sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Os primeiros poemas 01


Ao ler os meus diários e a correspondência recuperada, desde a meninice até à juventude, verifico que a minha prosa é seca, objectiva, sem metáforas, e mais ou menos encadeada. Ler os meus diários escritos dos 13 aos 15 anos é ler um relato seco e objectivo de factos, na maioria dos casos sem ponta de revelar sentimentos ou emoções. Nas bibliotecas familiares dos meus pais, do meu tio paterno José João ou minha não havia praticamente livros de poesia,  não obstante os cadernos manuscritos de poesia escritos pela minha mãe ou pelo meu tio materno Joaquim. Para além destes manuscritos, lembro-me que havia apenas o, de Soares de Passos, a Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro, e os da Biblioteca Imbondeiro, de Sá da Bandeira, com poetas angolanos, de outras colónias e do Brasill. Ah! E uma antologia mimeografada de poetas angolanos, retirada do mercado pela censura fascista, editada pela posteriormente encerrada Casa dos Estudantes do Império, acusada de actividades subversivas.

Foi pois em Évora - em 1968/69 - que o meu interesse pela poesia foi despertado, sobretudo pela Noémia, mas também pela Margarida Morgado, no seu cenáculo na sua casa de évora  - a toca da Margarida, como a malta do Arcada a denominava.

Os meus poemas dessa altura são relativamente despojados, alguns neo-realistas, praticamente sem metáforas, e sem rima. A rima, a métrica, as quadras, os sonetos, (estes sobretudo a partir de Shakespeare), esses foram-me ensinados em 1989 pela Joana Princesa.

A presente edição respeita a formatação original.

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1, - Tinha uma carta já escrita, fluente na minha mente. Chegou a hora de escrevê-la e ela ruiu, as palavras escorregaram por entre os dedos, em todas as direcções, e no papel nada fica senão uma pasta informe (...) Nunca liguei á poesia. Achava-la inútil, algo inexistente para mim. Ouvi falar em rima (amor com fervor, queijo com vejo, morte com sorte), em métrica, etc. Das divisões silábicas apenas me lembro dos alexandrinos....
.
Bem, como a prosa é mais fácil, com mais canelada para a direita, menos cotovelada para a esquerda, resolvi escrever epístolas por gosto e exercícios de apuramento e chamadas escritas a contra-gosto e relógio. Se alguém dissesse que eu acabaria um dia por escrever frases desiguais empilhadas umas em cima das outras, a que a minha amiga [Noémia] chama poemas, eu rir-me-ia. Mas também nunca nos dias da minha vida sonhara viver em Évora e tirar um curso de sociologia. (NSM - 1969. Évora - Páscoa)

2.

A "Natureza Morta" (*) não me parece nem pessimista nem optimista; são apenas os olhos com que vejo Évora. (...) Os meus escritos permitem várias leituras, possibilitadas pela ambiguidade decorrente da disposição das palavras e frases, pela colocação da pontuação ou sua ausência. (MCG - Évora - 1972.10.20)
.
No que digo ou escrevo não há senão a constatação despojada do que me parece ser a realidade. (MMA - Paço de Arcos, 1986.08.31



3. - 

PS 1 - E DEPOIS na volta DO ADEUS (*)


"Para quê tanto silêncio e palavras?"
Foi a primeira quadra que eu bem fiz
Mas com a rima eu não acertava
E daquela maneira ficou, assim quis

Na segunda fabricação minha amiga
Me ensinou a contar bem com os dedos
As sílabas para bem escrever minha cantiga
E vai daí começou este meu enredo  (...)

PS (2)  - E DEPOIS na volta DO ADEUS
OH! MIL SOIS, MARIA, SEM FUTURAR
DAS ESTRELAS NO CAMINHO DOS ASTROS

" Para quê tanto silêncio e palavras?"
Foi a primeira quadra que eu bem fiz
Com a rima eu não acertava
De maneira que ficou, assim quis

Na segunda fabricação, amiga
Me ensinou a contar bem com dedos
Silabas p'ra escrever minha cantiga
Vai daí começou o meu enredo (...)

Setúbal 1989.08.08


4 - Também posso vestir a realidade com fatos alegres e música e folguedos e brisas cariciantes e olhares de veludo e sedutores e de pedrinhas saltitando pelo riacho com se aves cantando fossem. Com as palavras e a arte de usá-las se pode tornar mágico o que não é e soalheira a mais triste noite ou brilhante como se de mil sóis rendilhados falassem o que me cerca e com elas me libertando :-)

Ou não ! ! Porque o mágico tem consciência dos truques para tornar mágicos os enganos ! (setúbal 2010.11.01)

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No cimo das escadas, o menino ...
Os negros olhos perdidos algures
Carta recebida/respondida

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1969

01.

