sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

epistolário 002


O pensamento é escravo da vida, e a vida é o bobo do tempo (Shakespeare) - Tudo se destrói, tudo perece, tudo passa; só o mundo é que fica. Só o tempo é que dura (Diderot) - Suprimir a distância é aumentar a duração do tempo.A partir de agora, não viveremos mais;viveremos apenas mais depressa (A.Dumas) - Todos os dias vão em direcção à morte, o último chega a ela (Montaigne) - Não há poder maior no mundo que o do tempo: tudo sujeita, tudo muda, tudo acaba (Pe.António.Vieira) - Hoje que te escrevo é o 1º dia do resto da minha vida. Hoje que me lês é o primeiro dia do resto da tua vida. Por cada dia que passa menos são os primeiros dias no resto das nossas vidas (Victor Nogueira)

epistolário 002

* Victor Nogueira


Olho pela janela, baça de nevoeiro que é aparente e uma lavagem tornaria transparente, a ver se te vislumbro. Mas os carros que passam na avenida são esparsos e nenhum para e no parque verde não há nem miúdos a jogarem à bola nem pessoas, conversando, sentadas ou não nos bancos, ou passeando/passando mais ou menos vagarosamente pelas áleas. Estão despidas a maioria das árvores, cinzentas nos seus galhos, esquálidos dedos apontados para cima, uma ou outra verde na vivacidade perene da sua copa.

Não ouço pois os teus passos e se os ouvisse reconhecê-los-ia ? E tu, se passasses lá em baixo no jardim, agora despido enquanto não reverdece, olhando para cima, reconhecer-me-ias por entre a multidão que nas sacadas, janelas e varandas te acena e sorri, mais ou menos sinceramente ? Como saberás se és a que mora em mim ou que não ficarás desiludida por não seres aquela que tenho em meu pensamento ? Ah ! Como (quase) sempre baralho o jogo e dou as cartas de novo ? Fosse a vida e nós simples e descomplicados !

Quero e não quero que me reconheças, espero ansiosamente por ti e ao mesmo tempo receio a tua vinda, o teu reconhecmento. Todo eu sou, usando palavras gastas, trémula ave como frágl é a cana agitada pela mais leve brisa. Virás ? Reconhecer-me-às? Reconhecer-nos-emos ?  

Ah! Como sou impaciente. Sou talvez porquue nasci antes de tempo, aos sete meses, e tive de lutar para sobreviver. Tudo hoje é tão rápido, tão instantâneo, tão volátil !! Escrevo e no mesmo instante podes ir lendo o que vou escrevendo, falando e simultaneamente nos vendo na webcam que está sempre desligada. Já não é aquele tempo pautado pela abertura do marco do correio ou pela chegada do carteiro, aquele tempo dos minutos contados e controlados pelo dinheiro escasso, das esperas mais ou menos longas na tabacaria com telefone público - 4 cabines - ao cimo da rua do raimundo em évoraburgomedieval ou na babel do rossio lisboeta ou na estação de correios na tripeira batalha. Como dizia Alexandre Dumas - que diria ele hoje ? - "Suprimir a distância é aumentar a duração do tempo.A partir de agora, não viveremos mais; viveremos apenas mais depressa"

Carpe Diem - Atrás do Tempo Tempo Vem ?   http://contosdiaadia.blogspot.pt/

Enquanto espero por ti e porque a vida não para e prossegue indiferente a nós nem há trombetas que parem o sol junto às muralhas de Jericó, deixo o meu pensamento vaguear pelas "novidades". São tempos sombrios os de hoje. Mas houve nos milénios da história do mundo e de portugal e das colónias - não esqueçamos - tempos igualmente ou muito mais sombrios e tenebrosos, de fome, miséria, opressão, mas em que a classe dominante oferecia do alto da sua opulência o chicote, brioches, palha ou a metralha aos famintos, (in)seguros na sua arrogância e desprezo e falsidade.

E também penso numa das notícias - a daquele decisão dum tribunal retirar os filhos à mãe, não porque ao contrário de muitos outros esta não lhes tivesse afecto ou os malltratasse, mas pk deles não cuidava numa família não estruturada. E a despropósito dizia-se que uma das razões da decisão de retirá-los para adopção por outra família era a mulher não se tornar estéril por laqueação das trompas do ovário. Foi assim com Hitler, com a esterilização até à solução final não apenas dos judeus mas - sobretudo apesar do "esquecimento", não fortuito mas deliberado -  dos comunistas, dos socialistas (que não são os súcialistas do súcialismo em liberdade), dos sindicalistas, dos opositores políticos, dos ciganos, dos eslavos, dos negros, dos soldados do exército vermelho ou membros da resistência. 

