* Victor Nogueira
A 1ª vez que estive no Porto, com
a minha mãe, tinha 3 anos e ficámos a morar em casa do meu avô Luís, na
Travessa da Carvalhosa. Guardei algumas memórias, não da cidade mas da vida em
família. E dum espectáculo a que assistimos ficou a minha foto numa revista,
espectáculo esse com a Amália Rodrigues e o Estevão Amarante. Ia com o meu avô
Luís muitas vezes para o café. e ao cinema e lembro-me dum filme que vimos, do
Walt Disney, Steamboat Willie, com Mickey Mouse. que podem ver aqui -
Voltei em 1962/1964, para frequentar o 5º ano do Liceu, sucessivamente no Grande Colégio Universal, na Rua da Boavista, e o Almeida Garrett, perto da rua de Cedofeita. São desse tempo as notas respigadas do Diário que na altura escrevia, desde 1958. Embora gostasse das pessoas do Porto, do calor humano que sentia nas ruas, a cidade para mim era triste, feia, escura e suja e com aquilo que eu chamava muita “parolice”. Uma parte do tempo morei em casa do meu avô Barroso, na Rua dos Bragas, e outra em casa do meu avô Luís, na Rua de Santos Pousada e também em Rio Tinto. Aliás o meu avô Luís, alentejano, dizia que o Porto era uma aldeia grande, falando também do tempo em que a viagem desde Lisboa levava 5 dias e as pessoas precavidamente fazerem testamento antes de se meterem à jornada na mala-posta.
Quando íamos pela rua de
Cedofeita muitas vezes o meu avô Barroso dizia-me a propósito do vernaculismo tripeiro: "Tu não ouças,
Victor, tu não ouças que as pessoas falam muito mal." E à 2ª feira
sabia-se qual o resultado do "glorioso" na véspera - se as pessoas
fossem caladas e tristes nos eléctricos, o FC Porto havia perdido, caso
contrário iam mais alegres. Por essa altura a Câmara do Porto fez uma campanha
para que os munícipes mantivessem a cidade limpa e ou no Comércio do Porto
(lido pelo meu avô Barroso) ou no 1º de Janeiro (lido pelo meu avô Luís)
publicavam-se umas notas diariamente. Numa delas o jornalista dizia que
interpelara uma moradora que varria o lixo para a rua, se não sabia da campanha
para uma cidade limpa, ao que esta lhe retorquira "Então que queria que eu
fizesse ao lixo, que o guardasse em casa? Eu cá sou muito asseada !"
fechando-lhe a porta na cara. Nada como no Alentejo, onde nas aldeias as
pessoas varrem e lavam os passeios e as ruas defronte das casas.
Voltei em 1966, para frequentar a
Faculdade de Economia do Porto, mas ao fim de poucos dias pedi a transferência
para o ISCEF (Económicas), em Lisboa; para esta minha decisão deve ter
contribuído o facto do Porto ser para mim uma cidade triste e sem sol, mas
também a linguagem vernácula dos meus colegas à mesa do café, demasiado
incomodativa para quem na altura era tão “bem educado” que nem “merda” dizia,
quanto mais os palavrões que naturalmente entremeavam a conversa deles. Nesta
altura o meu avô Barroso continuava a morar na Rua dos Bragas onde viria a
morrer em 1976, e o meu avô Luís na Rua Fernandes Tomás, perto do Padrão e de
S. Lázaro.
1962/63
No dia 19 de Dezembro de 1962
houve um tremor de terra, que atingiu
maior intensidade em Lisboa. (Diário III - pag. 137)
Por cá tudo bem. Tem feito algum
frio e há uns dias que não conseguia pegar na caneta para escrever. No dia de
Natal fomos a Goios. Gostei do passeio. Ontem o tio [Zé Barroso] foi a Vila
Nova de Gaia, a Matosinhos e à Foz do Douro e eu fui com ele.
Anteontem houve um tremor de
terra, mas aqui no Porto parece que só se abriram brechas num prédio. Em Lisboa
é que o sismo teve maior intensidade, tendo abatido alguns telhados e rachado
as paredes de muitos prédios. (...) Já estou a gostar um bocado mais do Porto.
Contudo não modifiquei a minha opinião: é uma cidade triste e velha. (NSF -
1962.12.21)
Vi nevar, pela 1ª vez, quando ia
para casa do avô Luís, e à tarde, quando fomos ao café Astória. (1963.01.13 -
Diário III)
Como tem chovido a cântaros,
limitámo-nos a ir comer qualquer coisa ao café Águia, o café dos estudantes.
Foi o que deduzi das inúmeras placas académicas que ornam as paredes.
(1963.01.06 - Diário III)
As pessoas aqui no Porto, tanto
homens como mulheres, falam um português vernáculo que nem fazeis ideia. Aí [em
Luanda] quem fala assim são os carroceiros.
