por Victor Nogueira a Segunda-feira, 31 de Janeiro de 2011 às 10:30
* Victor Nogueira
Ser amigo é colorido presente
Ao darmos nossa mão, sem maldade,
Mantendo a vera luminosidade
Do silêncio ou do verbo assente.
Na tarde calma, serena, luzente,
Ou de noite, dia sem claridade,
É uma dádiva, felicidade,
Esta da vigília ser não dormente.
Amigos têm vária feição:
Dão-nos sua tristeza ou alegria,
Compartilhando bons e maus momentos.
Velho, novo, mulher, homem, bem são;
Na estrada e no dia-a-dia
Nem sempre atentos, prontos, nos tormentos.
.
.
1989.09.03 (3)
[1989.12.22]
Setúbal
Ser amigo ou amante
Terra construída
feita de
portas que se não fecham
janelas que se abrem
rasgadas ao sol
á chuva
ou nas noites do lobisomem
plenilúnio da sereia
a sombra refrescante
brisa no campo sem fronteiras
Presente
a presença
atenta
necessária
livre
resguardada
sem muros nem barreiras
Abril de 1995
Rien que la verité
Eu sou eu
tu és tu
ele é ele
ela é ela
tudo o resto é ilusão e/ou
ingénua boa vontade
Victor Manuel
Que é a verdade?
1971.JAN.26
Évora
Neste jogo de palavras
e de gestos comedidos
Aqui
neste canto da cidade
preso à roda do leme
em sonhos
que sonho em ti
busco o passado que não fui
no futuro que não serei
suspenso do teu andar
Arde-me o sangue nas veias
neste fogo vento suão
murmúrio do teu sorriso
verde brisa na planura
fresca do teu olhar
Setúbal 1985.07.23
No beiral da minha porta
Veloz mal vieste a poisar
E debicando na horta
Tu partiste sem cuidar.
1992.03
SETUBAL
CANÇAO DE RODA
Uma semente
Dentro da semente
Uma seara
Para lá da seara
Uma barca
Uma rapariga
Para lá da rapariga
Uma floresta
Em torno da floresta
O sol e o mar
Um homem
Dentro do homem
Uma criança
Para lá da criança
uma aguia
Uma leoa
Dentro da leoa
Uma águia
Para lá da águia
Uma sereia ao luar de Agosto
Uma semente
Para lá da semente
Uma rapariga
Em torno da rapariga
O sol e o mar
Um homem
Dentro do homem
Uma leoa
Para lá da leoa
Uma barca aparelhada
19.11·94
SETUBAL
CALENDÁRIO
Uma cidade
No meio da cidade
Uma rua
No cimo da rua
Uma casa
Dentro da casa
Uma flor
Em torno da flor
Um jardim
Perfeito um amor
girassol
malmequer
muito
pouco
nada
Uma pétala
No meio da pétala
Um sorriso
Em torno do sorriso
Uma lágrima
Dentro da lágrima
Uma saudade
água e
cloreto de sódio
Uma palavra
No meio da palavra
Uma luz
Para lá da luz
Uma sombra
No meio da sombra
Um deserto
Uma cisterna de pedra e
areia
Muitas palavras
No meio das palavras
Uma alvorada alvoreada na planície
Para lá da planície uma árvore
Em torno da árvore
Uma rosa verde papoila.
1989.Novembro.03 - Setúbal
Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
Mas os livros não se sentam á nossa beira,
nem tem olhos, nem sorriem
nem nos abraçam,
nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
Nada podemos dar aos livros
senão as letras dos nossos pensamento ou
um pouco de nós
para que chegue aos outros.
Os livros têm os olhos que nós temos.
E os seus lábios são os nossos lábios.
Porque se os livros tivessem olhos
e lábios e mãos e dedos
seriam talvez pessoas
mas nunca livros.
Évora
1969.Março.19
SEM A VENTURA
Tu foste a esperança
em que mergulharam meus dias sequiosos
Esperança feita de pequenos nadas
Um sorriso
Uma palavra amiga
Um gesto de alegria!
Mil pássaros nasceram nos teus lábios!
