* Victor Nogueira
12 de junho de 2014 ·
QUEM ÉS TU, NÃO SEI. E TU, SABES?
Estávamos pois sentados no jardim ou à beira-rio. Perguntavas-me mas não sei o que é o amor. O valor e a força das palavras não reside no seu exterior mas sim no seu conteúdo. Mas dir-te-ia: estava por ti apaixonado, isto é, estava contente, feliz, deslumbrado, com uma imensa ternura por ti. Eras uma pessoa de carne e osso e não uma ideia ou palavras num papel. E isso permitiu-me dizer-te: “Então, quando é que a gente se casa?”.
Naquela altura não tinha dúvidas nem questões a pôr. A vida é que nos dá a resposta. Tu terás certezas. Eu, não! As minhas certezas sobre as pessoas e as coisas nascem dos acontecimentos quotidianos.
Penso muitas vezes em ti. Por vezes com um desejo muito grande da tua presença. É ridículo: esperar que entres pela porta adentro, que estejas aqui comigo, que o telefonema seja a tua voz, que a voz lá em baixo sejas tu! Esta é a única certeza: o desejo, por vezes intenso, da tua presença, da tua mão no meu braço. Que nome dar a isto? Não me preocupo. Sei apenas que acontece.
Outras vezes olho para as pessoas que estão ao meu lado: “personas” de carne e osso, que sorriem e falam, que eu conheço ou não, que muitas vezes gostaria de conhecer. Não porque deseje ou tenha feitio para coleccionar “amores”. Mas não posso deixar de sentir ou calar aquilo que me falta. E tu, tu estás longe, com as tuas reservas, a tua falta de confiança em mim (será?), os teus impedimentos. E perante a nossa reserva as palavras são uma ausência, uma barreira, e não uma ponte ou um caminho.
Olho para ti, para as tuas fotos, as que tirámos, no paredão, no jardim junto ao riacho, nas dunas à beira-mar, na tua sala acolhedora, em minha casa, na estação ferroviária, na esplanada da cidade aberta, no meio da multidão que enche a rua. Olho para ti e tu sorris, com esse teu jeito atencioso, gaiato, leve e risonho, e isso é uma carícia que os nossos dedos e os lábios completam. Mas tu não estás aqui e … o cansaço cai novamente sobre mim e o dia se faz noite cerrada, com o vazio pela tua ausência.
Como quebrar o silêncio das palavras? Como libertar os gestos? Como sair da terra de ninguém e distinguir o canto da sabedoria?
Escreveu Alberto Caeiro: “O amor é uma companhia/Já não sei andar só pelos caminhos/ Porque já não posso andar só / … / E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar”.
Quem és tu, não sei. E tu, sabes?
Paço de Arcos 2014.06.12
Foto Victor Nogueira
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Maria Célia Correia Coelho
Belo, terno, sensivel e muito humano este precioso texto!! Obrigada pela partilha.
• 10 ano(s)
Margarida Piloto Garcia
Victor, estes teus textos melódicos são extremamente belos e intimistas. Não sei se há neles uma exposição se apenas inspiração. Ela não sabe quem é ou talvez saiba mas não possa sê-lo. Mas tu podes
• 10 ano(s)
Maria Jorgete Teixeira
Mais um texto de que eu gosto especialmente, num registo intimista, fluido, onde a leitura não esbarra em construções arrevesadas, mas com a profundidade de um espírito sensível...Elas encontrar-se-ão por entre as tuas palavras, aqui e ali, nas fotos fragmentadas no espaço e no tempo da memória.
• 10 ano(s)
Graça Maria Teixeira Pinto
Outro belo texto, onde deixas deslizar a pena, (em figurado, claro...) as sensações, as recordações doces, com ternura e nostalgia, pouco habitual em ti, que és mais de ironias...( A opinião é minha, e portanto, falível,,,:))Bj
• 10 ano(s)
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)