.(...) Aí em Luanda (que é uma
aldeola na opinião de muito parolinho) respeita se a ordem de chegada. Aqui
não.
Nos eléctricos é a mesma coisa. É
um vale tudo. E não são capazes de oferecer o lugar a uma senhora ou a uma
pessoa idosa.
Vai se a um café à noite, está
tudo cheio de estudantes (raparigas) a fumarem até altas horas. Quando é só
isso! (...)
Tirando a parte central (com os
seus anúncios luminosos, o Porto, quase se pode dizer, é a cidade das trevas O
mesmo não se pode dizer de Luanda, que embora não seja uma cidade luz, sempre é
melhor neste ponto (NSF - 1963.01.28).
Vi cair granizo pela 1ª vez. Tem
estado muito frio. (1963.02.06 - Diário III))
Andei pela primeira vez de
trolley no dia 10/03 [1963] quando fui
a casa do avô Luís. (...) É um bom meio de transporte, nada ruidoso, o que não
sucede com os eléctricos. (Diário III - pag. 157)
No dia 24.03 [1963] fui com o avô
Luís e a Arminda [sobrinha da D. Alexandrina] ver o barco liberiano que
encalhou na Foz do Douro. Nunca apanhei
maior aperto, que me lembre. Os eléctricos iam cheios e em todas as paragens
cabia mais um passageiro! (Diário III - pag. 156)
No dia 3 [02.1963] fui com o avô
Barroso ao Palácio de Cristal. Gostei bastante do jardim e das belas vistas
para o rio [Douro], com bastante arvoredo. Vimos o leão e diversos animais.
(Diário III - pag. 162)
Em 23 [02.1963] fomos ao Palácio
de Cristal ver o circo no Pavilhão dos Desportos. Gostei de alguns números, mas
outros não valiam um real.
Sempre apreciei os espectáculos
de circo e quando era mais miúdo
desejava ser proprietário de um, para poder correr mundo, pois seduzia-me a
vida ao ar livre. Em Luanda é raro haver espectáculos destes. Mas sempre que os havia, lá estava eu. Mesmo
agora não desprezaria fazer uma digressão com uma dessas companhias. O circo
atrai todos, jovens e velhos. (Diário III - pag. 151)
Desde que estou no Porto tenho
visitado diversas igrejas, como a da Trindade, por sinal muito bonita, a Sé, muito escura e fria por dentro, a da
Lapa, a do Carmo. Todas têm obras em talha dourada. Hoje, 22 Maio [1963]
visitei a Igreja dos Clérigos, assim como a Torre. Subi os 225 degraus até ao
cimo, equivalentes a 6 pisos. De lá [do cimo] abrangem-se belas vistas do Porto.
Fazia muito frio e as escadas estavam muito escuras. (1963.05.22 - Diário III)
Uns dias antes [de visitar o
Museu Etnográfico no Largo de S. João Novo] tinha ido a Gaia, atravessando a
Ponte D. Luís, a pé. A meio desta havia um ligeiro vibrar. Voltei para o Porto
de trolley. Nas imediações da Sé, que visitei de novo, na sua quase totalidade,
apreciei o mercado da Ribeira, um mercado ao ar livre, muito sujo e barulhento.
(1963.05.28 - Diário III)
O Presidente da República,
Américo Tomás, veio ao Porto inaugurar a Ponte da Arrábida (1963.06.22/23 -
Diário III)
Fomos ao Palácio de Cristal .
Diverti me bastante, com a Fernanda e a Elvira [primas da D. Alexandrina]
Jantámos no Restaurante Santa Luzia, na Feira do Palácio de Cristal"§.
Andámos nos carros eléctricos 1963.05.16 - Diário III) (...).
À noite não fui gozar o S. João
[nas Fontainhas]. Preferi ir para a cama. Acordei às duas da manhã. Disso se
encarregaram as minhas tias, Isabel e Teresa,
batendo-me suavemente (irra!) com os alhos e falando pelos cotovelos.
(Diário III - pag. 1963) ( )
À tarde fomos, o avô Luís e
família, à Ponte da Arrábida, tendo percorrido a auto-estrada [neste tyempo a
AE eram ... 5 km, até aos Carvalhos]. Em seguida fomos ao Palácio [de Cristal]
onde jantámos. Escusado será dizer que andei nos automóveis eléctricos. Andei
também nos barcos do lago. A princípio não sabia guiar aquilo, mas... aprender
até morrer! (Diário III - 1963.06.30)
À noite fui ver "Os Canhões
de Navarone, no Asilo do Terço Não sei
porquê pensava que este era de raparigas. Mas afinal é para rapazes. (...) O
cinema é ao ar livre, embora coberto com lonas. (1963.09.23 - Diário III)
Vi na rua [de Santa Catarina] um grande
ajuntamento. Logo compreendi o motivo: uma goesa vestida com um traje regional
[sari e véu]. Foi preciso a polícia para dispersar aquela parolada toda, que
assim demonstrava a sua estupidez, com ditos, assobios e piadas imbecis.
