* Victor Nogueira
elegia
1. - À mana que nunca tive e gostaria de ter tido.
À minha outra mana inventada, de Moçambique e da Casa de
Aguiar e Belmonte, sempre ocupada com o trabalho, mas sempre atenciosa e
carinhosa e de quem gosto muito, muito, mesmo muito, que me pergunta sempre
pelos sobrinhos e que aprecia imenso o meu filho Rui Pedro e cujos filhos me
atendem sempre com simpatia ao telefone.
Ao meu único irmão, de verdade, Zé Luís, morto de morte
matada por ele próprio e por muitos outros no tempo que para ele terminou
naquela tarde de 26 de Fevereiro de 1987 .............................
).
2. - Ao meu irmão que adorava o mano, a cunhada e
os sobrinhos.
Ao meu irmão, que não morreu na Guerra Colonial,
apesar de ter estado em zonas de combate como furriel miliciano enfermeiro, na
nossa terra, Angola, incorporado obrigatoriamente e a lutar no Exército
Português de ocupação contra os manos dele e meus, do MPLA ou não, e a tentar
salvar a vida aos «camaradas» de armas ou vê-los regressar mortos,
ensanguentados e desfeitos. Mas morreu depois, 13 anos depois, encerrado em si
mesmo, sem concluir o curso de Medicina, por causa da guerra que o marcou para
sempre. E que não continuou em Angola, apesar dos convites do MPLA, porque,
após a independência do nosso País, de novo incorporado obrigatoriamente como
cidadão angolano, veio para um país estrangeiro porque já lhe bastara o horror
duma guerra. (1).
((1) - O nome dele, como o de muitos outros que
morreram depois de terminada a guerra mas por causa dela, não figura em nenhum
monumento aos mortos em combate ! É um dos soldados desconhecidos, morto em
vida, na terra de ninguém !
3. - À minha mãe, que ao chegar a casa
encontrou o filho morto de morte matada por ele próprio, que resistiu e não
enlouqueceu mas entristeceu com uma tristeza funda e sem fim, ficando para
sempre marcada.
4. - Não sei se foi após a morte do meu irmão que
assumi definitivamente que o nascimento marca o início da caminhada para a
morte, que a morte de quem quer que seja, incluindo a minha, é um dado
adquirido e inelutável. Embora face à constante preocupação da minha mãe se eu
me atrasava lhe dissesse, meio a sério, meio a brincar: "Mãe, eu
sou imortal, não te preocupes quando me atraso !".
ECCE HOMO
Era o dia 26 de Fevereiro
O Pituca morreu!
Encerrado em si
hirto no seu pijama azul
as mãos bonitas e o rosto frio
um vergão em torno do pescoço
o rosto violáceo
o ar sereno.
.
Longe vai o tempo da minha alegria
das nossas brigas
da nossa amizade
.......................silenciosa
.......................tímida
.......................desajeitada.
Fica-me no pensamento
a lembrança de ti
nas coisas que me deste
.......................os livros os posters
.......................os bibelots as estatuetas
.......................africanas as tuas pinturas
.......................a Marilyn e o Pato Donald
.......................os discos e as cassetes.
Memória da infância perdida
nas palavras silenciadas
Meu irmão!.
1987.Dezembro.22 (1989.Março.10) - Setúbal
.É TEMPO DE CHORAR
.É tempo de chorar
silenciosamente
os nossos mortos
.
irmãos encerrados
encurralados
.
É tempo de chorar
enquanto
para lá desta hora
a vida se renova
por entre
.............os bosques e
.............os regatos
...................................sussurantes
...................................do imaginar o son (h) o
estilhaçado
É tempo de chorar o tempo que voa!
.
...................................(IN MEMORIAM do meu irmão
Zé Luis, morto de morte matada
...................................por ele próprio e por
muitos outros no tempo
...................................que para ele terminou
naquela tarde de
......................................................................26
de Fevereiro de 1987 ............................. )
..
1989.Fevereiro.03 - Setúbal
Luisa Neves Triste. ABRAÇO. ❤ Maria
Célia Correia Coelho Dolorosas recordações, algumas, outras bonitas e
ternas .Um abraço Victor . ❤ 9 ano(s) Belaminda Silva
Triste. Beijinho ❤ 9 ano(s) Ana Maria Madail
Tristes recordações.. Um abraço amigo. ❤ 9 ano(s) Laura Rijo
Recordações...abraço. 9 ano(s) Graça Maria Teixeira Pinto A guerra,
continua a fazer vitimas.Silenciosamente, mas faz, não tenhas
dúvidas.Chamam-lhe stress de guerra...Bj, Victor Nogueira! 9 ano(s) Arminda
Griff Só amanhã poderei colocar tua leitura em dia! Beijocas muitas. 9
ano(s) Maria João De Sousa Sei que partilhaste comigo esta excelente
elegia... mas não a encontrei no mural... acho que a ligação está bem pior do
que eu... obrigada, Victor Nogueira! Muito boa publicação! 9 ano(s) Maria
Mamede Obrigada por partilhares Amigo, esta tua elegia, bela e triste. Bj.
9 ano(s) Elsa Cardoso Vicente
Obrigada pela partilha, tocou-me profundamente, recuei,
revivi emoções, vidas, mortes, as próprias fotos...Praia do Bispo, e por outras
paragens, felizmente corri angola toda com os meus pais... Luanda onde vivia,
nasci no lobito...por estas recordações todas, obrigada e abraço...
9 ano(s)
Clara Roque Esteves
Meu amigo, a tua avaliação estava correcta. O dia do nosso
nascimento é o primeiro dia do caminho para a nossa morte. E, sabendo-a
inevitável, como é difícil lidar com ela...Também perdi os meus pais. Nem quero
imaginar-me a perder o meu irmão. A tristeza da tua escrita de hoje deixa-me
algum amargo de boca, Bela mas muito cheia de saudade. E aí estás tu, eterno,
ECCE HOMO, tentando trocar as voltas à vida e ao tempo. Comovi-me com os
poemas, até me comovi com a irmã imaginada. Para ti, Vítor Victor Nogueira, um
grande abraço de admiração pelo ser humano que és. Beijinhos gratos pela
partilha.
9 ano(s)Editado Maria Jorgete Teixeira Memórias
tão dolorosas que parecem furar os olhos...corajosamente partilhadas...
beijinhos, Victor! 9 ano(s) Isabel Maria Abraço Victor. 9
ano(s) Maria Natália Bravo Só me ocorre partilhar contigo, um
bocadinho da ternura que me liga ao meu mano. Um beijo, Vitor. 9 ano(s)
https://www.facebook.com/notes/10219934009005978/
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)