domingo, 30 de março de 2008

De Caldas da Rainha à Lourinhã


Serra d'El Rey

Atouguia da Baleia - touril, junto à Igreja de N. Sra da Conceição

Atouguia da Baleia - Igreja de S. Lourenço e Pelourinho

* Victor Nogueira


Saímos de Caldas, passamos por Amoreira já referida noutro local e chegamos a ...



Serra d'El Rey


De inverno o dia escurece rapidamente e as últimas fotografias em Serra d’El Rey são já feitas ao anoitecer. Retenho a igreja de S. Sebastião, com um vitral deste orago por cima da porta principal; no interior a sua vida contada em paineis de azulejos. Na torre sineira dois relógios rivalizam entre si, um deles mecânico que ao escurecer leva a melhor sobre o outro, que não é senão um relógio de sol. Dambulamos pelas ruas até depararmos com uma série de janelas manuelinas: trata-se do Paço Real, por onde pass(e)aram D.Pedro e D.Inês, que fotografo no regresso, já noite cerrada. Lateralmente as paredes estão em pedra, com as janelas góticas emparedadas. A este Paço, conhecido por palácio da serra a par de Atouguia, os reis vinham para montarias e pescarias e para satisfazê-los lá estavam os agricultores e pescadores. Por exemplo, os pescadores de Salir do Porto , nas terras da Rainha, estavam obrigados a manter um determinado número de caravelas para pescaria e a fornecer ao rei 1/3 do pescado, para que este e sua comitiva pudessem sobreviver durante as estadias por estas paragens ou por Monte Real.


O adiantado do escurecer impede-nos de apreciar as belas paisagens em redor, tendo como limite o mar e o horizonte longínquo.


Da toponímia retenho as ruas dos Matos, dos Bombeiros Voluntários, da Varzinha, do Pai Cavaleiro, do Rossio, dos Penedos ... o largo D.Inês, a travessa do Campino. Pelos arredores alguns moinhos, um dos quais fotografo já com o sol a pôr-se para lá dele, num retrato pouco conseguido.


Nos arredores, perdido no meio do campo, a igreja de N. Senhora do Amparo, brilhando na sua alvura, cercada por um muro alto que se franqueia através dum portão lateral.


A caminho de Atouguia da Baleia, próximo objectivo, em Coimbrã uma placa indica a existência dum cruzeiro, pelo que toca a fazer uma inversão de marcha para um pequeno desvio, acabando por encontrar um cruzeiro manuelino, perto do beco da Memória: num recanto ajardinado, com palmeiras, flores e arbustos, sob um coberto; o cruzeiro apresenta numa das faces Cristo na Cruz e na outra, morto, nos braços da Mãe. Dentro da povoação um moinho bem conservado, da Senhora da Memória. Que memórias são estas não consigo saber desta vez. De nomes com história apercebo-me apenas da rua do Ribeirinho e da travessa do Canto. (Notas de Viagem, 1997.12.05 e 1998.02.23)



Atouguia da Baleia


Finalmente Atouguia da Baleia, cujo nome primitivo era Touria ou Touguia, derivado da palavra touro, onde chegamos já noite cerrada, encontrando as ruas iluminadas, algumas com enfeites luminosos de Natal; iluminados estão também os monumentos, chamando imediatamente a atenção a Igreja barroca de N. Sra. da Conceição, com galeria e duas torres sineiras, cujo interior, pela sua simplicidade, contrasta vivamente com o seu exterior.


A vila possuía um castelo, de que restam alguns vestígios, para além de pelourinho e dum cruzeiro quinhentista, com duas faces, uma representando Cristo Crucificado e outra N. Sra. da Piedade, tal como sucede com o de Óbidos.


Teve esta povoação outras denominações, como Atouguia d’El Rey ou Atouguia da Pescaria, e da sua antiga importância dão testemunho o pelourinho manuelino e a Igreja românico gótica de S. Leonardo, que lhe fica defronte num pequeno largo com algumas casas importantes. Leio que ao interior da igreja merece visita, que o adiantado da hora não permite. Na entrada principal um letreiro reza a sua história, que remonta ao tempo de D. Afonso Henriques, e dela registo que um osso de baleia sustentatava o telhado, primitivamente. Muito corroídas pela acção do tempo são os capitéis da porta principal, com motivos animais e vegetais.


No largo onde fica a igreja da Conceição e um cruzeiro, emergindo do solo, colunas de pedra, rudemente talhadas, com três buracos sobrepostos, são os vestígios que restam do antigo touril, onde se criava gado bravo e se realizavam touradas. Presumo que os orifícios serviriam para suster os barrotes que limitavam e cercavam o touril. Quer no largo de S. Leonardo, quer neste, na calçada à portuguesa, figuram touros estilizados. Neste largo da Conceição existe um coreto e um pequeno e aprazível jardim e, noutra direcção, à saída da povoação, a caminho do Baleal, deparo com uma modesta igreja, que não identifico, mas que tem por cima do portal principal um baixo relevo que encontrei noutras, representando dois braços cruzados sob uma cruz. Nas trazeiras da igreja da Conceição, por uma espécie de azinhaga, vai dar se a uma fonte gótica, um tanto ou quanto degradada.


Perguntarão? Uma povoação tão antiga e curiosa e ainda não se referiu a toponímia?! Pois aqui vai o registo: ruas da Fonte, do Oitão, D. Pedro I, do Ouro, do Clara, do Meio, Direita (com uma cruz de pedra numa parede), da Misericórdia, da Porta do Sol, do Celeiro ... e travessas como as De Trás, do Adro, do Loureiro ... o largo do Oitão. Paradoxalmente a rua Direita é mesmo direita. Nalgumas ruas pequenas capelas dos passos da via sacra. Na parte antiga existem muitas casas arruinadas, o que dá um certo ar desolador às ruas.


Seguimos viagem, não conseguimos encontrar a povoação do Baleal, passamos ao lado do Peniche e, atravessando o negrume da noite, acabamos por desembocar na Lourinhã. (Notas de Viagem, 1997.12.05 e 1998.02.23)



Lourinhã


Viemos em busca desta povoação na sequência dum programa televisivo de José Hermano Saraiva, Horizontes de Memória, a ela dedicado. Da memória do programa ficaram-me as imagens e as histórias do cabeço onde outrora ficava o castelo e hoje se encontra uma igreja gótica, do século XIV, com magnífica vista de campos cultivados, que outrora alimentavam Lisboa, pesasse embora o desprezo da burguesia pelos saloios que a alimentavam, bem como as pinturas da antiga Misericórdia salvas do desbarato anticlerical do século XIX, para além dos ovos de dinossauro preservados no museu local.


Mas disto apenas encontramos a igreja, porque a noite é adiantada, a vista não rompe a escuridão e as portas se não abrem apenas porque tal seja meu desejo.


As pessoas vão para a missa à Igreja do Convento de Santo António, em cujo interior painéis de azulejos contam a vida de Santo António. As ruas estão iluminadas devido à quadra natalícia e engalanadas com a propaganda eleitoral. Lateralmente à igreja um largo parque de estacionamento, bordejado pelo Tribunal, Correios e quartel de Bombeiros, as camionetas da carreira estacionadas na garagem das estrelas. No outro lado da igreja um pequeno largo ajardinado com praça de táxis, donde partem uma série de ruas pedonais bem, conservadas, que percorremos. Contudo esta boa conservação é apenas para inglês ver, pois que as interiores estão mal cuidadas! Da toponímia registo apenas a travessa da Misericórdia e as ruas dos Arcipestres e da Misericórdia. Nesta última encontra-se a igreja do mesmo nome, com um portal manuelino, para além duma discoteca a cuja entrada inúmeros jovens cavaqueiam. Seguindo pela rua acima chegamos a uma escadaria, após a qual deparamos com a trazeira da igreja gótica, iluminada, cercada de andaimes. (1)


Daqui seguimos para Praia d'El Rey, terra de marisco, mas o negrume da noite em nada facilita a diligência, pelo que nos encontramos a descer rumo a Lourinhã, cuja igreja matriz brilha lá em baixo no cimo do cabeço, feericamente iluminada.