Falam eles dos "mercados" e das troikas  - ocupantes ou 5ª coluna interna - da confiança dos mercados, da austeridade, do castigo calvinista ou da raça superior, da submissão judaico-cristã, como se os mercados fossem pessoas, como se a política e a economia tivessem como finalidade fatalista a de servir a opulência crescente dos insaciáveis e criminosois senhores e senhoras do mundo,  acolitados por miseráveis sacristães, capatazes e testas de ferro comprados a peso de ouro ou enganados pelo cheiro dum prato de lentilhas ou a miragem de dez reis de mel-coado.

Suprema hipocrisia de quem grita "viva a vida" quando a sua política é desde sempre, ao longo dos séculos, ao longo dos milénios - com ou sem almofadas - "viva la muerte !". Seja ou não feita de seguros mas escavacados e alegres passes de coelho sócretinos, só-ares ! Simples executantes de ocultos mandantes. Quando não apenas uma multidão de acéfalos apoiantes e acompanhantes !

São os mesmos que se preocupam com a vida, com a liberdade, com a democracia  - a deles - quando atrás de si deixam um rasto de sangue, ruínas, violência e morte.

Quando me falas/falares de amor, de que amor estamos/estaremos falando ? Não seria esta a reflexão que esperarias, tu que aparentemente silenciosa estás. Ou comentas ao de leve, como felino passando sobre as brasas.  Mas não há para mim jardins fechados, oásis frondosos no meio do deserto que nos cerca e que não vemos ou não querem que consciencializemos, para que a nossa força continue fraqueza, individualismo,  egoísmo, desânimo !  No fragor da batalha, mesmo que o som te seja alheio, não há entre as barricadas, lugar para ilusório(s) meio-campo !

Setúbal, 2013.01.26

João Bimbelo


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* Victor Nogueira

DE NEGROVERMELHO

De negro vermelho
Em campo aberto mal fechado
…………..pela paz em construção
…………..pelo pão que se não faz
…………..pela  liberdade sem caridade ...
Coisas…belas só de vê-las
….…uma criança em contradança
….…com imaginação no coração
.……esperança e alegria
…… pedra a pedra no dia-a-dia
…….da cidade em democracia.
Não há criação         sem mim, diz o patrão
…………..amigo da servidão
…………..de porrete na mão !
Quem assola o sossego de quem teme o povo demente
…………..seja ou não terra-tenente
…………..com o zé  povão em baraço ?
Mas poderá haver outra inspiração
…………..poderá um homem dizer sim ou não
…………..deixando de ser solidário
….......…com quem tem mau solário
quando lhe pesam a fome
………………a sede e
………………a opressão
……………..de quem não tem pão no meio da escuridão ?!


1991.06.25 | 1992.03.12|
Setúbal


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* Victor Nogueira

DOIS MOMENTOS, DOIS RETRATOS

. - Uma "manife" em Évora, num verão quente, nos idos de 1974

Ontem, no comício do PC, ali no Rossio de S.Brás, o Álvaro Cunhal falou na independência dos povos das colónias. (...) Ainda antes do Álvaro Cunhal falar o palco foi abaixo por duas vezes. Uma multidão imensa concentrava se em redor do palco, junto ao Monte Alentejano, agitando se inúmeras bandeiras vermelhas do PC. Em uníssono, a multidão repetia as palavras de ordem, de punho erguido.´

Detecto, junto a mim, um grupo que vai comentando ao sabor das intervenções. Quando se falam nas torturas sofridas pelo Cunhal e outro comunista, uma mulher ao meu lado diz me: "Coitadinho! Bandidos!" E a multidão grita: "Morte à PIDE!". Dois delegados dos Sindicatos Agrícolas (Évora e Beja) enumeram as quebras dos contratos colectivos de trabalho e o nome dos latifundiários. A multidão grita: "Morte aos cães!" "A terra a quem a trabalha!".

Ao meu lado, algumas mulheres dizem: "É assim mesmo!" e "Essa sou eu!", quando se fala em ranchos despedidos. O Álvaro Cunhal cita as lutas revolucionárias dos trabalhadores alentejanos e a "palha" que os latifundiários teriam mandado dar aos trabalhadores que imploravam comida. E a revolta; que enquanto houvesse ovelhas, galinhas e porcos não comiam palha os trabalhadores!

O Partido faz a sua campanha e no palco estão pessoas que já conheço de há muito. Por detrás delas, enormes, em fundo vermelho, as efígies de Marx, Engels e Lenine. A brancura de Évora é agora quebrada por cartazes do PC. Marx, Engels e Lenine enchem as ruas, conjuntamente com cartazes com a foice e o martelo. (1974.07.28)



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* Victor Nogueira

Campanha pelo Direito à Vida !