(1963.10.24 - Diário IV)
1966
Se por "ambiente do Porto" se entender a
sociabilidade e amabilidade das suas gentes, talvez eu concorde. Mas em Lisboa
também há pessoas simpáticas. Se a referência é a cidade em si, discordo, pois
Luanda é mais moderna, embora com 4 séculos de existência, e mais airosa. Mas
nem tu és de Luanda nem eu do Porto. (MEB - 1966.12.12)
1967
Não conhece Lisboa?
Então falemos um pouco desta tão
cantada cidade, paraíso dos turistas. Podemos talvez fazer umas comparações com
o Porto. Como todas as grandes cidades tem ruas ladeadas de casas, umas velhas,
outras novas, automóveis, gente, muita gente, barulho (de prédios em
construção, de buzinas, de travagens, pessoas que falam, pessoas de todos os
feitios, para todos os gostos). É mais
alegre que o Porto: mais luminosa, mais ampla, com muitas ruas modernas, tal
como em Luanda. Mas, como no Porto, também possui os seus bairros antigos, de
vielas estreitas e tortuosas [como na Ribeira], tão estreitas que o vizinho do
prédio em frente facilmente nos dá uma "bacalhoada". Esta é a parte
que eu conheço pior. As outras são-me mais
familiares. Gosto de andar por estas
ruas, cheias de gente, que anda em todas as direcções, com os mais variados
destinos. Gosto... e não gosto. Podemos andar à vontade, sem encontrar alguém
conhecido. Mas... nem sempre nos agrada a solidão que transpira por estas ruas.
Cada qual preocupa-se quase exclusivamente consigo; é o preço das grandes
cidades, onde os homens frequentemente se transformam em máquinas, em
autómatos.>Enganar-me-ei ao dizer que no
Porto respira-se um ar mais humano, menos artificial ?!!! De qualquer modo foi
esta a impressão que me ficou da visita feita esta Páscoa e confirmada esta
semana.Mas entre o Porto humano, que me
atrai, e esta Lisboa alegre, sem dúvida, cheia de sol, mas por vezes fria,
irritante, continuo a preferi-la (MFR - 1967.08.02)
1968
A Faculdade de Engenharia foi
pintada de branco e encarnado, como o edifício do Banco de Angola em Luanda. No
quintal em frente ao 330 da Rua dos Bragas [onde morava o meu avô materno]
construíram um imóvel que vai até à esquina com a Rua de Cedofeita (a padaria
foi demolida). Quem não gostou da brincadeira foi o avô Barroso, em cujo quarto
deixou de bater o sol nos meses mais frios do ano. (NSF - 1968.05.04)
Está uma tarde cinzenta e
tristonha, ou não fosse o Porto a Londres portuguesa, fria e húmida, duma
frialdade e duma humidade que nos trespassam invadindo todo o nosso ser até à
medula; mas apesar disso, ao calcorrear as ruas do centro, bordejadas por
edifícios pesados e graníticos, enegrecidos pela acção do tempo, parece-me que
me encontro entre seres humanos, menos indiferentes que os da pombalina baixa
lisboeta, pois uma misteriosa comunhão se estabelece entre nós.
Dou por mim a reparar na
multidão, que deixa de ser uma massa anónima, que se decompõe em pessoas.
Respira- se um outro "ar", quiçá menos refinado ou
"aristocrático" mas mais humano, mais caloroso. Esta sensação
apodera-se de mim sempre que venho passar as férias ao Norte.
A semana passada estive em Évora
- o contraste entre estas duas cidades é flagrante. (ACG - 1968.09.12)
A cidade continua húmida, escura,
pesada, triste, fria. Os azulejos dos seus graníticos edifícios precisam duma
boa barrela. Os eléctricos vão sendo progressivamente substituídos pelos
confortáveis trolleys e modernos autocarros.
Como ex libris da cidade, a
sujidade e o desmazelo imperam nos transportes públicos, tal como sucedia
(ainda sucederá?) Em luanda e ao contrário de lisboa.