Mas hoje
hoje
escuto nas tuas mãos
o silêncio dos campos destruídos
enquanto um navio sulca
lento
um deserto de flores esmaecidas!
1988.01.04
Setúbal
Sorriste e
na tua voz
os pássaros vieram de longe
pensando que era madrugada!
1992.03.10
Setúbal
Rio canto e choro
e todos os dias respiro o ar que me rodeia
com a limitação dos grandes sonhos
imaginações feitas de nada
Sustenho os gestos e as palavras
ou deixo que elas nasçam
rodeados de mil cautelas
sem o desassombro da aventura e do risco plenos
Resguardo os gestos e
lanço as palavras ao vento
para que um novo dia surja
no horizonte
mas na orla das ondas vem a ressaca
de estar aqui
de olhos secos
silencioso
como a esfinge no deserto
Rasgo o peito e as palavras
e nem uma gota de sangue cai
dentro de mim
Abro o riso e as mãos
as aves passam de longe e
os rios correm
silenciosamente para o mar
As vozes dos marinheiros passam no horizonte
enquanto sonho e luto e te procuro
mergulhado na multidão que está e permanece
para além de mim
.
.
FIM 1989
LOL. Isto do inFaceLook ou inFaceLock é um vazio de zapinggs e "amizades" ou entusiasmos na maioria como fogos fátuos, estralejantes e tudo muito light e pela rama como a efémera espuma dos dias !
Ser amigo é colorido presente
Ao darmos nossa mão, sem maldade,
Mantendo a vera luminosidade
Do silêncio ou do verbo assente.
Na tarde calma, serena, luzente,
Ou de noite, dia sem claridade,
É uma dádiva, felicidade,
Esta da vigília ser não dormente.
Amigos têm vária feição:
Dão-nos sua tristeza ou alegria,
Compartilhando bons e maus momentos.
Velho, novo, mulher, homem, bem são;
Na estrada e no dia-a-dia
Nem sempre atentos, prontos, nos tormentos.
.
.
1989.09.03 (3)
[1989.12.22]
Setúbal
Ser amigo ou amante
Terra construída
feita de
portas que se não fecham
janelas que se abrem
rasgadas ao sol
á chuva
ou nas noites do lobisomem
plenilúnio da sereia
a sombra refrescante
brisa no campo sem fronteiras
Presente
a presença
atenta
necessária
livre
resguardada
sem muros nem barreiras
Abril de 1995
Rien que la verité
Eu sou eu
tu és tu
ele é ele
ela é ela
tudo o resto é ilusão e/ou
ingénua boa vontade
Victor Manuel
Que é a verdade?
1971.JAN.26
Évora
Neste jogo de palavras
e de gestos comedidos
Aqui
neste canto da cidade
preso à roda do leme
em sonhos
que sonho em ti
busco o passado que não fui
no futuro que não serei
suspenso do teu andar
Arde-me o sangue nas veias
neste fogo vento suão
murmúrio do teu sorriso
verde brisa na planura
fresca do teu olhar
Setúbal 1985.07.23
No beiral da minha porta
Veloz mal vieste a poisar
E debicando na horta
Tu partiste sem cuidar.
1992.03
SETUBAL
CANÇAO DE RODA
Uma semente
Dentro da semente
Uma seara
Para lá da seara
Uma barca
Uma rapariga
Para lá da rapariga
Uma floresta
Em torno da floresta
O sol e o mar
Um homem
Dentro do homem
Uma criança
Para lá da criança
uma aguia
Uma leoa
Dentro da leoa
Uma águia
Para lá da águia
Uma sereia ao luar de Agosto
Uma semente
Para lá da semente
Uma rapariga
Em torno da rapariga
O sol e o mar
Um homem
Dentro do homem
Uma leoa
Para lá da leoa
Uma barca aparelhada
19.11·94
SETUBAL
CALENDÁRIO
Uma cidade
No meio da cidade
Uma rua
No cimo da rua
Uma casa
Dentro da casa
Uma flor
Em torno da flor
Um jardim
Perfeito um amor
girassol
malmequer
muito
pouco
nada
Uma pétala
No meio da pétala
Um sorriso
Em torno do sorriso
Uma lágrima
Dentro da lágrima
Uma saudade
água e
cloreto de sódio
Uma palavra
No meio da palavra
Uma luz
Para lá da luz
Uma sombra
No meio da sombra
Um deserto
Uma cisterna de pedra e
areia
Muitas palavras
No meio das palavras
Uma alvorada alvoreada na planície
Para lá da planície uma árvore
Em torno da árvore
Uma rosa verde papoila.
