segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Pingos do Mindelo, outonais

 * Victor Nogueira

Olho para lá da vidraça e anoiteceu, o ar acinzentado,  misturado com laranja, em colorido pouco atractivo, as luzes cintilando no horizonte, as couves galegas e as ramadas do limoeiro oscilando levemente, depois duma tarde em que por vezes bailaram com alguma violência. No youtube, a leveza das valsas, vienenses, para tentar animar a alma e o espírito. Depois de intermitências, chegou o 1º dia duma sequência que a meteorologia prevê sejam cinzentonhos, pesados e mais ou menos chuviscosos.

Voltei às séries televisivas, duma assntada visionando a 1ª temporada duma policial, italiana, da RTP2: «Flores sobre o Inferno - Os Casos de Teresa Battaglia», baseado num dos livros da escritora Ilaria Tuti. Teresa é uma comissária simultâneamente arisca, rude  e avessa a lamechices e, numa aparente contradição, zelosa dos seus subordinados e afável para com crianças e adolescentes. O enredo desta temporada gira em torno das consequências de maus tratos infligidos a estes e por estes suportados, Ao contrário doutras séries italianas, as cenas surgem justapostas, como quadros separados, e as interpretações sem espessura e profundidade psicológicas. Apesar da tragédia que perpassa no argumento, este é amenizado com momentos de humor ou de ironia entre os "polícias" da investigação criminal. Mas já não tive paciência para visionar a 2ª temporada, «A Ninfa Adormecida»,.

A propósito de escritores  ....Ao bochechos, sem grande entusiasmo, estou lendo de Baptista-Bastos  "O cavalo a tinta da china", num enredo que ainda não consegui distrinçar. Há dois homens pai e filhp, o primeiro, Francisco José, revisor em "A Voz" , jornal católico, conservador e antiliberal, favorável à Ditadura Militar e ao salazarismo nascente. Nas horas vagas escreve livros policiais e tenta redigir uma obra sobre Salazar, cujo filho, Manuel, procurará dar corpo e concluir a partir dos papéis deixados pelo pai. Há duas mulheres, ambas com o nome de Clara, uma delas a madraste e outra a esposa de Manuel, E personagens reais que ajudam a ilustrar os tempos de ascensão de Salazar e da implantação do fascismo: o Cardeal Cerejeira, Horácio de Assis Gomes (secretário particular de Salazar, Ezequiel Campos, Quirino de Jesus, o general Carmona, Paul Claudel, Charles Maurras, Reinaldo Ferreira ... Os quatro personagens centrais, os dois homens e as duas mulheres, surgem-me num emaranhado em que tenho dificuldade em perceber quando Baptista-Bastos se refere a cada um deles.


Antes desta obra de Baptista-Bastos lera um dos livros dos CTT - Filatelia, recebido há dias, comemorativo do 200º aniversário do nascimento de Camilo Castelo Branco, uma  viagem pelos lugares por onde jornadeou em vida, cenários dos seus romances. Nunca fui grande apreciador de Camilo, mas sim de Eça de Queirós  (de que li toda a obra) e da ironia deste, para além dos retraatos sociais, que também, noutro estilo, (pre)enchem a obra do escritor de S. Miguel de Seide. Camilo, um operário das letras, teve uma vida atormentada e desgastantes problemas familiares, agravados pela cegueira no fim da vida a que pôs termo. Pelo contrário Eça era um diletante, nao dependia da escrita e a sua vida foi mais escorreita. Um mergulhava, febril, no magma da vida, o outro observava de longe, com um certo desprendimento.

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)