A casa da Rua dos Bragas foi
pintada de verde claro e as portas de verde mais escuro. No terreno que se
estende da capela dos anjos à rua de Cedofeita construiu se um comprido prédio
de dois ou três andares, de traço arquitectónico esquisito. Na esquina abriu um
café, muito "mal frequentado"-. E falo assim, pois como classificar
os estudantes, que ocupam cadeiras e mesas durante horas, a troco duma bica ou
de um pingo (o alfacinha garoto)
1969
Não encontrei nenhum postal de jeito
no quiosque do café onde vim lanchar com a Belinha, depois de vermos um filme
risonho: “O Gendarme Casa-se”. Cheguei ontem de Lisboa, permanecendo aqui uns
dez dias. O avô e as miúdas encontram-se bem. Só falei com o avô Barroso pelo
telefone. Almoçarei com ele depois de
amanhã; à tarde daremos uma volta pelos arredores e iremos à casa do Mindelo
que se encontra quase pronta. Saudades da Belinha. (NSF 1969.10.12)
Afinal sempre vou ao Porto passar
parte das férias. Ficarei em Rio Tinto até ao fim do mês. O José João dá-me
boleia a partir de Lisboa. As aulas recomeçam a 5 de Janeiro. Essa saúde, como
vai ?
Não sei se vos escreverei antes
do Natal. Se o não fizer, aqui ficam os meus votos de felicidades e um saudoso
e amigo abraço para todos. Talvez aceite
o convite da Maria Arnalda e passe uns dois dias com ela e família [na Figueira
da Foz].. (NSF 1969.12.18)
Lisboa está cheia de movimento e
colorido. Encontrei há pouco o casal Armindo Gonçalves no Rossio. Sigo amanhã
para o Porto com o José João. Vou jantar com um amigo meu e depois vamos ao
cinema. (NSF 1969.12.19)
As fé[rias] [....]ido bem aqui no
Por[to ...]ei todos bem. Hoje fomos ( [...], o José João, o Zé e o avô Barroso)
ao Mindelo ver a casa que este está lá a construir, [...] airosa. Desde há
quase [...] que ansiosamente aguardo [notícias] vossas, em vão! E no en[...]
-vos vários postais, ( [...] ao Porto! Regressaremos a [...] próximo sábado, 3
Janeiro. Te[... de] ir ao médico (Dr. Dinis [da Gama] )2ª feira, pelo que só
devo regressar a Évora no dia [segui]nte, já com 24 nem sempre [...]
primaveras. É madru[gada ... ] de 69. Mais logo, [...] talvez vos escreva m[ais
longamente]. Um bom ano para vós. E também para o casal Bragança, Maria
Antónia, Leonor e família (NSF 1969.12.31)
1970
Estamos num novo ano, uma nova
década que se inicia. O dia está a pôr-se bonito (São 14 horas). As férias
estão quase a terminar e os exames aproximam‑se. Recebi ontem e finalmente
notícias vossas. A véspera de Natal passei-a com o avô Luís e o dia de Natal
com o avô Barroso. Logo talvez vá lá a casa. Afinal, e com certa mágoa, resolvi
não aceitar o convite da Maria Arnalda, por falta de ocasião propícia (NSF
1970.01.01)
Finalmente aqui estou notícias. A
Mãe que desculpe esta demora. Cheguei a Lisboa sábado à noite e parto amanhã de
manhã para o Porto, onde ficarei em casa do avô Luís. Dentro duns dez dias
passarei de novo em Lisboa, rumo ao burgozitomedieval. Vamos ver se vos escrevo
mais longamente. Preciso de saber informações sobre o curso de Economia (há
semanas que a Mãe deixa para o dia seguinte). Preciso também dum certificado de
residência de um de vós para a passagem das férias. O Banco pagou-me as massas.
(NSF 1970.03.11)
Afinal não embarquei para o
Porto. Uma série de sintomas, que o Dr. Dinis da Gama diz serem de gripe,
forçaram-me a permanecer em Lisboa. Mas não é nada de grave. Talvez já amanhã
regresse a Évora, para passar o resto das férias. Desde ontem que estou em casa
do sr. Pacheco. Não vos esqueçais de
enviar-me para Évora um certificado de residência, vossa, aí em Luanda. Para
além das sebastiânicas notícias sobre a Faculdade de Economia (nomeadamente
estrutura e quadro das cadeiras do curso) Ah!, já me esquecia: o Dr. Dinis da
Gama envia-vos cumprimentos. Que é feito da Leonor? Não chegou a dar-me as tão
prometidas notícias! (NSF 1970.03.19)
São quase horas de jantar. Passei
o dia com malta amiga numa Quinta dos arredores; foi agradável! Estudei umas
coisas e a agora escrevo-vos, brevemente. Uma direcção da Associação[dos Estudantes
do ISESE] terminou o mandato e outra
tomou posse: passei de Vice-Presidente a Secretário. Claro, estou na nova
Direcção. Rever os estatutos, tornando-os mais flexíveis e funcionais, e
dinamizar a Junta dos Delegados de Curso são as duas principais metas que nos
propomos. Dentro de 13 dias começam as férias. Vou ao Porto, onde quero ver se
consigo participar num Encontro sobre Cinema Português. (NSF 1970.12.06)
É um domingo maravilhoso. Ontem
estive em Setúbal. Falei com o dr. Armindo [Gonçalves]. Jantei com a Noémia.
