enlatados e congelados, que às tantas sabem sempre ao mesmo. (MMA - 1993.09.09/10)

A lavagem da louça suja fica para amanhã. (...) Resolvi fazer uma "bruta" omolete de camarão com cebola picada, salsa e queijo ralado. Não ficou mal, mas deveria ter posto menos azeite na frigideira. Menos sorte tive ontem, que me distraí e não ouvi o marcador de tempo, pelo que os "raviolli" pegaram ao fundo do tacho e ficaram um amontoado esquisito e sem graça. (MMA - 1993.09.10/11)

Depois, bem depois resolvi almoçar um prato africano, moamba de galinha com farinha de pau, num restaurante aqui perto de casa. Faço isso normalmente uma vez por semana, para variar e porque me aborrece tomar as refeições sistematicamente sozinho. Mas desta vez o único comensal era eu, mas ao menos comi um prato que não sei cozinhar e não me preocupei com a arrumação da cozinha. (MMA -- 1993.09.10/11)

Hoje tive visitas ao jantar: o Caló. Reparei que também  utiliza muito o Victor quando fala comigo, tal como sucede com a filha da Maria do Mar. Aquele devia ir para diplomata: oferece-se para ajudar-me, pergunta-me pelo Rui, pela Susana e pela minha mãe, elogia a minha comida ... (MMA - 1993.09.20)

Passei o fim de semana metido em casa. Apenas o Caló por cá apareceu à tarde, para ver e interrrogar-me sobre as fotografias e ver no vídeo filmes de desenhos animados do Walt Disney. Quando me preparava para regar as plantas ofereceu-se para fazê-lo, mas não jantou cá, pois entretanto a madrasta veio buscá-lo. (MMA - 1993.09.25/26)

De qualquer modo agora tenho com frequência companhia ao almoço. Com efeito o Rui anda com uma paisite aguda, de que te falei um dia destes ao telefone, pelo que vem até aqui  frequentemente para almoçar ou quando não tem aulas, pois a Escola da Belavista fica a dois passos. Normalmente traz um colega, nem sempre o mesmo, para almoçar também ou para jogarem no computador. E neste fim-de-semana resolveu ficar ... até 3ª feira (5 Outubro), embora a Susana tivesse ido embora hoje. (MMA - 1993.10.03/04)






no Mindelo

(...)
Faz a cama, varre e lava a loiça
Quando lhe falam com bondade.

No resto  também dá ajuda,
Mas sempre na casa do pai,
Bem nesta quer Susana seja a muda
No que no lar da mãe é ai"
(...)

in  Rui Pedro na Tela, 1989.08.09


em Setúbal

(...)
Com o tacho e a panela
Lá se vai ela ajeitando
(...)

in Retrato em Dia de Festa, 1989, 08.07

Mindelo
2016.08.28 a 09.02

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)