1989.Novembro.03 - Setúbal
Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
Mas os livros não se sentam á nossa beira,
nem tem olhos, nem sorriem
nem nos abraçam,
nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
Nada podemos dar aos livros
senão as letras dos nossos pensamento ou
um pouco de nós
para que chegue aos outros.
Os livros têm os olhos que nós temos.
E os seus lábios são os nossos lábios.
Porque se os livros tivessem olhos
e lábios e mãos e dedos
seriam talvez pessoas
mas nunca livros.
Évora
1969.Março.19
SEM A VENTURA
Tu foste a esperança
em que mergulharam meus dias sequiosos
Esperança feita de pequenos nadas
Um sorriso
Uma palavra amiga
Um gesto de alegria!
Mil pássaros nasceram nos teus lábios!
Mas hoje
hoje
escuto nas tuas mãos
o silêncio dos campos destruídos
enquanto um navio sulca
lento
um deserto de flores esmaecidas!
1988.01.04
Setúbal
Sorriste e
na tua voz
os pássaros vieram de longe
pensando que era madrugada!
1992.03.10
Setúbal
Rio canto e choro
e todos os dias respiro o ar que me rodeia
com a limitação dos grandes sonhos
imaginações feitas de nada
Sustenho os gestos e as palavras
ou deixo que elas nasçam
rodeados de mil cautelas
sem o desassombro da aventura e do risco plenos
Resguardo os gestos e
lanço as palavras ao vento
para que um novo dia surja
no horizonte
mas na orla das ondas vem a ressaca
de estar aqui
de olhos secos
silencioso
como a esfinge no deserto
Rasgo o peito e as palavras
e nem uma gota de sangue cai
dentro de mim
Abro o riso e as mãos
as aves passam de longe e
os rios correm
silenciosamente para o mar
As vozes dos marinheiros passam no horizonte
enquanto sonho e luto e te procuro
mergulhado na multidão que está e permanece
para além de mim
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FIM 1989
7. E João Bimbelo caminhava pelos caminhos da vida em busca de coisa nenhuma. Pensava nela por vezes com uma grande ternura e acordava no silêncio da madrugada com um desejo sufocante do ouvir o seu sorriso, ver a sua voz, sentir a carícia do seu corpo de mulher apetecida. Mas os seus dedos e os seus lábios não a encontravam e a madrugada era um poço sem fundo e o tempo cada vez mais curto. .
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Nas suas longas caminhadas João por vezes entrevia uma janela aberta, uma porta mal fechada, uma luz para além da curva da estrada. E o coração de João vestia-se com os melhores fatos e o seu andar tornava-se leve e fresco e as palavras eram um rio a cantar. Mas era tudo uma ilusão, porque a imaginação dos homens não tem limites e os gestos e as palavras ora são límpidos como cristal translúcido, ora um cristal multifacetado, ora um espelho baço de mil imagens e sons, mesmo se adornado com as cores do arco íris.
.E João procurava Aquela Cujo Nome Se Não Desvenda, volúvel como o vento, contrastante como o dia é da noite sem luar, e perante o seu silêncio e as suas fugas em redondel, ficava João sem norte como navio no mar alto em dia de tempestade, como frágil pardal de asas cortadas sem nada de águia altaneira, como cana agitada pela mais leve brisa sem a solidez do roble centenário. Estados de alma que se não perdoam a guerreiros vestidos com suas armaduras que nunca devem despir, mesmo se cansados da guerra, mesmo quando perdidos ou cavalgando no meio das quentes areias do deserto (porque os cavaleiros não andam pelos gelados desertos polares).
