terça-feira, 28 de novembro de 2017

No tempo em que eu era mais novo


Foto victor nogueira –Mindelo – Sombras com chaminé em relva verde que será colhida na Primavera para forragem do gado sendo então substituída pela cultura do milho a ser apanhado no Outono seguinte. E assim ciclicamente até que os campos sejam retalhados para loteamento urbano.

No tempo em que eu era mais novo
Fazia muitas perguntas e
metia conversa com muita gente, nos transportes colectivos ou na rua
[e diziam-me que eu era o "enciclopédia da família"]

No tempo em que eu era mais novo
A casa dos meus pais tinha sempre portas e janelas abertas - ao sol e ao vento -
e à mesa sentavam-se do operário ao engenheiro
qualquer que fosse a cor da pele

Também a minha casa sempre teve portas e janelas abertas
E à minha mesa senta(va)-se toda a gente.
- este toda a gente tem como limite reconhecer-me no outro/outra –
E muitas vezes os operários me dizem
que me consideram um deles

Hoje estou mais velho
- envelheci neste país pequeno, cinzento e de vistas curtas –

No tempo em que era jovem e no país em que nasci
- na camada social a que pertenciam os meus pais –
e mesmo depois na Universidade em Lisboa
os rapazes e as raparigas andavam juntos
no café, na praia, no cinema, em passeio.

Agora envelheceram-me
E se o Victor dos 20 anos se sentasse defronte do Victor de hoje
Seriam quase dois estranhos frente a frente
- neste país pequeno, cinzento e de vistas curtas –

Não perdi a juventude
mas envelheceram-me ou envelheci
e no outono da vida
continuo à espera da primavera.
Apesar de tudo as mãos e os gestos continuam abertos
- embora mais retraídos –
Mas das mãos escorre apenas areia
e um deserto de flores esmaecidas.

Vim com a esperança de rever velhas amizades e conhecer novas
mas nenhuma delas respondeu ao meu convite
e recolhido em mim
desisti de reencontros ou de conhecer novas gentes

Assim regresso ao sul
ao céu azul, luminoso e pleno de claridade
para um mar chão e de calmaria
onde não há penélope e ulisses
e a amizade é também quase sempre uma palavra vã..

No tempo em que eu era mais novo
cada pessoa era um amigo/amiga.

Mas isso, isso é passado,

Hoje ..., hoje as aves não [não são um pássaro em campo azul
nem] cantam no alto da madrugada.
- Alguma vez voarão de novo ?
Mindelo, 2015.11.26

De regresso ao sul 
[Setúbal 2017.11.28]




15 comentários
Comentários
Manuela Miranda Victor Amigo este poema fala da velhice e hoje faz anos que faleceu o meu Pai já velhinho. Como tu escreves bem e fotografas bem Obrigada beijinhos Bom Fim de Semana 
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Filipe Chinita o meu abraço, camarada. nunca mais me contaste nada daquela nossa aventura!
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Filipa Calado Muito bonito Vitor! Obrigada
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Maria João De Sousa Forte abraço Victor Barroso Nogueira, e obrigada pela partilha do teu poema "de regresso ao sul", bem como da fotografia!
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Silvia Mendonça Me parece uma composição interessante, Victor Barroso. Criatividade não é para todo mundo. Beijos de mim.
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Isabel Dias Alçada Feliz fim de semana amigo , beijinhos
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Judite Faquinha Lindíssima a tua história, camarada amigo, e sabes, com o tempo também envelheci...mas, o meu espirito, se esquece e eu também, só me lembro quando tenho o espelho á minha frente...mas, também não me importa, todas as faces da idade tem a sua beleza... mas, ao contares a tua história na tua veia poetica me encanta lindo!!! Um feliz resto fim de semana. beijokinhas amigo 
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Milu Vizinho Obrigada pela partilha Victor, muito bonito...Gostei 
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Maria Lúcia Borrões   

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Responder2 de Dezembro de 2015 às 10:57
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Luisa Neves Excelente. Abraço.  

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Responder3 de Dezembro de 2015 às 2:18Editado
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Emilio Rodrigues · Amigo/a de Vítor Dias e 129 outras pessoas
belo texto de nostalgia e desencanto.


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1
15 de Dezembro de 2015 às 9:30

***


[Este poster ou cartaz estava afixado numa das paredes do meu quarto de estudante em évoraburgomedieval, para desespero e contrariedade da hospedeira que o considerava uma "porcaria" e "pouca-vergonha", tal como duas outras fotos também afixadas, uma delas relativa ao Maio de '68]

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)