Neste circuito ainda tomo notas sobre Atalaia, povoação simpática sem nada de relevante, salvo a existência duma igreja moderna com ninhos de andorinha e torre sineira, tocando as horas com sonora Avé Maria! (Notas de Viagem, 1997.12.05)

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1 - Neste local ermo apanhamos um valente susto. Ao contornar a igreja, encontramos uma motocicleta estacionada, mas prosseguindo, afoitamente, chegamos à fachada principal, que não tivemos tempo de admirar e fotografar, pois alguém assomou e gritou por entre os arbustos; resolvemos abreviar a visita e procurar local menos isolado, incomodados pelos passos rápidos que se aproximam até que surge um jovem de capacete na mão, olhar esgazeado e fixo, dirigindo se-nos sem responder às minhas interpelações, sempre a direito em direcção a nós, sem que eu encontre no chão algo que permita defender-me. Tratava se afinal dum surdo mudo, que pareceu querer falar-nos das obras na igreja, cuja conversa procurei abreviar pois poderia apenas estar a entreter-nos até aparecer mais alguém. Conseguimos largá-lo e ele foi noutra direcção interpelando alguém mais além na rua deserta, o que em nada contribuiu para aumentar o nosso sossego. Estugámos o passo, descemos a escadaria rumo ao grupo de jovens, ouvimos uma motorizada aproximar-se, alcançamos os jovens e a motorizada passa por nós, pára e o jovem mudo faz grandes gestos de alegria por encontrar-nos e segue viagem rumo ao largo lá mais abaixo. Não ganhámos para o susto! Mas resolvi voltar à igreja, para admirá la, desta feita de carro, mas nem parei quando lá encontrámos dois ou três carros despejados dos seus ocupantes, rapazes de mau aspecto àquela hora tardia e solitária, pelo que segui viagem sem abrandar, não fosse aquele local de prostituição e tráfico de droga!

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Fotos -

Atouguia da Baleia - (Igreja de S. Lourenço e Pelourinho)

Autoria: Portuguese_eyes @ flickr
Data em que foi tirada: 2006/05/31
http://flickr.com/photo_zoom.gne?id=157167021&size=m

http://www.flickr.com/photos/vitor107/sets/







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quinta-feira, 27 de março de 2008

Caldas da Rainha

Antigo Hospital Termal



Igreja de N Sra do Pópulo - altar-mor



Campanário da Igreja de N. Sra do Pópulo





Campanário da Igreja de N. Sra do Pópulo


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Cerâmica das Caldas (Rafael Bordalo Pinheiro)


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Edifício do Hospital Termal, que substituíu o do Tempo de D. Manuel I

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Edifícios anexos ao Hospital Termal e lago do Jardim Público (Parque D. Carlos I)

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Praça da Fruta

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Praça da Fruta e antigo edifício da Câmara

* Victor Nogueira (texto)
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Caldas da Rainha


Caldas da Rainha, outrora chamada Caldas de Óbidos porque esta era a povoação principal, amuralhada, era para mim uma cidade onde a burguesia e a minha madrinha Cristina Santos iam veranear e como tal supunha que os seus edifícios teriam alguma monumentalidade e qualidade arquitectónica. Pura ilusão. A cidade é pequena e a parte antiga é triste, feia, incaracterística. No entanto persistem casas interessantes, algumas delas estilo arte nova. A parte nova, essa é igual à de outras cidades. O que me surpreendeu foi a existência de muitas "rotundas", maiores ou menores, com estátuas ou esculturas modernistas, (1) e alguns viadutos. Aliás Caldas é uma terra de ceramistas. Como não podia deixar de ser também tem os seus bairros pobres, como o das Morenas. Pelas ruas ainda se vêm carroças puxadas por um pachorrento e por vezes lazarento jerico ou mula.
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Edifício característico é o dos Pavilhões do Parque, com ar nórdico, erguendo-se aos céus, agora muito degradados, que inicialmente estariam agregados ao Hospital Termal fundado no século XV pela Rainha D. Leonor, que tem uma estátua insípida junta ao Parque. (2) Neste o Museu José Malhoa, contendo essencialmente pintura e escultura "naturalistas", como a do próprio José Malhoa, para além de Tomás da Anunciação, Silva Porto, Columbano e Henrique Pousão, e cerâmica de Bordallo Pinheiro. Numa sala central encontram-se estátuas características do Estado Novo, enaltecedoras de reis e descobridores.


O Parque D. Carlos I, que remonta ao século XIX, frondoso e fresco, onde agrada deambular, com um lago central, possui uma esplanada com péssimo serviço, como aliás muitas vezes sucede em casos similares, e estátuas espalhadas pelo relvado. Visitável o Museu da Cerâmica, como a tal do Zé Povinho e do manguito, figura popular tal como a Maria Paciência, que vi no Museu de Rafael Bordalo Pinheiro em Lisboa. Em muitas lojas exposta bonecada mais ou menos ou menos que mais artística sobre o «instrumento» das Caldas, para além de pequenas esculturas de humor mais imaginativo e refinado. No Museu José Malhoa existe também uma secção de cerâmica, com objectos da Real Fábrica do Rato e outros locais, como os dos Bordallos, Maria dos Cacos ou Manuel Mafra, a destes menos exuberante e multicolor e mais bisonha que a dos primeiros. No Museu da Cerâmica existe um atelier com azulejos e olaria executados pelas crianças das escolas da região, num projecto integrado.


Para além da olaria e cerâmica vidrada tradicionais, satírica ou naturalista, embora renovada, a estatuária. Para além das bienais de arte e da presença escultórica em tudo quanto é largo ou praceta, dois museus-atelier recolhem a obra de dois escultores locais: António Duarte (3) e José Fragoso.


De referir a doçaria tradicional: beijinhos, cavacas, trouxas de ovos e lampreias.



Achei interessante mas não entusiasmante a torre sineira manuelina, quadrangular, da Igreja do Pópulo, com um relógio em cada uma das faces e um telhadinho de duas águas por cima de cada um dos lados da torre. Este templo era a antiga capela do Hospital e nas traseiras deste encontra se uma frondosa mata e o antigo Paço Real. De referir a Praça da República (4). Trata-se duma praça sobre o comprido, como a do Giraldo em Évora, constituída por edifícios de dois ou três pisos, com varandas de sacada no primeiro andar, onde todas as manhãs se realiza o mercado de frutas e legumes, de que me lembrava apenas da Pastelaria Bocage.


A cidade possui um chafariz célebre, o das Cinco Bicas, na rua Diário de Notícias, embora lhe prefira o da Estrada da Foz, sendo ambos do século XVIII.



(Notas de Viagem, 1997/1998)


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1 - Esculturas provenientes das bienais aqui realizadas, promovidas pela Câmara local.


2 - O Hospital construído à custa de rendas e jóias da Rainha, que por esse facto não consta tenha ficado na miséria. Imagine se a riqueza de reis e rainhas! A traça actual deve se a Manuel da Maia, um dos arquitectos reconstrutores de Lisboa. Inicialmente possuia apenas dois pisos, a que posteriormente foi acrescentado umm terceiro, dando-lhe o aspecto actual.


3 - Foi este escultor que fez a máscara mortuária e o molde em gesso da sua mão direita, sem que posteriormente alguém se tivesse interessado por isso ou pago o trabalho.


4 - Largo, Praça ou Rua da República, 5 de Outubro e Miguel Bombarda encontram-se um pouco por todo o Portugal! Tal como o Marquês de Pombal.

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Fotos de autores não identificados
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Fotos de Victor Nogueira no Kant_O Photomático - Caldas da Rainha
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terça-feira, 25 de março de 2008

Setúbal e os golfinhos

A comunidade roaz-corvineira, que habita o Sado, única morada que lhe resta em Portugal, após ter desaparecido a do Tejo, já foi maior nos anos 80, mas, mesmo assim, os 30 elementos que a compõem, resistindo às agressões constantes de que são vítimas, continuam a ser um dos emblemas de Setúbal, a par do rio que lhes dá guarida, num casamento perfeito da Natureza.