Amanhã ou depois encomboio para o Porto, onde ficarei até 1 ou 2 de Janeiro.
Bom Natal. Gostei das últimas cartas da Mãe..(NSF 1970.12.20)
Enquanto o avô Barroso e o tio
aguardam que a Maria Luísa saia da missa, eu vim até ao café para aquecer um
pouco. Está muito frio! Encontrei todos bem, dentro da relatividade do costume.
Almocei e jantarei na Rua dos Bragas. Lá para o meio da próxima semana
regressarei a Évora, c/ uma breve estadia em Lisboa. Talvez vá a Aveiro com o avô
Luís, na próxima 2ª feira. Se tivesse trazido papel escrever‑vos‑ia mais
longamente. Um postal, por várias razões, não o permite. Estou na casa do
Mindelo, que me agradou. Está mobilada com bom gosto. Como vai isso por aí?
Gostei da última carta da Mãe e fiquei contente pela sua alegria. O ar do café
está turvo, mas o frio foi‑se. O pior será o ar gélido daqui a pouco. Espera‑se
uma reforma do ensino em Portugal. Dentro de dias será tornada pública.
Aguardo‑a com interesse (NSF 1970.12.25)
Hoje tentei pôr a correspondência
em dia, mas aquilo está tão atrasado que devem ser necessários uns longos
serões. A partir da recepção deste postal devereis começar a escrever‑me para
Évora. Espero que tenhais recebido o SDS que enviei na véspera de Natal.. Que
mais dizer? Estou na estação dos CTT da
Batalha; a escrivaninha treme que se farta com o esforço que um
"hominho" faz para fechar um envelope. Uma mulherzinha procura quem
lhe preencheu um telegrama para dar‑lhe qualquer coisa. E ao contar‑me isto
poisa‑me a mão no braço. Gosto da gente do Porto; parece‑me mais humana que a
de Lisboa e de Évora. (NSF - 1970.12.26)
1971
Com uma breve estadia em Lisboa,
muito enfastiado, faço horas, ou dias, para regressar a Évora; hoje, amanhã ou
depois. Efeitos, talvez, duma noite mal dormida, duns dias estupidamente
passados. Linda disposição para o primeiro dia do ano. Mas amanhã, bem dormido
ou já em Évora, talvez me passe a neura. Estou na Farmácia [Sanitas] onde a tia
[Esperança] procede ao inventário. (NSF
1971.01.01)
Cheguei há pouco, vindo de
Lisboa. É bom encontrar de novo as paredes e as caras familiares, até que o
aborrecimento de Évora nos faça esquecê‑lo. Dizem que está frio; não o tenho
sentido, e a brisa da noite que entra pela janela escancarada é repousante e
refrescante. Vou pôr este no marco [do correio] para apanhar a tiragem da uma
da madrugada, e comer qualquer coisa, pois não tive tempo de jantar em Lisboa.
Em cima da mesa estava um bilhete da Mãe, já do ano passado. Creio ter recebido
todas as cartas. Além das "broas" e da massa de Dezembro. Em Lisboa e
no Porto todos ficaram bem. (NSF 1971.01.02/03)
1972
*
Curso sobre o Movimento Operário Português - Confronto SCRL, Porto 1972
Janeiro/Fevereiro
1974
(Sabes, não estou contente pela
nossa ausência um do outro) Bem, este postal já começou a ser escrito há muito.
Depois .... ficou arrumado a um canto. Já estou no Porto. Jantei em casa do avô
Barroso e daqui a pouco vou para casa do avô Luís. A viagem foi boa, embora
tenha chovido a meio do caminho. A paisagem é simplesmente maravilhosa - tão
verdejante! Gostaria de viver por estas bandas. E tu? Gostaria de ver contigo
estas paisagens! Sábado deves escrever‑me para Lisboa e 2ª para Évora. OK? O
tio Zé, a 1ª pergunta que me fez foi "Então a tua mulher, onde
está?" Ah! Ah! Ah! Não há nenhum
filme de jeito aqui no Porto. Safa! (MCG 1974.04.1
Safa, que o Porto é frio, duma
frialdade enregelante. Estou aqui num café na Rua Formosa, aguardando o
pequeno-almoço. A casa do meu avô Luís está superlotada - os meus tios [Zé João
e Lili] estão lá - e resolvi ficar numa pensão, que só de pensar nela me
arrepio. Ali a Pensão Brasil (3 estrelas) já deve ter tido uma certa categoria
- no tempo em que as pensões eram uma casa, mas agora está em franca
decadência, porca, suja e desleixada. 100 paus é a diária dum quarto num quinto
andar. Enfim...
