sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Carta de Ulisses a Penélope


* Victor Nogueira

Está pois João na berma do caminho, o ar uma vezes sereno e luminoso, outras cinzento e coberto de névoa, mal se distinguindo o horizonte. Está pois João na berma da estrada, perto da encruzilhada dos 4 Caminhos, e perante ele desfilam ou perpassam as pessoas, os comboios, os automóveis. Está pois João só, Cansado da Guerra, pensando em Penélope, aquela cujo nome se não pode pronunciar por encoberta estar, aquela cujo retrato está fechado a sete chaves nos abismos profundos dum cofre  forte. Continua pois João na berma do rio enquanto Penélope com o seu puzzle ciranda entre Veneza, Tóquio, Toronto, Machu Picchu ou Pompeia. Espera pois João que a brisa ou  as águas lhe tragam Penélope mas poucas vezes as suas estradas se cruzam e caminham lado a lado. Há quantos anos João precustra o horizonte, como se Penélope ou Faia Maria fosse o Wally ? Navega pois Penélope, a Menina do Alto da Serra com seu coletinho de lã para  lá de Ítaca,  em busca de outros portos e marés, e na vida dela ele é apenas "um" embora para ele ela seja "A".  Quantas vezes no presente milénio esteve Ulisses esperançoso na cidade das muitas e desvairadas gentes pensando ir ao encontro de Faia Maria e no seu lugar encontrou apenas o vazio e o silêncio da sua ausência ?


Os anos são a soma de segundos, horas, dias, meses que se acumulam, de afectos que se vão entrecruzando, frágeis perante a mais leve brisa, sem a solidez do roble centenário.  É pois Ulisses fraco marinheiro, pois na berna do caminho, só continua, com Penélope no seu pensar e no bolso jazem  as palavras enrodilhadas e uma carta amarfanhada,  Por entregar.



Cena do filme Tempos Modernos de Charles Chaplin


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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)