Para com os seus botões pensa
João Bimbelo que as palavras têm vida, e podem ser refrigério ou gélido sopro
gretando e queimando os lábios por aprisionadas, num grito
silencioso. muitas vezes aguardando o sopro que as fará florescer plenas
de cor e doçura, Há palavras ridículas, como as de Pessoa a Ofélia. Mas
sabes tu, Penélope, com que palavras tece Ulisses a teia, palavras
íntimas, resguardadas, palavras que assim escritas pareceriam deslavadas,
pois ambos navegam por mares não dantes navegados, tão longe de Ítaca em rotas
desencontradas ?
Tem sido Penélope mulher
reservada nos gestos e nas palavras, mas de repente abre a janela de par em
par, e diz com aquele seu tom gaiato e encantatório, embora estilo bate-e-foge,
para trás do cortinado: “és o meu anjo”, ”não me abandones”, deixando
Ulisses só, sem a chave do enigma, pois logo ela parte ficando João perplexo à
beira do cais onde ela o deixou sem olhar para trás, sem um retorno dos
passos ou aceno do beijo como pássaro lançado ao vento na ponta dos
dedos. Se Penélope assim o quiser, Ulisses com ela ficará, como rio
que corre para o mar, com o sol e a lua no horizonte.
Relê, pois, João as palavras
enrodilhadas prisioneiras num papel amarfanhado e nelas não encontra poesia mas
apenas uma trivial carreirinha de signos codificados com oculta chave, buscando
a saída para o mar. Como se ele tivesse deixado de ser o malabarista do verbo
tecendo a tapeçaria onde ambos possam repousar.
foto victor nogueira - pôr-do-sol em Cela (coutos de alcobaça)
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)