segunda-feira, 5 de abril de 2010

Victor Nogueira - Um dois, três textos em tempo de Páscoa

Data - dom 04-04-2010 01:48
Para - 'Clube sem estrelas'
Cc -    'Sinal.de.vida.vicnog'
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Abertura – Allegro  ma non troppo

NOTA IMPORTANTE
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Esta não é uma mensagem de SPAM mas sim enviada a alguém que por qualquer motivo conheço na vida real ou na WEB. Se não quiser receber mais mensagens devolva esta com a indicação «Retirar da Lista» na barra de assunto.
Saudações do.
Victor Nogueira

 



 



1 - Carta aberta em tempo de Páscoa



* Victor Nogueira


Assunto:
Carta aberta em tempo de Páscoa
Data:
3/Abr 13:59
Caríssimo
Eu fui trabalhador da Administração Pública e tu ainda és !
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Que eu saiba, fazes parte dum serviço indispensável às populações. Como o pessoal da Saúde, do Ensino, da Segurança Social, da Justiça. Farto estou de «modelares» empresas privadas que nada valem, a começar pela Banca e pelos grandes accionistas e seus capatazes, ou que controlam o processo produtivo a montante e a jusante. Como as grandes superfícies comerciais, que nada produzem!
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A tua juventude não desculpa a irreflexão deste mail.
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Negar aos trabalhadores o direito de se manifestarem por melhores condições de vida e de trabalho ou defender um serviço público de qualidade, só é reaccionário para o patronato. E a cantilena do «pénis rasca» não passa disso! Se todos fossem empresários não haveria trabalhadores e se todos fossem serventes de pedreiro ou mulheres a dias não haveria empreiteiros nem patrões ou patroas!
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Estou-me borrifando que os ricos não paguem mais para usufruírem do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, da Segurança Social, da Justiça … O que exijo é que esses sejam de qualidade, públicos, gratuitos e universais. E que as empresas e os ricos não fujam ao fisco e as empresas não esmifrem os trabalhadores sugando-lhes o tutano, sem pagarem impostos, salários justos, estabilidade de emprego, direito a terem vida social para além da empresa e descontarem para a segurança social.
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As pensões de reforma não são uma esmola, são um direito !
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O que os sucessivos governos PS/PSD/CDS fizeram desde 1976 foi destruir o sector produtivo, colocando o país na completa dependência do exterior, impedindo quaisquer veleidades dum governo de esquerda! Fecham a torneira e acaba a «reforma». Enchem-nos os ouvidos com o deficit, mas não falam do crescente deficit da balança comercial !
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Um abraço

Victor Nogueira
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Obviamente que não repasso o teu mail nem me parece que distribuas este :-)

Basta-me reflectires 
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O Salário da Miséria ...
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Victor Nogueira

 

 

2. - Goios - a Páscoa numa aldeia minhota (1974)


 Na casa de Goios - Na janela eu e o meu tio Zé Barroso

(foto de família)



Victor Nogueira


Aqui na cidade [do Porto] a maioria das freguesias paroquiais já não têm "compasso", isto é, procissão pascal - o pároco leva a cruz às várias residências; por ser uma manifestação inadequada aos dias de hoje. Mas na aldeia [Goios, ao pé de Barcelos] (e não só) ainda as pessoas aguardam a visita pascal - o padre deslocando-se pelas aldeias, cujas casas aguardam a sua visita. Na sala de entrada, bolos secos e vinho. No ar estralejam foguetes ! As pessoas dizem: " O compasso vai na casa de Fulano, daqui a xis horas está aqui!" As horas vão diminuindo e eis que aquela malta irrompe pela sala dentro, o povo ajoelha-se para beijar a cruz, (mais ou menos devotamente), e depois começa a comezaina e a copofonia. Ah! Ah! Ah! Ao fim do dia de certeza que o padre e seus acompanhantes estarão já um tanto ou quanto toldados!

(...) São 16 horas e o meu avô já me chamou ali do lado para me pedir um favor, muito de mansinho: que me ajoelhe e beije os pés da imagem. Se o não fizesse seria um escândalo, que as pessoas reparam em tudo: "Então ele é um ateu ?!" Quem diria, o sobrinho-neto do senhor D. António [de Sousa] Barroso", [que foi] Bispo do Porto (e esteve em S. Salvador do Congo, em Angola) ! Enfim ...

Na varanda coberta e fechada e comprida para onde dão os quartos de dormir a família aguarda o compasso. O primo Adelino tem o gravador aos berros, transmitindo música de ranchos folclóricos. É uma música mexida e movimentada, própria para bailar. Gosto muito mais da música alentejana.

