quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Eu queria escrever-te uma carta

* Victor Nogueira


«Eu queria escrever-te uma carta / Amor, / Uma carta que dissesse / Deste anseio / De te ver / Deste receio / De te perder / Deste mais que bem querer que sinto» 
António Jacinto in "Carta de um contratado"


Eu queria escrever-te
escrever-te uma carta,
amiga,
uma carta sem letras perdidas,
cinzelada com o calor dos dias de sol
e a serenidade do entardecer.

Eu queria escrever-te uma carta,
amor,
uma carta aberta às ondas do mar,
ondas do mar de Vigo,
ao vento e à chuva,
uma carta com sabor a maresia
que acolhesses na concha fresca do teu olhar,
do teu olhar,
com ternura rendilhada,
sem a fúria dum vendaval.

Eu queria escrever-te uma carta
uma carta desassombrada
sem muros nem ameias,
sem paredões,
uma carta que arasse um caminho aberto e chão
sem receio de perder-te.

Eu queria escrever-te uma carta,
uma carta, amiga,
uma carta que na volta não trouxesse
o vento suão que esfarela os ossos
a frialdade
um areal de flores desvanecidas.

Eu queria escrever-te uma carta,
uma carta cuja fragilidade entendesses,
uma carta que não rasgasses,
em mil trapos transformada.

Eu queria escrever-te uma carta,
uma carta, menina,
que não fosse um balbuciar,
uma carta com o calor da paixão
e a serenidade do amor.

Eu queria escrever-te uma carta ....

Mindelo, 2019.10.16
foto victor nogueira - 2 botes no estuário do sado, em setúbal

Sem comentários:

Enviar um comentário

Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)