sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Para com os seus botões pensa João Bimbelo que as palavras têm vida

* Victor Nogueira



Para com os seus botões pensa João Bimbelo que as palavras têm vida, e podem ser refrigério ou gélido sopro gretando e queimando os lábios por aprisionadas, num grito silencioso. muitas vezes aguardando o sopro que as fará florescer plenas de cor e doçura, Há palavras ridículas, como as de Pessoa a Ofélia. Mas sabes tu, Penélope, com que palavras tece Ulisses a teiapalavras íntimas, resguardadas, palavras que assim escritas pareceriam deslavadas, pois ambos navegam por mares não dantes navegados, tão longe de Ítaca em rotas desencontradas ? 

Tem sido Penélope mulher reservada nos gestos e nas palavras, mas de repente abre a janela de par em par, e diz com aquele seu tom gaiato e encantatório, embora estilo bate-e-foge, para trás do cortinado: “és o meu anjo”, ”não me abandones”, deixando Ulisses só, sem a chave do enigma, pois logo ela parte ficando João perplexo à beira do cais onde ela o deixou sem olhar para trás, sem um retorno dos passos  ou aceno do beijo como pássaro lançado ao vento na ponta dos dedos. Se Penélope assim o quiser, Ulisses   com ela ficará, como rio que corre para o mar, com o sol e a lua no horizonte.


Relê, pois, João as palavras enrodilhadas prisioneiras num papel amarfanhado e nelas não encontra poesia mas apenas uma trivial carreirinha de signos codificados com oculta chave, buscando a saída para o mar. Como se ele tivesse deixado de ser o malabarista do verbo tecendo a tapeçaria onde ambos possam repousar.



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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)