* Victor Nogueira
Está pois João na berma do caminho, o ar uma vezes sereno e
luminoso, outras cinzento e coberto de névoa, mal se distinguindo o horizonte.
Está pois João na berma da estrada, perto da encruzilhada dos 4 Caminhos, e
perante ele desfilam ou perpassam as pessoas, os comboios, os automóveis. Está
pois João só, Cansado da Guerra, pensando em Penélope, aquela cujo nome se não
pode pronunciar por encoberta estar, aquela cujo retrato está fechado a sete
chaves nos abismos profundos dum cofre
forte. Continua pois João na berma do rio enquanto Penélope com o seu
puzzle ciranda entre Veneza, Tóquio, Toronto, Machu Picchu ou Pompeia. Espera
pois João que a brisa ou as águas lhe
tragam Penélope mas poucas vezes as suas estradas se cruzam e caminham lado a
lado. Há quantos anos João precustra o horizonte, como se Penélope ou Faia
Maria fosse o Wally ? Navega pois Penélope, a Menina do Alto da Serra com seu coletinho de lã para
lá de Ítaca, em busca de outros
portos e marés, e na vida dela ele é apenas "um" embora para ele ela
seja "A". Quantas vezes no presente milénio esteve Ulisses esperançoso na cidade das muitas e desvairadas gentes pensando ir ao encontro de Faia Maria e no seu lugar encontrou apenas o vazio e o silêncio da sua ausência ?
Os anos são a soma de segundos, horas, dias, meses que se
acumulam, de afectos que se vão entrecruzando, frágeis perante a mais leve
brisa, sem a solidez do roble centenário.
É pois Ulisses fraco marinheiro, pois na berna do caminho, só continua,
com Penélope no seu pensar e no bolso jazem
as palavras enrodilhadas e uma carta amarfanhada, Por entregar.
Cena do filme Tempos Modernos de Charles Chaplin
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)