Roaz-corvineiro

Um habitante no Sado

Ao todo, são 30 os roazes-corvineiros que habitam o Sado, único local, onde, em Portugal, é possível ver estes cetáceos, emblemas de uma cidade, que tem no rio um dos símbolos maiores.

O número – que inclui machos e fêmeas, adultos e jovens –, apontado por entendidos, não é resultado de uma estimativa, de um cálculo feito por alto, mas de uma contagem - onde a hipótese de erro é a mesma da de qualquer operação aritmética – variável apenas porque o nascimento e a morte são parte integrante da vida.


Para observador comum, que, com frequência, os avista, de terra ou a bordo de uma embarcação, sempre que vêm à superfície para respirar, em gesto suave e elegante, a contagem é tarefa irrealizável, já que parecer-lhe-ão todos iguais. Pura ilusão que a ignorância proporciona. Os golfinhos, como as pessoas, mesmo as gémeas, são todos diferentes uns dos outros, cada um deles com características próprias, o que permite, aos entendidos, distingui-los, por exemplo, através das 'impressões digitais'.

Com efeito, além de outras características que cada um tem, como o 'assobio', pelo qual é mais difícil distingui-los, a barbatana dorsal, que lhes serve de 'quilha' e os equilibra, funciona como autêntica 'impressão digital', já que não há duas iguais.

O "assobio": arma de caça

O “assobio”, que, também, os identifica aos ouvidos dos entendidos, é utilizado pelos “corvineiros” como meio de comunicação entre a comunidade e arma de caça, quase constante, que a meia tonelada que os adultos chegam a pesar não é à base de água e de ar.

Na procura de alimentação – peixes, moluscos e crustáceos – actuam sozinhos ou em pequenos grupos, utilizando, invariavelmente, a técnica do atordoamento da vítima, conseguido com o bater da barbatana caudal na superfície da água e com o 'assobio', meio, igualmente, de detecção da presa.

Com efeito, os sons que emite, ao baterem contra qualquer obstáculo, são reflectidos, permitindo-lhes escutá-los outra vez, localizando, assim, objectos e presas, sobre as quais fica a saber o tamanho e as formas.

Quando em grupo, cercam as vítimas. Em círculo ou encurralando-as contra margens ou baixios.

A morte por companhia

Os roazes machos, em estado selvagem, podem atingir os 45 anos ou até mais, tendo as fêmeas vida mais longa.

A verdade, contudo, é que a comunidade que habita o Sado decresceu nos últimos anos, como reflexo da agressão ambiental causada, essencialmente, pela poluição industrial e pela actividade portuária.

A pesca, alguma dela ilegal, e as próprias embarcações de recreio, que nem sempre navegam de acordo com o que está estipulado, podem, igualmente, ser responsabilizadas pelo decréscimo de exemplares 'corvineiros' – e não só – no rio.

Os esgotos urbanos, também eles, contribuíram – e muito – para a diminuição da tribo roaz no Sado, situação atenuada – e com tendência para atenuar ainda mais – com a entrada em funcionamento, em Setúbal, da ETAR.


Por tudo isto, se pode dizer que os roazes-corvineiros têm vivido no Sado – a exemplo do que aconteceu no Tejo, de onde desapareceram completamente – com a morte como companheira.

Maneiras há, contudo ( ver caixa abaixo) de tornar este cenário menos cinzento e mais azul.




Cinco regras

De entre as regras que qualquer um, sem esforço, pode cumprir para que os roazes-corvineiros continuem a ter o Sado como morada, salientamos sete, desrespeitadas algumas delas, muitas vezes, por ignorância.

1) Nunca deitar objectos e lixo para a água, pois os golfinhos podem morrer por ingerirem plásticos, vidros ou metais. Sempre que encontremos lixo devemos recolhê-lo.

2) Não alimentar os golfinhos. Eles são animais selvagens.

3) Se os virmos, não devemos dirigir-nos, imediatamente, a eles, nem persegui-los. O barulho e o movimento dos barcos podem perturbá-los e causar-lhe “stress”.

4) Devemos evitar a concentração de embarcações em seu redor, bem como mudanças bruscas de velocidade, direcção e sentido. É contraproducente, também, a aproximação frontal ou cruzar a sua trajectória, sendo aconselhável manter um rumo paralelo ao dos golfinhos, nunca a uma distância inferior a 50 metros, deixando que sejam eles a aproximarem-se.

5) Devemos ser pacientes, respeitadores e procurar o bem-estar dos golfinhos.


Ao encontrarmos um roaz que tenha dado à costa devemos avisar a Reserva Natural do Estuário do Sado ou a Polícia Marítima do Porto de Setúbal.

Alimentação variada

A alimentação dos roazes-corvineiros é bastante variada. Mesmo tendo desaparecido do Sado algumas espécies, ainda lhes sobra muito por onde escolherem.


No estuário, as preferências vão para os chocos e tainhas, mas polvos, lulas, linguados, camarões e caranguejos fazem, igualmente, parte da ementa.

A razão dos nomes

O roaz-corvineiro, nome plebeu de tursiops truncatus, foi rebaptizado, tudo leva a crer, devido à matreirice e a preferências gastronómicas.


Roaz porque, para desespero dos pescadores, ganhou artes de roer as redes de onde surripia verdadeiros manjares. Corvineiro vem da predilecção que tinha pela corvina, quando ela existia, com abundância, na região. Foi-se-lhe o pitéu, ficou-lhe o nome.


A estes nomes, juntou-se-lhe, mais recentemente, outro, sendo, também, conhecido por golfinho do Sado, já que é, em Portugal, o único local onde pode ser visto.

"Habitat" e vida

O roaz-corvineiro, golfinho, da família dos cetáceos, nasce, ao fim de um ano de gestação, com cerca de 30 quilos, atingindo em adulto um peso que varia entre os 300 e a meia tonelada e três metros de comprimento.


Com um corpo robusto, de forma hidrodinâmica, desloca-se graças à barbatana dorsal, que actua tal e qual uma quilha, mantendo-o equilibrado, a uma barbatana caudal, principal meio de propulsão, e a duas peitorais, orientadoras da direcção do movimento. Pode atingir a velocidade de 40 quilómetros por hora.


Como mamífero, tem pulmões, pelo que sente necessidade de vir à superfície para respirar, fazendo-o através do espiráculo, orifício que tem no cimo da cabeça.


Após ter desaparecido no Tejo, o estuário do Sado – onde a comunidade chegou a ser constituída, na década de 80, por 40 exemplares – e a área marinha adjacente são as únicas moradas que conhece em Portugal.

Fotos: Pedro Narra/Vertigem Azul

Fontes: Reserva Natural do Estuário do Sado e Vertigem Azul, empresa promotora de excursões para observação de golfinhos, no Sado.

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Setúbal - Personalidades (6)

Desde cedo, a vida fez-lhe negaças. Enfrentou-as e venceu-as, não raro com humor e muita música.

Mestre Azóia

Setenta anos de música


José Rodrigues dos Santos foi o nome anotado, em 25 de Março de 1916, na Conservatória do Registo Civil, sensivelmente um mês após o nascimento – 28 de Fevereiro –, mas todos o conheciam por Azóia.


Embora natural da cidade de Setúbal, foram buscar-lhe a alcunha à terra, perto de Sesimbra, onde o avô paterno era moleiro.

A meninice passou-a na Fonte Nova e na Capricho Setubalense. No primeiro caso, porque morava com os pais naquela zona, no segundo, porque era ali que a mãe, costureira, trabalhava para sustentar a prole numerosa, que o marido – mais dado a viagens e a outras mulheres do que à família – lhe deixou nos braços.