O velho, dono da pensão, estava
ontem às voltas com um dedo entalado, enrolado num pano que enchia a casa de
cheiro a vinagre. Aconselhei o a pôr o dedo em água quente e hoje lá me foi
dizendo que estava melhor. (...)
No Porto, nova aventura: onde
ficar? Pego na lista telefónica, retiro uma série de endereços de pensões e...
nova preocupação. E então, os preços?! Pego em mim e venho andando, tentando
adivinhar a categoria da pensão - e consequente modicidade do preço - pela
fachada. E assim caí [nesta] espelunca. (MCG - 1974.09.22)
1975
Almocei com o Carlos e o Luís
Filipe, mais duas companheiras de trabalho daquele. O almoço estava mesmo
saboroso. Fui ao cinema: o filme era uma "chachada": mulheres nuas,
relações sexuais nas posições mais variadas, enfim, km de celulóide para
vender, sem gosto ou interesse. Já era tarde para jantar em P.Arcos e dei uma
volta, acabando por vir dar a um restaurantezeco aqui no Cais do Sodré, mesmo
na rua dos bares e das prostitutas. Na cadeira ao meu lado ronrona um enorme
gato. São 20h30m e sinto-me cansado e desolado. Se estivéssemos juntos seriam
15 dias maravilhosos; assim ... passeio o meu enfado pelas ruas que
percorro. Amanhã vou para o Porto, ver a
família de quem tenho saudades. Mas não vou contente, porque me sinto sózinho,
para além da tua ausência. Devo regressar na 3ª feira próxima, direito a Évora.
Que mais dizer-te, amiga? Que
sinto a tua ausência, que estou desolado, que isto tudo é uma estupidez: tentar
conciliar o inconciliável! O bife já veio e o gato lambe as patas.
As tuas férias, como têm corrido?
E o teu pai, como está? Deixo-te as minhas saudades e carinho. Saudades dos
meus pais e tios. Cumprimentos á tua família. (MCG 1975,03.25)
Aqui vim até ao Porto,
aproveitando a boleia do José João. As aulas recomeçam 4ª feira próxima - 2
ABR. Como vos disse - em postal anterior - as coisas não se proporcionaram para
ir até Angola, com era minha intenção. Por cá as coisas vão correndo embora tudo
leve a crer que o futuro não será muito pacífico. Há uma ruptura - consequente
- entre as forças da esquerda reformista (Partidos Socialista e Comunista,
nomeadamente) e a esquerda revolucionária; ainda não se encontrou uma
plataforma comum de entendimento. Entretanto a direita aguarda ou trama na
sombra. Enfim ... A família por cá vai andando, penso que na normalidade do
costume. Politicamente o avô Barroso é mais progressista que o avô Luís. Quanto
à CELESTE, tudo como dantes: [...]. O
mal também deve ser dela e das suas estruturas mentais e contra isto ....,
batatas. Estou farto deste desassossego e desentendimento.(NSF 1975.03.26)
No Porto as ruas e as pessoas são
diferentes. A cidade é suja de papéis e lixo pelas ruas. E nas paredes os
cartazes do PC são mais atractivos. Nalgumas praças há bancas dos partidos
políticos de esquerda. (MCG - 1975.03.26)
Apesar do boletim meteorológico,
este fim de semana pascal foi soalheiro e límpido. Com o meu avô Luís; José
João e resto da família fomos almoçar a Viana do Castelo. Gosto muito destas
paisagens.
Por cá fiz algumas compras. Pouca
coisa: duas camisas e, como não podia deixar de ser, livros. Entretanto
encontrara em Évora a lista dos temas de Geografia e dos livros aconselhados
para literatura. Em Évora procurarei tratar disso. (MCG 1975.03.31)
Depois de Leiria, a caminho de
Lisboa, enquanto espero pelo almoço, te envio um aceno. Está um dia lindo de
sol. No entanto esta parte da cidade é corriqueira. A única que acho
interessante é aquela em que ficámos, meses atrás [quando vieste conhecer a
minha família]. Do Porto o meu avô Luís mandou "um abraço para a
cachopa" (Ah!Ah!Ah!) enquanto o meu tio Zé [Barroso] ficou muito
"preocupado" com os nossos diferendos, porque tu és "boa
rapariga", até "apreciaste os escritos dele" Enfim ... O resto
da família manda-te cumprimentos. Bem, tenho de voltar ao restaurante. (MCG
1974.04.01)
1994
Finalmente hoje á tarde fui dar
um passeio turístico, aqui pelos arredores {do Mindelo], de estradas estreitinhas,
com muros de pedra e latadas, ou campos verdejantes. Tirei algumas fotografias
para a colecção. Nada mais tenho programado a não ser irmos a Braga, na próxima
6ª feira, e ao Porto um dia destes. Os dias melhoraram, estão mais quentes, mas
não me apetece ir á praia. Fora isso vou ás compras e passeio‑me por Vila do
Conde e Póvoa de Varzim.