Ali do guarda-fatos e das arcas retirou-se já a roupa domingueira. Estão todos enfiados nas fatiotas, colete, camisa de ver-a-Deus e gravata. Das arcas retiraram-se as cortinas, agora colocadas nas janelas, o soalho lavado, na casa velha cujo solo treme com o peso dos passos. Olho pela janela e a minha vista alcança os campos verdejantes, no meio da pequena e densa mata arborizada. O meu primo, dono da casa, sai descalço do quarto, sapatos e calçadeira na mão. O avô Barroso fala com o António e o resto da malta fala alto atrás de mim, enquanto o tio Zé [Barroso] está ali embrenhado na leitura dum "Précis de Statistique", dizendo‑me que ainda não percebe para que serve a Estatística.

Estralejam foguetes neste entardecer frio, cinzento e nublado. O compasso já está ali a dois passos: Vim agora da ponte que atravessa além o riacho, ao cimo da estrada, junto à pequena escola abandonada e arruinada onde o meu avô estudou.

Trouxeram o televisor lá de baixo da cozinha, onde estivemos no Natal, Estão a transmitir uma tourada do Campo Pequeno [em Lisboa] e toda a gente está entusiasmada, esquecida de meditar na Paixão e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, nesta casa onde há imagens e estampas devotas nas paredes da sala de estar, para além das fotografias do já falecido "Senhor D. António "e do seu secretário e sobrinho, também padre mas que não chegou a bispo.

A dona da casa, minha prima, pede‑me que avise quando o compasso se aproximar. Pego em mim e venho até aqui à janela, assim transformada em posto de vigia. No peitoril continuo o relato dos acontecimentos.

A malta ali na sala e na varanda está entusiasma: "Aquilo é que foi uma pega!".


A sineta toca e o compasso prepara-se para sair da casa do primo Manuel, nosso vizinho. Não, afinal não: acabou foi de entrar e o maralhal pode ainda assistir um pouco à tourada.

A estrada está atapetada de flores, melhor, de pétalas.

Reparo que sou o único barbado das redondezas. Tenho desculpa (terei ?) porque sou da cidade.

A televisão pode mais que o Nosso Senhor!

O compasso veio, as pessoas foram para a sala de entrada. Toca a sineta, que um miúdo traz adiante; uma cruz florida transportada por um homem de opa vermelha é dada a beijar às pessoas - que não se ajoelham - e o jovem seminarista aperta a mão aos presentes, desejando Boas Festas. Segue‑se uma "orgia" de apertos de mão e votos de boas festas. Alguns velhotes detêm‑se a falar com a sra.Elvira, criada do avô Barroso. Este está muito sorridente, apresenta a filha "que é professora em Luanda" e o neto. Não posso deixar de sorrir‑me e enternecer‑me com o ar jovial do avô, enquanto cumprimento "gravemente" as pessoas.

É para aí o 5º compasso em 8 anos e alguns destes homens são "habitués" nestas andanças (Sempre se come e bebe à custa dos outros). Mas ainda o compasso não abandonou a casa e já os meus primos e alguns amigos se precipitam para o televisor, "onde" um forcado é retirado de maca do redondel.
.....................
São 18:20 e ainda estralejam foguetes. O pessoal continua a assistir à tourada. A prima Clementina - mãe das que vimos a conduzir um carro de bois - tem um linguarejar (pronúncia) muito catita. Ali na outra casa [do primo Manuel] só se fala de terras e riqueza! Safa! Fazem parte da "elite" cá do sítio. Mas enquanto que os filhos do José são folgazões e desinibidos, mais que o pai, os do Manuel são muito acanhados.([1])

A senhora Elvira foi visitar uma amiga e ainda não voltou. A tourada já terminou e agora transmite‑se um programa de ginástica. (MCG - 1974.04.16)


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[1] - Em 1975, com a morte do meu avô Barroso e com o meu casamento com a Celeste, perdi o contacto com os primos de Barcelos (Goios e Pedra Furada). Em 1989, sediados no Mindelo no Verão, fui com a minha mãe, o Rui, a Susana e a Joana Princesa a Goios, para (re)vermos os primos. Mas uns tinham morrido, os mais sociáveis, e os outros nem apareceram, deixando-nos a secar na estrada. Como na altura me não lembrava do nome dos da Pedra Furada, não fomos a esta aldeia, onde regressei mais tarde, com a Fáfá das Caldas, mas apenas numa das nossas múltiplas deambulações turísticas por Portugal de lés a lés, amiga, navegadora, auxiliar de fotógrafo e scipt-girl dum Livro de Viagens inacabado do qual restam milhares de fotos e o borrão duma «peregrinação» em livro inacabado, casa vez mais perdido nas brumas do tempo e da memória.
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VN in RETRATOS
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3. - 6ª FEIRA SANTA - Victor Nogueira



6ª FEIRA SANTA


Ah! 15 horas!


Sim, foi há uns dois mil anos


Houve um Deus feito homem


- ou um Homem feito deus -


não sei bem.


A memória dos homens é fraca.





