domingo, 2 de outubro de 2016

pastelaria "mexicana" em Lisboa e o que mais se lerá


* Victor Nogueira

Aqui na "Mexicana" nos meus tempos de estudante e mesmo depois disso muitas vezes lanchei e muitos encontros tive com colegas, sobretudo com a Emília mas não só. Perto ficavam os Cinemas Império, Estúdio e Londres e a Livraria Barata, que frequentava. Mais distante e num cinema de bairro cujo nome me não ocorre, numa transversal paralela à Almirante Reis e perto do Mercado Municipal, eram as sessões do CCUL - Cine Clube Universitário de Lisboa, de que era associado.


A Confeitaria "Mexicana" abriu as suas portas em 28 de Dezembro de 1946, na Avenida Guerra Junqueiro, junto à Praça de Londres, em Lisboa. ...
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Desses tempos ficaram os registos na minha correspondência relativos aos idos de 1974.

Da Alameda a Alvalade

Já é sábado, ao entardecer. Estou aqui na esplanada da pastelaria "Mexicana", aqui na Praça de Londres. As pessoas falam animadamente; todo o comércio, no entanto, está todo fechado: está em vigor a semana de 5 dias de trabalho. Assisti, ao meio da tarde, ao encerramento dos cafés e pastelarias, cujos clientes as abandonaram calmamente - muitos com pacotinhos de bolos - não fossem  manifestantes (que não cheguei a ver) partirem os vidros. Esperemos que a "palavra de ordem" não se tenha esquecido que há muita malta que precisa dos restaurantes para almoçar e jantar; no 1º de Maio, um tipo ainda aguenta, mas agora... ([1]) Ah! neste preciso momento abrem‑se as portas da pastelaria. Talvez o encerramento tenha sido apenas para o tempo da manifestação dos caixeiros, iniciada no Rossio. (Foi mesmo!). (MCG - 1974.05.11)

 Sentado aqui no "Copacabana" vejo as pessoas que passam aqui na rua ou que "estacionam" na esplanada. Um velho mal barbeado pede qualquer coisa às pessoas com chávena, pires e copos mais ou menos vazios diante de si, mas ninguém lhe liga. Relanceio o meu olhar ao meu redor e são velhos e velhas que enchem as cadeiras da esplanada. Além, na "Mexicana", a juventude é a nota característica. Que fazem estas pessoas ? De que vivem? Tão ociosas que estão!

Faço horas aqui na Avenida Guerra Junqueiro, [na "Mexicana"] junto à Praça de Londres. (...) Levanto o olhar e dou pela papelaria em frente; na montra títulos de livros ou assuntos na "berra": "Sobre o Capitalismo Português", "4 ismos" (uma porcaria!), "O Drama do Chile", "Tarrafal, Aldeia da Morte", "Watergate, o Processo do Século"´ (e eu a pensar nos julgamentos de Nuremberga ou de Estocolmo, respectivamente, sobre os crimes contra a humanidade, dos Nazis e dos Americanos no Vietname!), "O Capital (Karl Marx), "O Estado e a Revolução" (Lenine), "Como Iludir o Povo" (idem)...(MCG - 1974.09.12)   

Ali as Galerias ITAU, aqui na Alameda D. Afonso, estão fechadas - e deve ser há muito - pelo que resolvi sentar‑me na Esplanada do Pão‑de‑Açúcar a lanchar e, enquanto faço horas para ir até à Gulbenkian, vou escrevendo. O barulho é muito: dos carros que passam, o roncar dos motores e as buzinadelas, o chiar dos pneus no asfalto e o roçar das cadeiras e mesas de ferro no empedrado da calçada, isto sem falar no homem que varre o passeio e no vozear das pessoas que conversam. Enfim, uma "sinfonia" pouco agradável, mas lá dentro o ar está quente e de cortar à faca. (MCG - 1974.10.17)

Esta zona das Avenidas de Paris, de Londres, do Brasil e dos Estados Unidos, incluindo as Praças de  Londres e do Areeiro, ligadas pela Avenida da Igreja, correspondem ao desenvolvimento dos anos 50/60, aqui se pretendendo então que coexistissem em áreas recatadas e protegidas do bulício diversas classes sociais, espalhadas por vivendas ajardinadas e prédios de andares. Tudo isso ficou para trás e as avenidas de Roma, dos EUA e do Brasil são continuamente ocupadas por automóveis em movimento e atravessadas por viadutos ou por túneis, que facilitam o escoamento do tráfego. Os passeios da avenida de Roma foram parcialmente ocupados pelos automóveis e as ruas já não se atravessam com o descuido de outrora. (Notas de Viagem, 1998.Maio)




[1] - No 1º de Maio passei o dia inteiro sem comer; estava tudo fechado. Aliás o mesmo me sucedeu em Évora a 25 de Abril de 1975 e para que se não repetisse o mesmo no 1º de Maio resolvi convidar-me para almoçar em casa do Miguel e da Joana Bacelar.

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)