Está soalheiro o dia, as rosas abriram e uma leve brisa corre no quintal. A sombra, pesem embora as alterações climáticas, o sol é de inverno, não aquece, arrefece e não enrijece o meu esqueleto, magro de carnes.
Neste início de dia que é também o início desta publicação: Bom dia, boa tarde ou boa noite, conforme a hora em que me escutar, da alvorada ao anoitecer ou no alto da madrugada.
José Afonso - "Canto moço"
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de manhã clara
Lá do cimo de uma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo de uma montanha
Onde o vento cortou amarras
Largaremos p'la noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca, brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca.
E a play list do You Tube, qual disc-jockey, logo de seguida, apresenta-me uma "toada beirã", na voz de Luís Góis
As arrumações prosseguem, como as marés, quando as ondas em vagas sucessivas se estendem e desfazem no areal, para logo no mar-oceano se recolherem, isto num movimento cíclico. Tão depressa esta tudo arrumado como logo de seguida a abertura de novos caixotes tudo invade com o seu conteúdo até este ser provisoriamente "arrumado", até à arrancada final e ao mar de calmaria.
Hoje é o 4º mensário da Mariana. Só a partir do 12º começará a festejar os aniversários. Na adolescência, talvez passe a adiantar o calendário para ser mais velha e quando for mais velha ou o parará ou o atrasara, para parecer mais jovem. Por enquanto, ainda é cedo para preocupações destas.
Happy Birthday, Peanuts Style! #1 - Dance Party
... ... .... ...
A ida é até Areias, na vizinha freguesia de Árvore, para ver as novidades na tabacaria do Café Areia Mar, onde por vezes lancho, e comprar pão na Padaria/Pastelaria N. Sra de Fátima. No regresso não entro na Farmácia de Árvore, mas sim no Supermercado Marisol, para comprar ovos. As alternativas são, na Zona Industrial da Varziela, o Meu Super ou o Mini-Preço, e no Mindelo, na Rua da Praia, a Padaria/Pastelaria Veiga, frente ao Centro Comercial Bravos do Mindelo, embora para lanchar prefira a Pastelaria Santa Clara, um pouco mais abaixo, junto à Capela de S. Pedro. No Mindelo a tabacaria alternativa fica junto à praia, na Rua das Caravelas.
À excepção dos proprietários desta última, o pessoal, tal como em Vila do Conde, com excepção das farmácias, é super-simpático e prestável, tão simpático que há quem fique encantada por ser tratada não por "senhora" mas sim por "menina".
Nas minhas deambulações em Portugal, de lés-.lés. durante décadas, encontrei gente simpática, solidária e prestável no Barreiro, na Beira Baixa, nos montes e aldeias do Alentejo, no Minho interior e no Porto, em Trás-os-Montes, mas não em Braga e Setúbal ou nas cidades do Alentejo.
Nas minhas deambulações em Portugal, de lés-.lés. durante décadas, encontrei gente simpática, solidária e prestável no Barreiro, na Beira Baixa, nos montes e aldeias do Alentejo, no Minho interior e no Porto, em Trás-os-Montes, mas não em Braga e Setúbal ou nas cidades do Alentejo.
Mas nos dias de hoje a solicitude
por vezes vai tornando aguda a consciência da minha idade e das limitações dela decorrentes. Ao contrário da minha mãe e da Lili, tenho consciência que já não tenho 20 30, ... 50 ou 60 anos, e lembro-me de uma vez o meu tio Zé João me ter dito, face a uma solicitação minha: "Victor, não te esqueças que já tenho 80 anos."
Poucos têm consciência do braço que por por vezes preciso para me apoiar e não peço mas que espontaneamente me oferecem: as minhas tias Isabel e Teresa, o Zé, a Susana e por vezes pessoas anónimas, desconhecidas, com quem me cruzo na rua, por aqui e por acolá ...
Ser amigo
Ser amigo é colorido presente
Ao darmos nossa mão, mas sem maldade,
Mantendo a vera luminosidade
Do silêncio ou do verbo assente.
Na tarde calma, serena, luzente,
Ou de noite, dia sem claridade,
É uma dádiva, felicidade,
Esta da vigília ser não dormente.
Amigos têm vária feição:
Dão-nos sua tristeza ou alegria,
Compartilhando bons e maus momentos.
Velho, novo, mulher, homem, bem são;
Na estrada e no dia-a-dia
Nem sempre atentos, prontos, nos tormentos.
1989.09.03 (3)
[1989.12.22]
Setúbal
[1989.12.22]
Setúbal
.........
Enquanto escrevo ouço a música que o disc-jockey do You Tube vai passando, a partir duma escolha minha inicial; neste momento o "Trem das onze", aqui na interpretação do angolano Duo Ouro Negro. Com algumas modificações, ela é aplicável com mais propriedade a outras "realidades", substituindo-se "filho" por "mãe", esta por "filho/a" e "mulher" por "homem" ou "amor" ou "amigo".
Duo Ouro Negro - "Trem das Onze", poema de Adoniran Barbosa
Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã
Além disso, mulher
Tem outra coisa
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar
Sou filho único
Tenho minha casa p'ra olhar
Não posso ficar ...
O que, em contraponto, me recorda,de Eugénio de Andrade, o "Poema à Mãe" ...
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"
... ou um outro texto, este de minha autoria, em que escrevo, em contraponto à "Menina e moça me levaram de casa de meus pais ..." aos 18 anos e deliberadamente assumi uma outra realidade: “Menino e moço me levei de casa de meus pais para longes terras … “
Mas, voltando às rosas que foram o início desta conversa, aqui ficam as imagens hoje captadas no quintal. Nos vídeos ouve-se o latir dum cão e o trovejar dos aviões.
Magritte é um dos meus pintores favoritos. Para finalizar, das suas obras, qual deveria escolher para concluir estes «pingos do mindelo»?
René Magritte - "A condição humana"
René Magritte - "Os amantes clandestinos"
... ou Salvador Dali?
Salvador Dali - "A persistência da memória"
imagens captadas em 2019.10.25
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)