domingo, 19 de maio de 2024

Singularidades do homo sapiens

*  Victor Nogueira

Nos meus tempos de menino e moço diziam-nos nos bancos da escola que o leão era o rei da selva e o homem o rei da terra, graças à sua superior inteligência e capacidade de actuar sobre a Natureza, em benefício da Humanidade. Mas graças à sua superior e multivalente inteligência, uma parte da Humanidade tornou-se a maior predadora no planeta Terra, eliminando quem não se adequasse à chamada Lei do Mais Forte e do individualismo, egocêntricos, em detrimento da solidariedade e da cooperação. 

O homem pode alterar a Natureza ou tentar minimizar as catástrofes naturais, incluindo as que não está ao seu alcance controlar. Hoje parangona-se muito sobre as alterações climáticas, o aquecimento global, a imersão das zonas costeiras devido à liquefação dos gelos polares, às secas e às inundações caudalosas, à energia verde, aos carros electricos. Florescente, o negócio do armamento, com toda o seu estendal de destruição e poluição, mas it's all business, money, money, money.

Mas não se põe em causa a organização socio-económica predadora e destructiva da Humanidade e da Natureza que é o capitalismo, com a sua mola real de acumulação de cada  vez mais riqueza apropriada em benefício duma minoria e destruição, desumanização, da maioria. Não se questiona nem se apontam alternativas para o individualismo, o consumismo, o fast discard, o desperdício. Não se apresenta como alternativa a cooperação, a fruição colectiva, mas sim o individualismo e a "posse" .... 

Criam-se negócios como os "créditos de carbono", fomentam-se conflitos pelo controle de recursos naturais e energéticos, priveligia-se a "moda", fomenta-se a utiização do transporte individual ao colectivo!

Os animais matam, para defender o seu território ou para se alimentarem. Mas apenas o homo sapiens aprisiona, tortura, escraviza, explora o seu semelhante e a Natureza, predatóriamente quando não se diverte com o sofrimento do seu semelhantte ou dos animais. 

Com esta massa e matéria assim apurada ao longo de milénios, é ainda possível salvar e preservar a Humanidade, cada vez mais arredias?

2024 05 19


IMAGEM -  "Cadeira da Inquisiço". De uso simples, a cadeira inquisitória se traduziu em um dos mais dolorosos meios de se chegar a um fim. Mediante brutal violência, a vítima era forçada a sentar na cadeira à qual era aprisionada por tiras de couros ou peças de metais que garantiam sua permanência. O torturado era submetido às milhares de pontas metálicas (às vezes de madeiras) que, fixadas por todo arcabouço do aparato, perfuravam seu corpo.

Destinada aos suplícios da carne, a cadeira inquisitória foi largamente empregada pela Inquisição como meio de se obter a confissão dos chamados hereges. No entanto, seu uso não se restringiu ao órgão religioso da Idade Média.

Caso o inquisidor não lograsse êxito (ou mesmo não estivesse de “bom humor”), poderia extrapolar a dosagem de dor ao acender pequena fogueira no compartimento metálico abaixo da cadeira — levando o torturado à dor flamejante e desespero indescritível, ao sentir o cheiro da própria carne queimando ao ser perfurada pelos dentes de aço do engenho. (in https://incrivelhistoria.com.br/cadeira-inquisitoria/)

sábado, 18 de maio de 2024

"UMA MÃO CHEIA DE NADA, OUTRA DE COISA NENHUMA"

 


* Victor Nogueira

1. - A solidão,  mais ou menos sentida, acompanha-nos durante toda a vida. Os outros e as coisas, a nossa acção, ajudam-nos, a muitos, a preencher esse vazio, a evitar que a solidão nos esterilize. Mas devemos encontrar um justo equilíbrio entre os outros, as coisas e nós. Para não sermos absorvidos pelas coisas ou pelos outros e, sobretudo, para que não tentemos absorver o outro, querendo transformá-lo à nossa imagem, qual espelho enganador. É um equilíbrio difícil de alcançar, reconheço o. Mas temos de estar atentos e vigilantes. (NSF - 1971.07.13)

2.- Ás vezes, agora cada vez mais frequentemente, estou consciente disto, das barreiras que cavo ao lançar pontes. Procuro os outros para me encontrar e perco-me no meu egocentrismo alocêntrico. A Associação [de estudantes, o partido, o sindicato] é um meio de esquecer a minha profunda solidão, encontrando-a. Sempre este desejo de sair de mim, de encontrar (-me em) os outros, de encontrar-me nas "coisas" que faço, que passam a ser como se "eu". (No gira-discos: guitarra clássica)

(...) O ter estado a reler as tuas cartas foi causa de tentar estar contigo, neste fim de tarde eborense; contigo, figura furtiva debaixo dos arcos [arcadas] cheios de gente (antes de conhecer-te), miúdinha de casaco azul e ar agarotado (travesso? expectante?) na estação dos comboios em Évora, num dia chuvoso  de inverno, voz alvoraçada, os óculos escuros, a serenidade, a alegria ou o encantamento nos degraus da Igreja ou ao longo dos caminhos, as mãos e os lábios que se procuram, a espontaneidade. Alegria!

De ti quero recordar tudo isto. O florir do desencontro, apesar da dor na alma, da angústia pela minha inautenticidade. Recebe-a, amiga, a cento e tal quilómetros de distância, separados por mil e uma barreiras criadas por nós.

(...) Todo este cansaço, todo este desalento, pelo clarão súbito da última página [de "Domingo à Tarde", de Fernando Namora], pela consciência de que todas as nossas relações são um jogo cujas regras (subconscientemente) sabemos (mas não queremos admitir), que toda a vida é uma enorme representação teatral, um palco mundano. (Lembras-te, Shakespeare? Lembras-te, Stau Monteiro da "Angústia para o Jantar"?)(NSM 1971.12.01/03)

3. - A vida, é só uma e o "ser estudante" um momento dela. Que futuro será o meu, não sei. Não quero é que ele seja de estagnação. Há sempre - tem, de haver - um modo de conseguir que o momento que passa seja de conhecimento, um conhecimento que só é possível pelos outros e com os outros. A certeza é a nossa morte, tudo o resto é uma tentativa para superá-la ou para sobreviver-lhe. (MCG - 1974.03.13)


[18 de maio de 2014]  

Foto Victor Nogueira - setúbal vista do forte de s. filipe