Naquela época, os bailes na Capricho eram abrilhantados ao piano por uma espanhola. Foi esta mulher que, ao verificar o entusiasmo do puto, lhe deu as primeiras aulas daquele instrumento.


As lições foram de tal modo aprendidas que um dia em que ela, doente, faltou, foi ele que abrilhantou o baile. Tinha 13 anos.

A par das aulas de piano, frequentava o liceu, que deixou aos 14 para ajudar ao sustento da casa.

Este facto não lhe arrefeceu o amor pela música. Aos 16 anos, já compunha, escrevia textos de revistas e era actor.


A actividade artística não a confinou à Capricho. Estendeu-a a outras colectividades, como à Casa dos Pescadores, onde encenou peças de teatro, e à “rival” União Setubalense, cuja orquestra dirigiu. Participou, ainda, na realização de eventos como as “batalhas das flores”, os desfiles etnográficos e as marchas populares.

Enumerar os espectáculos de que Azóia foi responsável ou em que participou, bem como o número de músicas que escreveu torna-se quase impossível, já que foram mais de 70 anos de actividade artística.

Por isso, a Câmara Municipal, em 28 de Fevereiro de 2004, no dia em que o mestre Azóia completou 88 anos, homenageou-o, no Fórum Luísa Todi, com um espectáculo de cinco horas, durante o qual foram interpretadas músicas da autoria dele.

Antes, foi distinguido com as medalhas de Mérito Distrital e de Honra da Cidade, na classe de Cultura. A primeira, em 1991, e a segunda, um ano depois.

Azóia morreu em 26 de Fevereiro de 2006. O corpo foi cremado em Ferreira do Alentejo, para onde seguiu após ter estado em câmara ardente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Setúbal.



Irreverência

Mestre Azóia foi um homem de carácter forte e irreverente, que soube, sempre, ultrapassar as dificuldades, não raro usando o humor.

Não admira, por isso, que, numa época em que a liberdade de expressão era algo riscado do léxico português, tenha tido problemas com o regime.

Um exemplo: uma revista chamava-se “É Tudo Nosso”. No cartaz de promoção do espectáculo, os responsáveis pela iniciativa antecederam a frase com o advérbio “brevemente”. Quem mandava não gostou. A censura fez cortes.

A revista acabou por ir a cena com novo título: “Peço Desculpa”.

De outra vez, alegando falta de segurança da sala, o Governo Civil ordenou o cancelamento de uma revista. Azóia não perdeu tempo. Transferiu o espectáculo para a Avenida Luísa Todi.



Usar e pôr no lixo é a regra. Uma das excepções vai sendo o mobiliário. Em Setúbal há, ainda, quem se dedique ao negócio de móveis em segunda mão, como José Ruivo, polícia que rouba o descanso às folgas para ser comerciante. O estabelecimento, na Baixa, foi, em tempos, fábrica de guloseimas e agência de emprego, mas já vendeu, também, fogões a petróleo e roupa usada.

Negócio de mobílias

Velhos são os trapos

A loja da dona Ana de Jesus - a “Aninha dos fogões” - é das poucas, em Setúbal, que, em tempo de comprar tudo e tudo deitar fora, sobrevive ao negócio do mobiliário usado.

A história começou, há cerca de 60 anos, com a morte do marido que, no mesmo espaço, explorava um estabelecimento de venda e reparação de fogões a petróleo.

Quando enviuvou, conta José Fernando Ruivo - casado com uma sobrinha de dona Ana - à frente do negócio há 17 anos, a “senhora, que tinha um salão de cabeleireiro, mesmo em frente, começou por vender, à consignação, peças de mobiliário e roupas, principalmente a pedido de vizinhos”.

Assim, “mais para ajudar quem precisava de manter a porta aberta do que para outra coisa qualquer, nasceu o negócio”. Pelo meio, num atravessar de rua constante, ia arranjando fogões, pondo em prática o que aprendera com o marido, e cabelos.


Nesta acção tripartida permaneceu dona Ana até há 30 anos, quando entregou a responsabilidade do salão a uma empregada, mas somente há 17 deixou de estar à frente do estabelecimento que, então, já não vendia nem consertava fogões a petróleo. O gás e a electricidade tinham-no atirado para o rol das recordações. Foi nessa altura que José Ruivo - preenchendo as horas vagas que a actividade de agente da PSP, ao serviço do INEM, lhe deixa - tomou conta da loja, acabando com o negócio de roupas e “especializando-a” em mobílias.


O negócio, garante, “tem vindo a piorar desde há dois anos”, muito por culpa das promoções das “lojas de artigos novos, que chegam a aceitar o pagamento, ainda por cima a prestações, seis meses depois do levantamento da mercadoria”.

Por isso, “hoje, são mais as pessoas, dez por dia, em média, que passam pela loja para vender do que para comprar”, mesmo que José Ruivo aceite cheques pré-datados, alguns atirados para a gaveta das más lembranças, cansados de ir ao banco sem que os queiram.



Apesar de só comprar o que, “em princípio, tem venda assegurada”, José Ruivo nem sempre ganha o que podia se fosse, por exemplo, antiquário, o que implicaria ter outros conhecimentos sobre o que negoceia. Ainda não há muito tempo, vendeu uma “mobília D. João V por 120 contos, ganhando 30”, quando, “passadas umas horas lhe davam 700.

Recentemente, também, adquiriu uma “cama completamente danificada”, cujo “restauro ficou em 400”. Têm-na à venda por 500.


Não se pense, porém, que os percalços fazem esmorecer o entusiasmo deste comerciante nas horas vagas. Conta-os, até, com um riso a encher-lhe a cara e não hesita em dizer que, quando a “a reforma da PSP chegar”, os móveis servir-lhe-ão, no final de cada mês, de aconchego ao ordenado e “forma de passar o tempo”.

Agência e pirolitos

A loja da 'Aninhas dos fogões' - a par do negócio de móveis e de roupas usadas - funcionou, “durante 40 anos”, como “agência de emprego, principalmente para as mulheres do campo que chegavam a Setúbal e queriam trabalhar a dias”.

Antes - ainda o marido não tinha transferido para lá o comércio de fogões a petróleo que tinha na Avenida Luísa Todi (foto do letreiro, ao lado) - a casa albergara duas fábricas, “uma de bolos, aGato Preto’, e outra, de pirolitos”.

Horário do INEM

O horário da loja - no número 34 da Rua Estevan de Vasconcelos, ou do Abrantes, como normalmente é conhecida - é flexível, abrindo apenas nos dias em que o responsável pelo negócio folga na PSP.


Não se assuste, já, o leitor, a pensar em vender, ou comprar, mobiliário usado. José Ruivo, motorista de ambulâncias, como todos os polícias em serviço no INEM, trabalha um dia e folga dois, pelo que é mais o tempo que está no estabelecimento do que o que não está.

Da bandeja aos móveis

José Ruivo, nascido em Torres Vedras há 49 anos e residente em Setúbal há 25, polícia e negociante de móveis usados, começou, na terra natal, por ser empregado de mesa.

Já polícia, foi colocado em Setúbal, onde casou e, por via disso, é hoje comerciante de mobílias em segunda mão.

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Setúbal - Personalidades (5)

Bocage

Calafate

Michel Giacometti

Luísa Todi

Sebastião da Gama

Zeca Afonso

Lima de Freitas

Américo Ribeiro

Ana Castro Osório

Olga Moraes Sarmento

Luciano dos Santos


Bocage

(1765-1805)

Magro, de olhos azuis, carão moreno,

Bem servido de pés, meão de altura,

Triste de facha, o mesmo de figura,

Nariz alto no meio, e não pequeno; (...)

Assim se via Manuel Maria Barbosa du Bocage, considerado por muitos o maior poeta português do século XVIII.

Filho de um advogado e de uma francesa, Bocage nasceu em Setúbal, no número 12 da Rua Edmond Bartissol, a 15 de Setembro de 1765.

Desde muito cedo que levou uma vida atribulada, assentando praça aos 14 anos de idade e ingressando na Academia Real da Marinha aos 15. Os anos seguintes dividiu-os pelo estudo e pela vida boémia das cidades.

