letras perdidas
* Victor Nogueira
- Hoje esteve um dia bonito e fresco, durante o qual estiveste muitas vezes no meu pensamento. O vento ligeiro agita as antenas de TV no telhado, enquanto andorinhas chilreiam e cruzam o céu azul. É já ao entardecer. (1974.07.14)
- Passa da meia noite: o tic-tac do relógio enche o quarto. Os sacos estão arrumados e o quarto também. A mesa, essa ainda não. Arranjo um espaço à minha frente. Estou triste e cansado. Desta vida de estudante, o que mais me custa é a partida para férias. Ou porque as férias não têm sentido – a seguir há os exames e a preocupação deles – ou porque [sem ti, ausente] não têm qualquer significado. Bah! isto são balelas.
- Não me apetece escrever-te. Mais correctamente – hoje não tem qualquer sentido escrever-te. Telefonei-te apenas porque tu esperavas o meu telefonema. Que não me apetecia fazer. Depois, não sei falar ao telefone, porque basta um nada para que as minhas palavras endureçam e a minha voz se torne agreste. Para além disso a porta da cozinha estava aberta e tu numa cabine telefónica, mal nos ouvindo um ao outro. Eu, o homem que se quer tolerante e compreensivo, atento aos outros, alguma vez serei isso? Tenho em mim esta austeridade do rigor …
- Para além disso o tempo dum homem é também para o amor e ternura e estes têm estado ausentes. Enfim...
- (Sabes, é bom também sentir-se o corpo duma mulher junto a nós, porque o amor e a ternura não são só palavras, muito menos apenas escritas, mas também a possibilidade de se manifestarem nos gestos.) . (...) (1974.06.10) .
- Mas nada disto interessa. Uma presença, um gesto, um sorriso, valem mais que mil palavras. Por isso te deixo.
- Conheces o Eugénio de Andrade ? Embora seja o poeta do amor que se perdeu ou não foi alcançado, é menos trágico, mais límpido, mais cheio de luminosidade, do que Florbela Vejo-te melhor retratada ou reflectida no Eugénio do que na Florbela
- "Tinha uma carta já escrita, fluente na minha mente. Chegou a hora de escrevê‑la e ela ruiu, as palavras escorregaram por entre os dedos, em todas as direcções, e no papel nada fica senão uma pasta informe"
- "O "teu" Eugénio de Andrade tem poemas belos mas o António Reis, para mim, não lhe deve nada, embora seja um poeta algo desenganado: a vida que ele reflecte é um rosto sereno com rugas ao canto dos olhos sorridentes; às vezes duma bondade repousante, outras reflectindo um certo cansaço, um certo desengano. Existe amor - em certa medida tal como o entendes - na simplicidade dos seus "Poemas Quotidianos". Por isso gosto deles."
- "Disse-te um dia destes que relera com emoção um poeta que é o Eugénio de Andrade , de quem talvez tenha noutro tempo transcrito para ti alguns poemas. Dou comigo a relê-lo com uma certa tristeza. Porque afinal muitos dos poemas do Eugénio de Andrade expressam não a plenitude da alegria do amor alcançado mas a nostalgia do que se perdeu ou não alcançou."
- Hoje, tal como na manhã do dia em que partiste, o tempo está cinzento, quente, abafado, triste, cobrindo-me o corpo de gotículas de suor incómodas e peganhentas, devido à elevada humidade relativa. Irei tomar banho mas de pouco servirá, pois breve regressará esta indisposição devida ao tempo. Sinto a tua ausência e o teu silêncio. Continuarão ou não?
- Depois de um sábado triste, cinzento e para esquecer, apesar de me paecer que estamos cada vez mais distantes um do outro, uma peça musical suave e levemente melancólica, numa madrugada dum domingo que será igual aos dias da semana que terminou.
- Hoje o domingo está de neblina, às oito da matina e o sol ainda não conseguiu rompê-la. Acordei dos meus son(h)os agitados e cansado, agora com pessoas conhecidas, buscando coisas que nos sonhos perdi e não encontro ou em situações em que não encontro a saída. Ontem sonhei contigo por duas vezes mas esqueço logo a "história".
- Ontem pela 2ª vez- a 2ª pessoa - implicaram comigo. A 1ª já a conhecia há muitos anos, há mais de 20, pessoalmente. Mas esta nada me diz, é casada com um amigo meu, que estimo, mas não nos conhecemos pessoalmente e aparece-me ela quase diariamente no chat do inFaceLock, lisonjeando-me e esperando que lhe diga sempre que sim e lhe afague o ego. E pk o não faço nem posso ou deva fazê-lo do modo que ela insistentemente quer ou espera, disparata !
- Não sei se regressarás hoje e se o teu silêncio e ausência continuarão, O sol ainda não rompeu a neblina mas o dia está a ficar luminoso e brilhante, ameaçando ser de muito calor.
- Afinal o dia esteve soalheiro. De repente penso em nós e a magia desapareceu. Se a farás ressuscitar ou não, não sei ! Podes escrever-me ou falar à vontade, se assim o quiseres. Mas se sempre formos viajar, tens de aprender a dar injecções, que desde ontem que me começou a doer uma vértebra lombar e tive de pedir a uma amiga minha enfermeira que me viesse dar a 1ª de 3 injecções de voltaren, pois se não mal posso andar e conduzir nem pensar LOL Ai, que não me posso rir !