Bem, tenho de ficar por aqui, que
o barulho é muito, com o Rui a ouvir TV enquanto a Susana e a minha Mãe falam
comigo enquanto escrevo. (MFP 1994.08.23)
Então, como vai essa disposição?
Então com uns dias de sol e céu azul andas com a torneira das lágrimas em rios
caudalosos? Vamos lá a pôr um sorrisinho aberto e primaveril, valeu?!
Gosto muito deste postal, embora
nunca tenha estado no claustro do afamado Convento de Sta.Clara.
A ida ao Porto ficou adiada para
amanhã, pelo que daqui a pouco vamos até á Póvoa ao cinema.
Suponho que os arcos que se vêm
para lá da fonte são um dos ramais terminais do chamado Aqueduto de Santa
Clara, que outrora transportava água para Vila do Conde e constitui um dos seus
"ex‑libris". Por aqui me fico,
com um abraço e ternurinhas (MFP
1994.08.24)
ADENDA - lmes que vi no Porto em 1962/63
No domingo, 26 [Maio.1963] vi
dois filmes no Coliseu: "Atlas" e "Uma Rapariga nos teus
Braços". Gostei mais deste último.(Diário III - pag. 171)
Vi dois filmes: "Radio
Patrulha “ no Olímpia, e "O Pombo que Conquistou Roma” , no Rivoli. Gostei
muito do primeiro [bastante bom] ,o segundo comia-se [uma comédia razoável].
(MEB - 1963.05.25) [Diário III - pag. 168)
[Em Junho de 1963] vi no programa
7ª Arte o filme "O Homem das Sete Vidas", com Danny Kaye. Era
sofrível. (Diário III)
Á tarde fui ao Coliseu [do Porto]
ver o filme "A Noiva", o último que vi em Luanda antes do meu
embarque. Vê-se com agrado, com boas interpretações de António Prieto e Elsa
Daniel. As músicas ouvem-se com muita satisfação, excepto "Los ojos del
diablo", de que não gostei muito. (1963.06.01 - Diário III)
Fui ao Batalha ver o filme
"A Coragem é a Senha". Embora fosse cómico, não gostei muito dele.
Esperava outra coisa. (1963.07.08 - Diário III)
Fui ao Coliseu [do Porto] ver os
filmes "Robin dos Bosques" e "A Conquista do Oregon". Eram
sofríveis. No Águia vi "A Epopeia do Pacífico”, filme razoável, com
algumas cenas bastante boas. Na TV vi "A Vida de Tom Edison”, com Spencer
Tracy. Óptimo (1963.07.21 - Diário III)
Na TV vi o filme "Bola ao
Centro", que não era grande coisa [a gravação sonora era má]. (1963.07.30
- Diário III)
Vi na 7ª Arte, da TV, o filme
western "7 Homens Maus". Tinha algumas cenas boas, mas no conjunto
não me agradou. (1963.08.06 - Diário III)
Vi no Olímpia (Porto) o filme
"Alamo", com John Wayne. Gostei, não obstante o princípio ser um
tanto ou quanto parado. Na TV vi "Madame Curie", de que gostei.
(1963.08.18/21 - Diário III)
Fui ao Coliseu ver "O
Império do Crime" com James Cagney. Era regular. (1963.08.23 - Diário III)
Fui ao cinema [em Monte Real] ver
"O Diabo às 4 horas", com Frank Sinatra e Spencer Tracy e"Que
Rico Par de Meias", uma comédia bastante "chalada", com a
Marujita Diaz. (1963.08.27/31 - Diário III)
Vi na TV o filme "A Vida de
Reuter", que era bom (1963.08.27/31 - Diário III)
Fui ao Olímpia (Porto) ver
"O Homem que Matou Liberty Valance", com James Stewart e John Wayne.