 
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02

Os negros olhos perdidos algures
Parados. Imóveis. Ausentes.
E uma terrível raiva desesperada apoderando-se de mim.

Que pouco mais poderia fazer senão esperar
Esperar que se movessem
que a palidez se fosse.
Tão grandes e tão pequenos
Tão fortes e tão fracos!

Que somos nós?
Que podemos nós?
Esperar, esperar. Iludir!

Uma face imóvel
Uns olhos fixos desmesuradamente abertos
Uns cabelos emaranhados e molhados
um rosto pálido, imóvel!
Não mais ver o seu sorriso
Não mais esperar tudo esperando nada.
Ou antes ... esperar nada
desesperar.
Tão fortes e tão fracos!
Tão grandes e tão pequenos!

Um corpo frágil envolto num roupão rosa

Mas os olhos movem-se.
Um sorriso nasce nos lábios
E a calma volta!

Depois, ... a vida.
E os outros à volta
ouvindo a história duma grande viagem que se não realizou
que foi adiada!

Depois o esperar tudo e o esperar nada.

Lábios que uma vez mais se cerraram
E não disseram o que pretendiam

Mãos que de novo não acariciaram um rosto.

Que ficaram suspensas
sempre suspensas
esperando tudo
esperando nada.

Risos, danças, lágrimas
desesperos, danças e risos
Num Sábado deste imenso carnaval.

Évora  1969.Fevereiro.15

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03

 Para a Lili

Carta recebida/respondida
respondida/recebida
Assim, como bom menino
- que todos devemos ser -
Todo aperaltado:
o   vinto das calças bem marcado,
bem "nodada" a velha e querida gravata,
o cabelo, sem brilhantina, bem penteadinho
-    para a direita..

                                      Um cheiro a Lavanda
                                       ... e a Pitralon.
Nas mãos
-          lavadinhas –
um ramo de flores.
Tão amoroso!
o ramo ou o menino?
Braços que se abrem e se estreitam ...
Ffffchiúu! Ffffchiúúu
Feliz Aniversário, tti;
Que este dia se repita por muitos
Muitos, muitos e loooooongos anos!


(1) bem "nodada" - com o nó bem feito 

Évora, 1969.FEVEREIRO. 24

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No cimo das escadas, o menino ...
Este texto refere-se ao meu 1º dia de aulas, na primária, no Colégio D. Duarte, tendo como professora a D.Judite Mata. Entrei para a 1ª classe já o ano lectivo ia adiantado mas depressa apanhei os meus colegas. Contudo tive de repetir a 1ª classe, uma seca, pois não tinha ainda idade para me poder apresentar a exame. Esse foi o último ano lectivo que não coincidiu com o de Portugal. A partir daí as aulas e o ano lectivo coincidiam com os meses de imenso e abrasador calor e as férias grandes com a estação fria, a do "cacimbo"
Os negros olhos perdidos algures
Em Évora, na casa de hóspedes da D. Vitória Prates, o esquentador a gás estava na casa de banho. Enquanto os rapazes tomavam banho com a janela escancarada ou semi-cerrada, conforme a estação do ano, as raparigas fechavam-na, escusadamente, pelo que por vezes, sobretudo se tomassem banho umas a seguir às outras, alguma acabava por ficar intoxicada, o que sucedeu com a sobrinha da hospedeira, a Ermelinda Prates, referida neste texto. A janela da casa de banho, num 2º andar, dava para telhados e não havia qualquer janela ou terraço que servisse de miradouro e permitisse a quem quer que fosse devassar as "intimidades" das meninas, mas as púdicas virtudes a tanto obrigavam. Anos mais tarde tive mesmo de fazer a respiração boca-a-boca a outra hóspede até ela abrir os olhos, a Vicência, encontrada inanimada e - oh! meu Deus - completamente nua no lajedo da casa-de-banho, trancada a sete chaves, mas que consegui abrir, ultrapassando a atrapalhação e aflição da D. Vitória, também deveras preocupada em cobrir a nudez da moça, ali exposta com todas as suas curvas e miudezas aos olhos do senhor Nogueira, como o Criador a pusera no Mundo. 
Carta recebida/respondida
Este é um texto escrito por ocasião do 43º aniversário da minha tia Maria Luísa, que só respondia a uma carta depois de ter tido resposta à dela e se preocupava muito com a apresentação e vestimenta do sobrinho.


Texto reformulado em 2017.11.03

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