Na sua época, Portugal enfrentava tempos difíceis. A economia era frágil, o ouro do Brasil começava a escassear e o que vinha para o país era todo conduzido para a luxúria da Corte, o erário público era gasto com as despesas da marinha e do exército, as reformas do Marquês de Pombal não eram respeitadas e o povo passava fome.

Simultaneamente, em França, os tempos eram de mudança e revolta. Luís XIV e Maria Antonieta haviam sido decapitados por altura da revolução de 1789 e espalhavam-se pela Europa os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Em Portugal, os cafés, principalmente os de Lisboa, eram pontos privilegiados de debates políticos e encontros de subversão contra o Governo.

D. Maria I enlouquecera e foi o Intendente Diogo Inácio de Pina Manique quem assumira o poder, instaurando um regime totalitário e repressivo, agravando, ainda mais, a conjuntura.

Depois do regresso a Portugal, em 1790, vindo de uma passagem agitada pelo Oriente, Bocage levou, durante uma década, uma vida de boémio em Lisboa, onde, por exemplo no Botequim das Parras ou no Café Nicola, marcou presença quase todas as noites, juntando admiradores e criando grandes amizades, devido ao carisma e às críticas que ia rubricando contra o despotismo de Pina Manique, sobre os vários problemas do país e ausência dos direitos humanos, hoje em dia, considerados elementares.

Personalidades do regime, classes sociais e clero também não escaparam à visão crítica e audaz do escritor, que, por essa altura, já se apelidava de Elmano Sadino, anagrama adquirido quando aderiu à Nova Arcádia, onde foi protegido, durante algum tempo, por Filinto Elísio e pela marquesa de Alorna.

Naturalmente que o espírito livre, rebelde e contestatário de Bocage entrou de forma irremediável em conflito com a autoridade, sendo, em 1797, preso por “desbragamento de costumes e livre pensamento”.

A Inquisição condenou-o a receber doutrina pelos oratorianos, no mosteiro de S. Bento. Quando terminou a pena, era um homem diferente, passando a trabalhar, vivendo em dificuldades e a sustentar uma irmã.

Apesar de ter pertencido formalmente a uma escola poética neoclássica, Elmano Sadino era já um pré-romântico por temperamento, lamentando-se do destino e da infelicidade e lutando contra as violentas contradições existenciais típicas dos autores românticos.

Do erotismo ao brejeirismo, da crítica construtiva ao escárnio, Bocage escreveu, até à morte, em 21 de Dezembro de 1805, em Lisboa, de tudo e sobre tudo, sendo, por isso, alvo de censura durante toda a vida, tendo visto muitos versos cortados, largamente alterados ou simplesmente omitidos e publicados apenas a título póstumo.

Artigos relacionados (textos publicados, em 2005, no 'Sant'Iago - Diário da Feira', jornal da Feira de Sant'Iago)

Vida e Obra:

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Calafate

(1815-1911)

António Maria Eusébio, “o Calafate”, nome pelo qual era conhecido devido à profissão que tinha, poeta analfabeto, apelidado também de “o cantador de Setúbal”, nasceu em 15 de Dezembro de 1819, na Freguesia de S. Sebastião e morreu em 22 de Setembro de 1911.

Apenas em 1904, já com 84 anos de idade, começou a pôr em versos, publicados em folhetos, a forma como via e vivia Setúbal, ganhando com isso a subsistência.

A publicação de folhetos com esses versos foi ideia de um amigo, o general Henrique das Neves, que juntou 50 pessoas dispostas a dar cem réis por exemplar, pagando, assim, o custo da impressão na Tipografia Mascarenhas, revertendo o produto da venda dos restantes a favor do poeta, já incapaz de exercer a profissão.

Na primeira edição do folheto dava-se a seguinte explicação: “Ao amigo do autor afigurou-se-lhe que, publicando em edição especial estas Recordações, não somente contribuiria para afirmar mais uma vez o engenho do Cantador de Setúbal, auxiliando-o conjuntamente com a receita que daqui lhe possa advir, mas também se lhe afigurou que enriqueceria a nossa literatura popular com uma obra de singular valor no seu género literário.”

Em 1901, e por iniciativa também de Henrique das Neves, são impressos 600 exemplares de “Versos do Cantador de Setúbal”, com prefácio de Guerra Junqueiro.

António Eusébio passou a maior parte dos dias a trabalhar de sol a sol no calafeto de barcos na margem do Sado.

Os 82 anos de idade do “cantador de Setúbal” foram festejados, por iniciativa, uma vez mais, de Henrique das Neves e também dos escritores Ana Castro Osório e Paulino de Oliveira, com um sarau no Teatro D. Amélia, onde hoje é o Fórum Municipal Luísa Todi.

O último dos sete folhetos com poemas de Calafate foram publicados em 1910.

Fonte: www.lasa.pt

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Michel Giacometti

(1929- 1990)

Michel Giacometti, de origem francesa, rendeu-se aos encantos de Portugal, onde viveu mais de 30 anos até morrer, desde o momento em que chegou, em 1959, dedicando-se, desde então, à investigação da música popular.

Nascido em Ajaccio, na Córsega, em 1929, Michel Giacometti foi criado por um tio, funcionário colonial da rota do Império Francês.

Desde muito novo que as aventuras – ou desventuras - começaram a persegui-lo. Apenas com três anos de idade foi raptado por uma tribo, sendo salvo por Herratin, uma criada negra descendente de antigos escravos.

Enquanto estudante fundou várias revistas e esteve ligado a actividades culturais. Foi poeta, crítico de arte, actor e director de uma companhia teatral.

Expulso de todas as universidades francesas, por um período de cinco anos, por participar numa greve contra a discriminação dos árabes na vida pública de Argel, Giacometti decidiu viajar, chegando a frequentar as universidades de nove países, exercendo, ao mesmo tempo, mais de três dezenas de profissões para poder subsistir e financiar os estudos.

Após a diáspora, regressou a Paris, terminando o curso de Letras e Etnografia, na Universidade de Sorbonne.

“Mediterranée 56” é o nome da missão que criou, a seguir à conclusão da licenciatura, com o objectivo de investigar as tradições populares de todas as ilhas do Mediterrâneo. A dimensão do projecto, contudo, obrigou-o a considerá-lo como um fracasso, mas, por outro lado, com os conhecimentos antropológicos que adquiriu, passou a ter um curriculum invejável.

A “descoberta” de Portugal dá-se em 1959, ao decidir fixar-se em Bragança, quando lhe diagnosticaram tuberculose e recomendaram um clima mais propício à cura. O casamento com uma portuguesa influenciou a escolha, iniciando, então, a investigação musical no Nordeste Transmontano.

Giacometti recolheu informações etnográficas em mais de 600 freguesias, apesar das dificuldades financeiras por que passou, que o forçaram a dormir em pensões degradadas, choupanas de pastores, na casa de um contrabandista e, inclusivamente, na rua.

Apesar da dedicação e da enorme qualidade da compilação musical que possuía, das mais ricas da Europa Ocidental, nunca chegou a viver deste trabalho.

Os conhecimentos que possuía permitiram-lhe fazer programas de rádio para estações europeias e, durante três anos, realizou, para a RTP, “Povo que cantas”. A inspiração para o título foi buscá-la à letra de uma cantiga da resistência espanhola que diz que “pueblo que canta no puede morir”.

“Antologia da Música Regional Portuguesa”, uma colecção de cinco discos, feita com a colaboração do compositor Fernando Lopes Graça, e o “Cancioneiro Popular Português”, editado pelo Círculo de Leitores, são algumas das obras de maior valor de Michel Giacometti.

Para ter algum desafogo económico teve de vender o espólio que detinha, como a colecção dos arquivos sonoros, a biblioteca particular e instrumentos musicais, estes últimos adquiridos pela Câmara Municipal de Cascais.