- Deixo-te um pedaço dum livro de Saint-Éxupery. O Principezinho como obra literária parece-me fraquinho, mas tem pedaços duma enorme beleza humana e poética, como este . http://aoescorrerdapena.blogspot.com/2007/07/o-principezinho-captulo-xxi-e-foi-ento.html
- "O silêncio é de ouro e tem a dimensão do universo, a palavra é de prata, a solidariedade de platina e a amizade uma esmeralda diamantífera ! O gesto e a palavra certos não têm equivalente !"
- Fiquei contente ao ver-te e eu era como a brisa ao sabor do teu olhar. Mas tu partiste repentinamente e uma noite plúmbea e um véu de silêncio desceram novamente sobre mim, cobrindo--me não de poalha dourada mas dum pó cinzento que esfarela a vida e os ossos. Tantas perguntas sem resposta ! Sobre ti, sobre nós, sobre a vida que fazes renascer em mim ! Que sou eu de facto para ti ? De Montalegre partirás para Coimbra, de Coimbra para Veneza, de Veneza para outro local qualquer !
- Tenho saudades tuas, mas para ti sou aoenas uma pessoa enquanto que para mim tu és a Pessoa. Eu sou "um" e tu és "A". Estou cheio de sono mas tenho de ir para Lisboa (Paço de Arcos) - não me apetece mesmo nada conduzir Apetecia-me ir para muito longe, sem me preocupar nem com os pais nem com os filhos. Toda a vida tentei ser livre e agora estou enleado numa teia de compromissos e preocupações familiares.
- o DISTRACÇÃO.
- Procuro-te
- levando-me-te
- como quem nas mãos leva
- um sopro de fragilidade
- que tu
- em gesto ou palavra dispersas.
- Caindo na seriedade
- o sorriso
- apagado..
- Setúbal . 1989.Setembro
- Está uma manhã de sol, linda, brilhante, cálida. Enviei-te uma foto ao nascer do sol mas a memória do telemóvel está cheia. Beijos com sabor a sal, sol e maresia !
- escrito hoje: "Eu quero tudo (entenda-se, no ser e não no ter) ou um pouco mais se puder ser. Pk apesar de tudo, das mágoas, das desilusões, no fundo de mim amo a liberdade, minha e de outrem, e acredito que o sonho comanda a vida, apesar dos pesadelos que frequentemente a ensombram e a enegrecem.
- Nem sequer sabia que existias qd publiquei este vídeo e no entanto, ao revê-lo hoje, parece uma previsão deste nosso fim de semana: a beira-mar, a praia, a ternura e carinho entre nós, o pôr do sol, a mocinha dos cabelos da cor do trigo em flor, o bailar de alegria ... Gosto tanto de ti que me apetece chorar, não sei bem porquê e os meus olhos ficam orvalhados de lágrimas brilhantes, cintilantes ... Será isto um esboço imperfeito, prestes a nascer, dum poema para ti, ao fim de tantos anos de silêncio ?!
- Chorar pode ser de alegria, de tristeza de raiva, de emoção ... E chorar pode ser tb um modo de lavar as tristezas, as angústias ... de abrir caminho ao renascer da vida, da felicidade, da paz ... da alegria da ternura e de manifestá-la sem receio.
- Não quero prender alguém. Não quero ser prisioneiro de quem quer que seja, Quero que me não cortem as asas e quero que outrem tenha tb asas para voar, mesmo que o seu voo para longe de mim seja um punhal cravado no meu peito. Mas o amoramizade é uma planta frágil e delicada !
- eu qd estou triste gostava de estar contigo, com as pessoas que amo. E são tão poucas !
- coleciono memórias. procucro estar com as poucas pessoas que me acalmam
- nao sabemos ainda as palavras certas para falarmos um com o outro. Para que haja pontes mas não punhais
- eu tb nunca consegui aprender. Nem nadar nem dançar. Toda a família é dançarina e eu um homem da beira-mar. As minhas danças são virtuais. Ah! também gostaria de esculpir e de compor música, mas nunca me abalancei. Fico pela fotografia e pela escrita de alíneas e parágrafos inequívocos, matemáticos, de encadeamento lógico, ou pela escrita poética
- O que me arrepia é a frialdade das praias portuguesas. Só gosto de V N de Milfontes e do Algarve de Tavira para leste. Habituado às de Luanda ... Mas aqui mergulho depois duma preparação psicológica: "Victor, ou és um homem ou és um bicho" e pimba, lá mergulho no gelo
- Eu sinto apenas a voz que ouço, a mão na pele, o olhar que vejo, as palavras concretizadas em actos no quotidiano. Não levo as minhas doenças a sério. Rio-me delas. Fui eu que noutra vez consolei o médico subitamente transtornado pelo estado de anemia que me descobriu admirando-se então de eu ainda estar vivo. Á morte ninguém escapa e não vale a pena pensar nisso !
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)