* .... dos que morrem na Palestina, no Iraque, na América Latina, em África, na maioria dos países asiáticos. Que morrem e morreram vítimas da destruição das suas economias pelo capitalismo galopante e agora globalizante nos seus tentáculos. Pelas crianças que nasceram condenadas à subnutrição, pelas pessoas vítimas dos bombardeamentos e das guerras porque o fabrico e venda de armamento é um negócio para dar dinheiro aos grandes accionistas. Pelas vítimas do desemprego, da negação do direito ao trabalho e à felicidade. Pelas vítimas dos embargos económicos, hoje decretados pelos EUA, ou dos embargos da poderosa indústria farmacêutica.

Pelas vítimas das perseguições religiosas pretensamente feitas hoje pelos muçulmanos, outrora tolerantes, e ontem e hoje pelas igrejas cristãs e as guerras em seu nome, incluindo a intolerante e misógena igreja católica apostólica românica, com os seus autos de fé e menosprezo pelas mulheres, durante séculos consideradas seres sem alma. Pelo direito à vida de todos nós, mesmo daqueles que não questionam nem fazem por mudar um sistema de organização da sociedade baseado em princípios egoístas e predadores, conducente à destruição da vida neste planeta, paulatinamente levada a cabo nos seus poucos séculos de existência face aos milhões de anos de existência de vida na Terra..Porque o direito à vida não é apenas o direito a nascer. É o direito a viver em harmonia com a natureza e com os restantes seres vivos, com dignidade, com saúde, com inteligência, sem subordinação a senhoritos/as e seus capatazes e homens/mulheres de mão, bem ou mal cheirosos e vestidos com maior ou menor elegância, por cima da mentira e da miséria de milhões.

2005.03.17 (a favor, no referendo sobre a IVG).

Distribuído pela minha mailing list em 2005.03.17 e publicado no Kant O Ximpi em - 2007 Maio 21 e na Travessa do Ferreira em - 2007 Maio 22



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epistolário 001  - https://www.facebook.com/notes/victor-nogueira/epistol%C3%A1rio-001/10151245110964436
16 comentários
Comentários
Margarida Piloto Garcia Li e vi tudo e PIM.... levei um baque!!! Porquê, perguntarás tu? Por tanta coisa que fosse agora escrever não sei quando acabava. Mas vou escrevê-las sim, aqui ou noutro lado...porque PRECISO.
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5 ano(s)
Maria Márcia Marques Hoje e sempre serão os primeiros dias do resto da vida de qualquer pessoa que ande por este planeta, sabe-se lá o que acontecerá nos outros...uma espécie de carta dirigida a quem se quiser envolver nela e sentir as palavras como se fossem únicas, como se dum segredo se tratasse...."Como saberás se és a que mora em mim ou que não ficarás desiludida por não seres aquela que tenho em meu pensamento...." é a que mora no murmúrio do vento, na brisa de fim de tarde, nas ondas do mar contra a areia, no silêncio da noite...
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5 ano(s)
Maria Jorgete Teixeira Tiram-me a vontade de escrever, as tuas palavras, em ritmos lentos ou sincopados, excessivos sempre, porque excessiva é a alma que se vislumbra por detrás...
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5 ano(s)
Joaquim Carmo Parabéns, amigo, porque não desiste! Abraço
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5 ano(s)
Yolanda Botelho gosto de tudo....e das fotos muito.Bjs
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5 ano(s)
Maria Márcia Marques Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas 
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto. 
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas 

Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto... 

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas, 
Visitaste este mar inabitado e morto, 
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas, 
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto? 

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos 
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos... 
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol! 

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste, 
E contemplo o lugar por onde te sumiste, 
Banhado no clarão nascente do arrebol... 

Olavo Bilac
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5 ano(s)
Maria Márcia Marques Uma borboleta amarela?
Ou uma folha seca
Que se desprendeu e não quis pousar?

Mario Quintana
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5 ano(s)
Graca Maria Teixeira Pinto Tanta coisa para ler e é um prazer lê-lo, Victor Nogueira!
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5 ano(s)
Maria Rodrigues  obrigada amigo adorei
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5 ano(s)
Ana Maria Madail Adorei!!!! 
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5 ano(s)
Margarida Ourives Gostei muito. Bjs
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4 ano(s)
Deolinda Figueiredo Mesquita Adorei Victor! Sempre um prazer ler-te. Bjs
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4 ano(s)
Vânia Cairo Ad´rável, amigo
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4 ano(s)

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)