Por coincidência, Giacometti, que pertenceu e viveu para o povo, que acreditou nas minorias e defendeu a identidade das culturas e das nações, viu pela primeira vez a luz do dia a cem metros da casa onde nasceu Napoleão Bonaparte.

Michel Giacometti morreu em 1990 e foi sepultado, como desejava, no país do coração: em Portugal, mais precisamente em Peroguarda, no concelho de Beja.

O Museu do Trabalho Michel Giacometti, em Setúbal, não existiria sem o valioso contributo do etnólogo corso, que, em 1987, ajudou na elaboração da exposição “O Trabalho faz o Homem”, a primeira daquele espaço cultural.

Fontes:

- Público Magazine, Agosto de 1990

- www.terravista.pt/guincho/1452/michel.htm

- Documentação cedida pelo Museu do Trabalho Michel Giacometti

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Luísa Todi

(1753-1833)

Luísa Todi nasceu em Setúbal, na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, a 9 de Janeiro de 1753, na actual Rua da Brasileira, não criando grandes raízes na cidade, pois os pais mudaram-se para Lisboa ainda ela era de tenra idade.

Luísa Rosa de Aguiar, nome de solteira, estreou-se, ainda como actriz, em 1767 ou 1768, no teatro montado na propriedade do Conde de Soure, em Lisboa, recitando, com a irmã, as falas das personagens de Tartufo, de Molière.

Foi, também, aí que Luísa Aguiar conheceu Francesco Saverio Todi, violinista de origem italiana.

Em 28 de Julho de 1769, com apenas 16 anos de idade, Luísa casou com Todi, na Igreja de N.ª S.ª das Mercês, indo habitar no Pátio do Conde de Soure, perto do Teatro.

Um ano após o casamento, actuou no mesmo teatro, onde se estreou como actriz, mas, desta vez, como cantora, na ópera "Il Viaggiatore Ridicolo", de Guiseppe Scolari. A partir desse momento, a carreira de Luísa Todi tomou outro rumo, apresentando-se logo no ano seguinte em Londres.

A 6 de Junho de 1772 actuou no Porto, cantando árias do compositor David Perez, mestre da Capela Real, passando a ser, figura de relevo na sociedade nortenha.

As críticas dos jornais, mesmo os estrangeiros, em relação à cantora não eram modestas, elogiando as capacidades vocais, o relevo que dava à expressividade e à emoção na caracterização das personagens que interpretava.

Londres, Paris, Berlim, Turim, Varsóvia, Veneza, Viena, São Petersburgo foram algumas das cidades em que Luísa Todi passou largas temporadas, alcançando consideráveis êxitos. Nessas ocasiões, conviveu de perto com a aristocracia europeia, como foi o caso de Frederico II da Prússia e Catarina II, imperatriz da Rússia.

"La Didone Abbandonata" talvez tenha sido, de entre todas as que cantou, a ópera onde alcançou maior êxito.

Até 1793 andou em tournée pela Europa e foi já com 40 anos de idade que voltou a Portugal para cantar nas festas da filha primogénita do príncipe regente, futuro D. João VI.

Este espectáculo foi uma excepção em Portugal, visto que D. Maria proibira as mulheres de actuarem em público. Apesar da autorização, a família real não esteve presente, nem a actuação de Luísa Todi foi devidamente referenciada.

Talvez por isso, pelas limitações impostas em Portugal, regressou ao estrangeiro, voltando a Portugal, mais concretamente ao Porto, em 1803, já viúva.

Com as invasões francesas, em 1809, Luísa Todi viu-se forçada a abandonar o Porto, perdendo, na fuga, grande parte dos bens, entre os quais se contavam jóias.

Em 1811, quando regressou a Lisboa, já era uma mulher amargurada, em parte pela morte de alguns dos seis filhos e por uma das filhas ter sido internada no Recolhimento de Rilhafoldes, destinado a doentes mentais.

Em 1813, Luísa Todi viveu na rua do Tesouro Velho, hoje, rua António Maria Cardoso, e mais tarde mudou-se sucessivamente para as ruas da Barroca e da Atalaia, Largo de S. Nicolau e Travessa da Estrela, onde morreu, em 1 de Outubro de 1833, com 80 anos de idade, cega devido a uma doença que tinha desde nova.

Fontes:

- “Cantores de Ópera Portugueses, 1º volume”, Mário Moreau

- “Setúbal e as suas celebridades”, Fran Paxeco

- “Setúbal no Século XVIII. As informações paroquiais de 1758”, Rogério Peres Claro

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Sebastião da Gama

(1924-1952)

Sebastião Artur Cardoso da Gama nasceu em 10 de Abril de 1924, em Vila Nogueira de Azeitão, tendo falecido a 7 de Fevereiro de 1952.

Licenciou-se em Filologia Românica, em 1946, na Faculdade de Letras de Lisboa, leccionando provisoriamente, dois anos mais tarde, na Escola Técnica de Setúbal.

“Serra Mãe” foi a primeira obra do poeta, que surgiu em 1945, seguindo-se, nos dois anos sequentes, “Loas a Nossa Senhora da Arrábida” e “Cabo da Boa Esperança”.

No dia 4 de Maio de 1951, casou com a amiga de infância Joana Luísa, no Convento da Arrábida, tendo sido a primeira cerimónia ali celebrada.

No mesmo ano surgiu a quarta obra, intitulada “Campo Aberto”.

A 7 de Fevereiro de 1952, Sebastião da Gama morre, vitimado por uma tuberculose renal, de que sofria desde a adolescência.

Após a morte do poeta, foram publicados, em 1953, “Pelo Sonho é que vamos” e “Lugar de Bocage na Poesia Portuguesa”, este último em resultado de uma conferência proferida em 15 de Setembro de 1950, em Setúbal.

“O Diário”, com prefácio de Hernâni Cidade, e “O Segredo é Amar” surgiram em 1958 e 1959, respectivamente.

O último livro editado, “Itinerário Paralelo”, data de 1967.

Em 1999, a Câmara Municipal inaugurou um pequeno museu dedicado ao poeta, em Vila Nogueira de Azeitão. Neste espaço, onde está também instalado o pólo local da Biblioteca Municipal, figuram o espólio literário e numerosos objectos pessoais de Sebastião da Gama, relacionados com a vida e obra do poeta.

Fonte:

- Publicação Câmara Municipal de Setúbal, 2001

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José Afonso

(1929-1987)

José Afonso, ou Zeca Afonso, 'pai' de canções, que marcaram o País antes, durante e depois da Revolução dos Cravos, como “Grândola Vila Morena”, “Venham Mais Cinco” ou “O que faz falta”, nasceu, em Aveiro, em 2 de Agosto de 1929.

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, de nome completo, filho de um juiz e de uma professora primária, tendo passado os primeiros anos de vida entre a terra natal, Angola e Moçambique.

'Bicho-cantor' foi a alcunha que lhe deram no liceu, por cantar serenatas durante as praxes. Nesta altura conhece a vida boémia e os fados tradicionais de Coimbra.

Entre 1946 e 1948, enquanto terminou o liceu, conheceu a costureira Maria Amália de Oliveira, com quem casou às escondidas, devido à oposição dos pais.

Quando, em 1949, ingressou no curso de Ciências Histórico-Filosóficas, da Faculdade de Letras, revisitou Angola e Moçambique, integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra.

Em 1953, nasceu o primeiro filho, José Manuel, e, enquanto dava explicações e fazia revisões no “Diário de Coimbra”, viu os primeiros discos serem editados.

O Emissor Regional de Coimbra, da Emissora Nacional, foi o local escolhido para a gravação dos dois discos, de 78 rotações, com faixas de fados de Coimbra.

“Fados de Coimbra” é o título do primeiro EP, editado em 1956. Nos finais dos anos 50, princípios de 60, começou a frequentar colectividades e a cantar, com regularidade, em festas populares.

Em 1963, concluiu o curso, com uma tese sobre Jean-Paul Sartre e a nota de 11 valores.