Mas, ... não interessa


Há dois mil anos alguém morreu numa cruz


Vejam lá!


Até disse coisas simples


"Que o vosso falar seja sim, sim,


"Amai-vos uns aos outros!"


"Perdoai as nossas ofensas


"Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido"


Tudo coisas neste género,





Bem, também falou em choro e ranger de dentes


em maus servos,


infiéis,


Lembro-me, bem, lá lembrar não lembro


- ainda não era nascido


pois, lembro-me


NÃO!


Dizem-me que esse alguém disse


para não cortar as ervas daninhas


antes de vir o tempo da ceifa,


não fosse estragar-se a seara.





Foram assim coisas nesse género.


Coisas simples..


Pois só os simples as entendiam.





"Não julgueis para não serdes julgados"


Parece-me ser também de sua autoria.





Não interessa.


Deve ter sofrido muito


-até chorou lágrimas de sangue! -


Vejam lá!


A mesma multidão que lhe cantou hosanas


ululou selváticamente no Calvário


- não confundir com o António.


Não brinco.


Sei quanto pesa a solidão,


a traição dos amigos


o sono dos que dizem acompanhar-nos


Ah! sei! Oh! se sei!


Quão pesados são os risos de escárnio


as galináceas multidões


cacarejando


aos uivos.


E eu não tenho pretensões de morrer


para salvar as meus irmãos


- só dou para alguns.





Dizem que foi há dois mil anos


que os seus frágeis ombros de Homem feito deus


ou Deus feito homem


suportaram o pesado madeiro


feito das nossas lágrimas,


dos nossos desesperos,


das nossas angústias,


das nossas raivas,


das nossas faltas


que não são nossos,


mas do Adão e da Eva.





Morreu sózinho,


abandonado,


numa a cruz


ladeado por dois ladrões


- o bom e o mau,


o Judas e o João


o espírito e a matéria


o homem e a mulher


o lupanar e a igreja


Gabriel e Lúcifer


o bem e o mal ...


Dizem que foi por mim, por nós.





Depois


os homens pegaram na sua solidão


Institucionalizaram-na


(é um termo bonito)


Juntaram-lhe artigos


alíneas,


parágrafos,


ritos


gestos


penumbras,


trindades,


Trentos e Vaticanos.





"Quem não for por mim


é contra mim!"





Organizaram-se cruzadas


Alcácer Quibir


a Inquisição


o Index


os autos de fé


- ah! o fogo purificador -


Vá, em fila


Auschwitz Bergen-Belsen





Está tudo bem escrito


o que deve fazer-se


o que não deve fazer-se


artigo 8º e suas alíneas


É preciso estudar muito


Direito Natural


Doutrina Social da Igreja


Filosofia


Teologia


Teodiceia


Direito Canónico


Internacional Público





Ética


e muita matemática


cálculo infinitesimal


para extrair a média aritmética


da raiz quadrada disto tudo


(parto sem dor)


e planificar bem. a distribuição dos pecadores


e dos bem aventurados,


para que não haja inflação


para que se equilibrem


as curvas da oferta e da procura.








Hoje não se come carne·


nem se ouve música


deve comungar-se ao menos·


uma vez cada ano


Pela Páscoa da Ressurreição


Domingo


Mete-se a moeda


sai a confissão - perdão - absolvição


despache-se


não vê a multidão


enorme


quedesejalavaraalma?


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Escrito no passado milénio, em Évora


O artº 8º era o da Constituição Fascista, que consagrava as liberdades, direitos e garantias e logo de seguida os limitava ou negava.


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Victor Nogueira 





4 comentários:

  1. dom 04-04-2010 12:20

    Caríssimo tu

    Nem te quero falar mais das Índias... Já deves estar farto de tantos textículos no blogue. Mas, cuidado Amigão, que eu vou continuar... Continuo saudoso daquela magnífica terra e das suas gentes. Aquilo é outra loiça...

    Belos textos os teus, como sempre. Na foto não se vêem muito bem as vossas fronhas. Mas, a intenção é excelente.
    Prontos (sem s...) por aqui me fico. Uma Páscoa tão feliz quanto te seja possível. O teu amigo sincero
    Henrique, o Gordo

    Henrique Antunes Ferreira

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  2. dom 04-04-2010 17:24

    Olá.
    Gostei muito da descrição da Páscoa num aldeia minhota (penso que já li sobre isso num dos teus blogues)


    um beijinho

    Gábi

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  3. dom 04-04-2010 18:18

    Olá, Vitor! Muito obrigada pelas imagens. Muito sintomáticas e representativas...
    Podias ter enviado tb uns submarinos...
    Votos de um feliz Domingo ( de Páscoa)
    Um abraço.

    Clara Roque Esteves

    ResponderEliminar
  4. 4/Abr 21:52
    SOPHIE diz:

    gracias por tu comentario victor

    ResponderEliminar

Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)