Nos três filmes do John Wayne(O Dia mais Longo, Álamo e este) [este] tem sempre
um papel irónico ou coisa que valha. (1963.09.11/14 - Diário III)
Na 7ª Arte vi "A Nobreza
Corre nas Veias", com Mickey Rooney, Elizabeth Taylor e Donald Crisp. A
Liz Taylor tinha nessa altura 12 anos (1944). Gostei imenso do filme que,
principalmente no fim, era emocionante. (1963.09.15/18 - Diário III)
Á noite vi "Os Canhões de
Navarone", no Asilo do Terço. Gostei do filme, que era deveras
emocionante. (1963.09.23 - Diário III)
Na RTP vi "Aniki-Bóbó"
de Manuel de Oliveira. O filme é interpretado por um grupo de miúdos e passase
no Porto, nomeadamente na Ribeira. O filme não era mau, na minha opinião o
melhor filme português que já vi. O argumento é razoável. (1963.09.24/25 -
Diário III)
Fui ao Águia ver o filme "O
Senhor Xis", que se via com agrado, embora tivesse alguns contra sensos. O
principal actor, que tambm realizou, é Nigel Patrick, que tem algumas
semelhanças com John Wayne.(1963.09.26/28 - Diário III)
Fui ao Batalha ver "55 Dias
em Pequim". Era bom, com cenas emocionantes, e baseavase no cerco de
Pequim pelos "Boxers" em 1900. Não gostei muito do desempenho da Ava
Gardner. Charlton Heston e David Niven saíramse bem.
Na "7ª Arte" da TV vi
"Uma Furtiva Lágrima" com Alfredo Kraus no papel do cantor lírico
Gayam [?]. O filme tinha árias de ópera bastante agradáveis. (1963.10.01 -
Diário IV)
Fui ver no Rivoli
"Balalaika", filme essencialmente musical. Foi produzido há umas
dezenas de anos mas vêse com agrado. (1963.10.2/4 - Diário IV)
Fui ao Batalha ver "A
Quimera do Ouro", com o Charles Chaplin. Foi realizado em 1925 e reeditado
em 1942, com música e comentários de Chaplin. O filme tinha saltos bruscos, como
se estivesse cortado. Via-se com um certo agrado. (1963.10.05 – Diário IV)
À tarde fui ao Coliseu (do Porto)
ver o "Amor sem Barreiras" (West Side Story). O filme é óptimo, com
um bom colorido, música e bailados. O argumento inspira-se no "Romeu e
Julieta" [de Shakespeare]. Trata-se da rivalidade entre dois grupos de
West Side [bairro de New York]: os Jactos, americanos, e os Tubarões, porto-riquenhos.
Termina com uma briga em que morrem os dois chefes e um outro assassinado.
Gostaria de vê-lo outra vez [Acabei por ver este filme umas 4 vezes, no Porto].
(1963.10.07 - Diário IV) (1)
Na TV vi o filme
"Ninotchka", com a Greta Garbo. Não era mau mas não era grande coisa.
Era para rir. (1963.10.08 - Diário IV)
A TV apresentará o filme "A Família
Minniver", com Greer Garson, Walter Pidgeon (intérprete de "Mme.
Curie") e Teresa Wright. O filme era bom e valeu um ÓSCAR a William Willer
(realizador) e a Teresa Wright (actriz secundária). O argumento e a música eram
agradáveis. (1963.10.15/16 - Diário IV)
A TV apresentará, cerca das
20:00, o filme "A Loja da Esquina", com James Stewart. O filme era
bom, bastante cómico. O realizador foi o mesmo de "Ninotchka", Ernst
Lubitschk. Com poucas excepções desenrola-se na loja da esquina. Um rapaz
corresponde-se com uma rapariga, no fim ficando surpreendido por se
encontrarem. Ela não era outra senão uma das empregadas da loja onde ele
trabalhava. (1963.10.22/23 - Diário IV)
À tarde fui ao "Carlos
Alberto" ver "Uma Parisiense" e "O Salário do Diabo",
o primeiro com Brigite Bardot, Charles Boyer e Henri Vidal, o segundo com Jeff
Chandlers (que vira na "Epopeia do Pacífico") O primeiro era uma
comédia um pouco livre (e está censurado!). Via-se com agrado. Da segunda vez
que estive em Pointe Noire vira a apresentação deste filme. Ao segundo não
assisti ao princípio. Era razoável, com algumas cenas emocionantes. Passava-se
no Oeste moderno. (1963.10.29 - Diário IV)
Ontem vi "A Grande Valsa”, a
vida romanceada de Johann Strauss. O filme era bom e gostei das "Grande
Valsa" e "Danúbio Azul". (1963.11.4/6 - Diário IV)
Terminou [no "Museu do
Cinema" da RTP o filme "O Taxi 9297" de Reinaldo Ferreira. Pelos
comentários do cineasta António Lopes Ribeiro o filme está tecnicamente bem
feito. Contudo o entrecho não é grande coisa. Opinião pessoal. (1963.11.10 -
Diário IV)
Umas observações ao filme da 7ª
Arte "Nunca Digas Adeus", com Errol Flynn e Eleanor Parker. Uma
comédia boa, embora não seja uma obra prima. A música de fundo era boa, mas o
princípio um pouco parado. Tenho pena de não ter visto "Objectivo
Burma", com o mesmo actor, já falecido [Acabei por ver este filme mais
tarde]. (1963.11.12 - Diário IV)
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)