A senha para o início da Revolução de Abril, “Grândola Vila Morena”, nasceu após Zeca Afonso se ter inspirado numa actuação na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, em Maio de 1964.

O único disco editado pela Valentim de Carvalho, “Cantares de José Afonso”, é desse ano, altura em que regressou a Moçambique, onde viveu e leccionou durante três anos.

O regresso a Portugal deveu-se à oposição José Afonso ao sistema colonial . O destino, desta vez, foi Setúbal, onde foi colocado como professor, tendo sofrido uma grave crise de saúde que o forçou ao internamento hospitalar durante vinte dias. Quando recuperou, ficou a saber que tinha sido expulso do ensino oficial, passando a viver de explicações que dava.

O álbum “Contos Velhos Rumos Novos” e o single “Menina dos Olhos Tristes”, que contem a canção popular “Canta Camarada” , são editados em 1969.

Seguem-se “Traz Outro Amigo Também”, em 1970, gravado em Londres, “Cantigas do Maio”, em 1971, gravado em Paris, e, no ano seguinte, “Eu Vou Ser Como a Toupeira”, editado em Madrid.

Em Abril de 1973, foi preso, passando vinte dias em Caxias, e no Natal desse ano gravou, em Paris, “Venham Mais Cinco”, com a colaboração musical de José Mário Branco, então exilado na capital francesa.

Muitas outras canções, espectáculos e prémios surgiram nos anos posteriores à revolução e, em 1982, os primeiros sintomas da doença que lhe causou a morte, uma esclerose lateral amiotrófica, começaram a manifestar-se.

No último álbum, “Galinhas do Mato”, editado em 1985, Zeca Afonso já não conseguiu cantar todos os temas, sendo substituído por muitos cantores portugueses, como Luís Represas e Janita Salomé.

Dois anos mais tarde, no dia 23 de Fevereiro de 1987, às 03h00, José Afonso morreu, no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal.

Mais de 30 mil pessoas prestaram-lhe homenagem, no dia do funeral, nas ruas de Setúbal e na Escola Secundária Sebastião da Gama, de onde o corpo saiu para o cemitério da Nossa Senhora da Piedade, numa das maiores manifestações de que há memória na cidade.

Fotos: www.google.com

Fonte: www.instituto-camoes.pt

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Vida e Obra:

Saudade e exemplo

Foi há vinte anos

Os primeiros passos do cantor

O professor do diálogo

Símbolo de Abril

Maio Maduro

O aluno inadaptado

Aos olhos dos outros

O desportista sem fôlego

Técnica própria

O inconformado

Associação José Afonso:

Finalmente casa própria

No verso do verso

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Mestre Lima de Freitas

(1927 – 1998)

“Mas o que é exactidão óptica? Apenas uma ilusão dos ingénuos ou dos mal informados. A exactidão, disse-o Almada Negreiros, é inimiga da perfeição. E a perfeição, acrescente-se, é a coerência, alcançada entre a forma e a intenção, entre o sentido e o sinal (...)

Lima de Freitas, In “Lima de Freitas – 50 anos de pintura”

Neo-realismo, surrealismo, realismo fantástico, pós-modernismo. O legado artístico de Lima de Freitas confunde-se com várias correntes, o que impede, por isso, que seja unânime a atribuição de uma terminologia que defina, claramente, o traço do pintor.

O próprio Lima de Freitas sentia relutância em se identificar com qualquer corrente. Contudo, é comum encontrar registos sobre a obra do artista setubalense que a conotam, fundamentalmente na sua última fase, com um surrealismo marcado pelo misticismo e esoterismo.

Representativos do traçado muito próprio, de motivos gnóstico e feérico, são quadros como “O anjo duplo” (1988) e a “A visão de Ezequiel” (1984).

A criatividade de Lima de Freitas esteve sempre aliada ao seu espírito crítico, que o fez, por exemplo, pertencer ao antigo MUD Juvenil (Movimento de Unidade Democrática) e ser preso pela PIDE em 1949.

Partilhou as perspectivas de Júlio Pomar e começou por ser adepto do neo-realismo e da arte de teor social, características bem patentes em imagens como “O louco” (1950), “Estivadores” (1947) e “Cabeça amarrada” (1956).

O misticismo presente nos trabalhos de Lima de Freitas foi-o buscar, em determinado período, ao Oriente, elemento que pode ser admirado no quadro “S. Francisco Xavier na Índia”, patente no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Setúbal.

Detentor de uma técnica ao alcance de poucos, Lima de Freitas foi, também, ilustrador, gravador, publicitário, desenhador e, no campo das letras, tradutor e ensaísta, tendo publicado títulos como “Pintura incómoda” (1965), “Almada e o número” e “Imagens da imagem” (ambos de 1977).

Como pintor, vertente na qual que se estreou em público, com apenas 20 anos de idade, na II Exposição Geral da Academia de Música e Belas Artes da Sociedade Nacional de Belas Artes, teve oportunidade de expor em praticamente todo o País e em nações como Inglaterra, Polónia, França ou Dinamarca.

Nascido em 22 de Junho de 1927, em Setúbal, teve uma vida activa bastante preenchida, salientando-se a criação (em colaboração com o pintor irlandês Patrick Swift) da conhecida cerâmica algarvia de Porches, a ocupação dos cargos de presidente do Conselho Científico da Academia de Música e Belas Artes Luísa Todi, de primeiro director do IADE – Instituto de Arte e Decoração de Lisboa e do Teatro Nacional D. Maria II.

Entre as várias distinções que Lima de Freitas obteve durante a carreira, constam a homenagem pela Câmara Municipal com a Medalha de Honra da Cidade e as condecorações de "chevalier e officier de L’Ordre du Mérite", atribuídas pelo Governo francês. Recebeu ainda o título de comendador da Ordem de Santiago da Espada.

Exímio no retrato, perpetuou com o seu traço figuras como D. Manuel Martins, antigo bispo de Setúbal, Alves Redol ou Fernando Namora.

Pintou igualmente Snu Abecassis, num trabalho que se reveste da curiosidade de ter que refazer, a pedido da fundadora das Publicações Dom Quixote, o fundo original, uma vez que a então companheira de Sá Carneiro se sentiu “desnudada” com a configuração inicial do cenário criado pelo artista.

Lima de Freitas morreu em Lisboa, no dia 5 de Outubro de 1998.

Principais fontes:

- "Setubalenses de Mérito - 120 Biografias", João Francisco Envia

- "Lima de Freitas - 50 anos de pintura", Hugin Editores, 1998

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Américo Ribeiro

(1906 – 1992)

Durante 65 anos, Setúbal posou para a objectiva de Américo Ribeiro, fotógrafo que viu e viveu o Concelho como poucos.

Entre 1927, altura em que, com 21 anos, comprou por 60 escudos a primeira máquina fotográfica, e 1992, ano do seu falecimento, realizou mais de 100 mil instantâneos, adquiridos, quase todos, pela Câmara Municipal.

Carpinteiro e empregado de balcão antes de se dedicar por completo àquela que seria a paixão da sua vida, foi graças ao apoio oferecido pelo proprietário da tabacaria onde trabalhava na época que Américo Ribeiro pôde iniciar a carreira de fotógrafo.

A mudança para repórter-fotográfico deu-se naturalmente, primeiro por intermédio dos jornais O Setubalense e Diário de Notícias, do qual era correspondente já em 1929, a que se seguiram O Século, A Bola, Correio da Manhã, Diário Popular, Diário de Lisboa e Indústria, entre muitos outros.

A íntima ligação com Setúbal, onde nasceu no dia 1 de Janeiro de 1906, reflecte-se através da proximidade com o povo e, por exemplo, com diferentes colectividades locais, como o Grupo Dramático Juvenil de Setúbal e o Orfeão Cetóbriga. Ultrapassou os 50 anos de sócio do Vitória Futebol Clube e foi um dos mais antigos da Sociedade Musical Capricho Setubalense, da qual chegou a ser director.

