A Grande Onda de Kanagawa, xilogravura de Hokusai
O grito, por Edvard Munch
Heart of darkness, por Joseph Conrad
***
* Victor Nogueira
Não se trata duma grande e avassaladora vaga que tudo soterra, qual tsunami. Não se trata dum horripilante grito que tudo instantaneamente paraliza, Não se trata do horror dum coração nas trevas, qual apocalipse now. Trata-se apenas do silêncio, o silêncio de vozes humanas autênticas, um silêncio que me cerca e que insidiosa e desencantadamente se instala, como térmita, dentro de mim.
Para lá disso, o frio, apesar do céu azul, soalheiro, e o suave e monótono bater das janelas nas calhas, ao sabor da leve brisa que lá fora sopra e se infiltra pelas frinchas, como finas lâminas cortantes.
A máscara colou-se-me á pele e procuro desesperadamente arrancá-la, esfarelando-se na ponta dos meus dedos, para que a memória do que verdadeiramente expressam desapareça e fiquem apenas papeis que verei sem qualquer emoção, como se escritos por outrem tivessem sido.
Álvaro de Campos - Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes —
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.
(....)
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a mala.
Fim.
4-10-1930
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
E tudo isto é real ou mero exercício do poeta, que "finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente."? ...
Setúbal - mural comemorativo do 50º aniversário da morte de Fernando Pessoa
(foto Victor Nogueira)
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)