Momentos da história do Concelho ficaram registados em imagem graças ao olhar de Américo Ribeiro. As visitas de vários presidentes da República Portuguesa e da rainha Isabel de Inglaterra e a queda de um avião britânico em Tróia, durante a II Guerra Mundial, são disso exemplos.

A lente do fotógrafo setubalense chegou, inclusivamente, a captar um jantar de militares alemães, oferecido nas instalações de uma fábrica de conservas pelo proprietário local, simpatizante da ideologia nazi.

A qualidade do seu legado fotográfico foi homenageada, ainda em vida, com a Medalha de Honra da Cidade, na Classe Cultura, entregue em 1985 pela Câmara Municipal, e, em 1991, com a Medalha de Mérito Distrital.

Coleccionador de máquinas fotográficas, realizou várias exposições e teve o seu trabalho patente em países como a antiga República Federal Alemã, França e Inglaterra.

Américo Ribeiro morreu no dia 10 de Julho de 1992.

Fonte:

“Setubalenses de Mérito – 120 fotografias”, João Francisco Envia

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Ana de Castro Osório

(1872 – 1935)

Ana de Castro Osório, escritora e militante pelos direitos das mulheres, nascida em Mangualde, em 18 de Junho de 1872, mas setubalense por opção, morreu em 23 de Março de 1935, deixando vasta obra literária.

Casada com Paulino Oliveira – também escritor e poeta – dedicou-se à literatura para crianças, embora também tenha escrito para adultos vários romances, novelas, comédias e contos.

Alguns destes textos foram traduzidos para castelhano, francês e italiano, enquanto outros estão dispersos por jornais e revistas portugueses e estrangeiros.

“Para Crianças” é o título de uma colecção editada por ela composta por 18 volumes.

Paralelamente, desenvolveu actividade a favor dos direitos das mulheres, colaborando, com Afonso Costa, na elaboração da Lei do Divórcio e editando, em 1905, “As Mulheres Portuguesas”.

Escreveu, também, para a revista “Sociedade Futura” e esteve na criação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e da Cruzada das Mulheres Portuguesas, que tinha por objectivo ajudar os soldados que participaram na I Guerra Mundial, bem como as famílias.

Como reconhecimento, a Liga dos Combatentes da Grande Guerra tem no salão da sede, em Lisboa, um busto dela em bronze.

Militante activa, juntamente com o marido, na luta pela implantação da República, foi presidente da Escola Liberal de Setúbal.

Num tempo em que as mulheres tinham poucos ou nenhuns direitos cívicos, foi a única a participar num Congresso Municipal em Évora, ao qual apresentou uma tese.

Condecorada pela República com a Ordem de Santiago, recusou a distinção. O Estado Novo concedeu-lhe a Ordem de Mérito Agrícola e Industrial.

Fonte:

“Setubalenses de Mérito – 120 fotografias”, João Francisco Envia

Artigos relacionados

Vida e Obra:

Lutadora dos direitos das mulheres

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Olga Moraes Sarmento (ver Comentários neste post)

(1881 – 1948)

O despertar da consciência feminista em Portugal, no virar do século XIX, tem em Olga Moraes Sarmento uma das referências, escritora que conviveu com o meio intelectual da Europa, onde, a par da luta pelos direitos das mulheres, alimentou um “vício”, o de coleccionadora de autógrafos.

Maria Olga de Moraes Sarmento da Silveira, nascida em Setúbal, em 26 de Maio de 1881, viajou muito, realizou conferências, escreveu livros, dirigiu uma publicação de pendor feminista.

Fixou residência em Paris, onde conviveu com o meio intelectual da época, criou relações de amizade com personalidades de relevo do mundo da arte, da música e da literatura e trocou correspondência com individualidades francesas, espanholas e portuguesas, como Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Marx Nordau e Henriette de Joffre. Destes contactos resultou a sua vasta colecção de autógrafos, em bilhetes-postais, cartas, livros e desenhos.

Apreciadora da obra e do pensamento de grandes personalidades, a colecção de autógrafos não se resume à compilação das missivas que lhe foram endereçadas por figuras da sua geração. Inclui também registos de figuras do meio intelectual, artístico, político e aristocrático, especialmente dos séculos XIX e XX. Destacam-se ainda duas cartas de outros períodos históricos: uma do Marquês de Pombal, outra do Rei Luís XIII de França.

Editou o primeiro livro, intitulado 'Problema Feminista', em 1906, a que se seguiram 'A Infanta D. Maria e a Corte Portuguesa', 'A Marquesa de Alorna' (com prefácio de Teófilo Braga), 'Mulheres Ilustres', 'Impressão de Viagem', 'La Patrie Brasilienne', 'Sa Magesté la Reine Amélie de Portugal' e 'Teófilo Braga'. Deste último título ofereceu um exemplar ao Rei da Bélgica, que a recebeu em audiência em 1937.

Ligada ao grupo de intelectuais portuguesas que no início do século XX lutou pelos direitos cívicos, legais e políticos das mulheres, que se encontravam relegadas na sociedade para um plano de inferioridade, Olga Moraes Sarmento dirigiu a publicação 'Sociedade Futura', criada em 1092, sucedendo no cargo à também setubalense Ana de Castro Osório, uma das principais teóricas do feminismo.

Condecorada com a Legião de Honra e com as Ordens de Cristo e de Santiago de Espada, morreu em 1948, sem antes ceder à Câmara Municipal de Setúbal a biblioteca e colecção de arte pessoais, legado que faz parte do acervo do Museu de Setúbal/Convento de Jesus. E, claro, os mais de cem autógrafos que juntou. Parte desta colecção pode ser vista, até dia 10, no Museu Sebastião da Gama.

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Luciano dos Santos

(1911 – 2006)

Parte do espólio artístico de Luciano dos Santos – autor do Tríptico dos Setubalenses Ilustres, patente no Salão Nobre dos Paços do Concelho –, falecido recentemente, encontra-se no estrangeiro, embora, a maioria, na posse do Estado português.

O facto não é, certamente, alheio à bolsa que, em 1951, recebeu do Instituto para a Alta Cultura, que lhe permitiu trabalhar em vários países europeus. Não admira, pois, que haja obras do pintor nas embaixadas portuguesas em Madrid, Moscovo, Berlim, Berna e Londres, tal como na nipónica da capital espanhola.

Nascido sem bafo de fortuna – aos 7 anos entrou para o Orfanato Municipal de Setúbal – Luciano soube ultrapassar alçapões que a vida lhe armou, tornando-se nome ilustre no mundo da arte.

Após a instrução primária, feita no orfanato, e os estudos secundários, também em Setúbal, ingressou na Escola Superior de Belas Artes (ESBAL), em Lisboa, terminando o curso em 1937. Enquanto estudante, beneficiou de bolsas da Câmara de Setúbal e da Junta Geral do Distrito e de uma pensão da ESBAL.

Mesmo antes de concluir o curso, expôs várias vezes. Em certames colectivos e individualmente. A partir daí, torna-se fastidioso referir quando e onde revelou a sua obra, parte significativa mostrada, em Setúbal, nos Paços do Concelho, em 1992, por iniciativa da Câmara Municipal, com a Exposição Retrospectiva de Luciano dos Santos.

Mais conhecido como paisagista e retratista, emprestou, também, talento à arte da cerâmica, de vitrais e da escultura. São exemplos, neste último caso, a imagem de S. João Baptista, patente na Basílica da Estrela, em Lisboa, e os bustos de Bocage e de Luísa Todi, que se encontram em Alcobaça. A medalha, em bronze, de Luísa Todi, afixada na fachada da casa, em Setúbal, onde a cantora lírica nasceu, é, igualmente, da autoria de Luciano dos Santos.

Entre as várias distinções que recebeu, conta-se a Medalha de Honra da Cidade de Setúbal atribuída, em 1985, pela Autarquia.

Luciano dos Santos – nascido em Setúbal, em 25 de Março de 1911 – morreu, aos 95 anos, em 12 de Dezembro de 2006.

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