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E João procurava de novo pôr a máscara, erguer as muralhas, tapar as fendas e os interstícios nela abertos por onde entravam em golfadas crescentes a fragilidade, o desamparo e a tristeza que afogam o coração mesmo dos mais fortes se não mudarem de rumo em busca de portos e marés onde os dias sejam tudo menos uma noite cinzenta, fria, triste e sem esperança.
E DE REPENTE É COMO SE TODAS AS ESTRELAS SE APAGASSEM
De repente é como se todas as estrelas se apagassem ficando o cansaço e a velha vontade, por vezes renascida, de partir para longe, de apagar tudo, como se fosse possível recomeçar tudo de novo, rasgando o que escrevera, lixo para lançar aos quatro ventos, porque não ria, nem chorava, nem tinha uma pedra no lugar do sentir pelo qual se deixara envolver.
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Estava assim porque o tinha considerado seu igual e confiara nele e com ele procurara falar sem reservas. Parecia contudo evidente que ele jogava à defesa e que as palavras seriam para ele fogo de artificio e manobra de diversão por detrás das quais se escondia e protegia. Assim o julgava, apesar de poder considerar-se má leitora dos factos e dos gestos, como outrora o fora de outras pessoas, nuns casos porque se ficara pelas palavras, noutros, como no presente, por ter procurado "ler” para além delas.
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Talvez a considerassem presumida porque em determinada altura do seu relacionamento não acreditara em tudo o que ele lhe dizia, relativamente a ela própria e aos sentimentos que afirmava nutrir por ela: seria uma presunção diferente da que ele tinha, porque ela perante ele se descobrira, talvez cedo e desajeitadamente demais, talvez porque tivesse lido nele aquilo que desejara ler. E assim, conhecendo-lhe os sentimentos dela, seria levado a pensar que lhe bastaria dizer quem era para que ela largasse o trabalho ou interrompesse a reunião para atendê-lo ao telefone, fosse do emprego, fosse da casa onde morava. Era simultaneamente verdade e mentira afirmar que pouco ou nada lhe interessava saber se ele estivera, estava ou algum dia poderia vir a estar "enamorado” por ela. Era de presumir que fosse adulto, crescido, responsável; então porque não haveria de acreditar no que ele lhe dizia e deixar-se de "poesias" e de imaginações!?
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Recordava-o por vezes com uma grande ternura mesclada de inquietação e desassossego. Lembrava-se das primeiras vezes em que o vira, quando procurava conhecê-lo, e de como se encantara por ele. Recordava-se das vezes em que pretendera envolvê-lo numa longa e doce caricia ou o desejara como um homem pode ser desejado por uma mulher. Como esquecer a rede em que se deixara enlear, que ele muitas vezes parecera também tecer e outras rompera? Recordava o seu jeito gaiato, sorridente e brincalhão, sem esquecer os desencontros e as vezes em que ele disparatara ou faltara sem dizer água vai, apesar da importância que ela, parvamente, dera à sua presença e companhia.
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Ele dizia-se amante da liberdade e no entanto não poucas vezes desrespeitara a dela, deixando-a a falar sozinha, com a refeição fria ou o fim de semana “estragado". Ele dissera preocupar-se com o efeito que os seus actos e as suas palavras poderiam provocar nos outros, por recear e não querer magoá‑los, mas não poucas vezes a magoara, sem que ela soubesse verdadeiramente distinguir quando falava a sério ou na brincadeira ou se estava apenas desatento por feitio ou preocupação. Não podia esquecer-se das vezes em que ele lhe entrara pela casa dentro, enchendo o ar de poalha dourada e refrescante, libertando a sua fragilidade, como ave inquieta na brisa que ela era.
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Recordava-se disso e de muitas coisas e palavras, que gostaria tivessem (o)corrido ou acontecido de outro modo. E lembrava-se de algumas cartas, poucas, duas ou três, que lhe escrevera, arrumadas no fundo duma qualquer gaveta, porque resolvera deixar sedimentar as palavras, que deste modo, com o decorrer do tempo, haviam perdido o sentido e a oportunidade. Pensava ser natural que os homens e as mulheres procurassem uns nos outros amizade, ternura e carinho, considerava natural que os homens e as mulheres se sentissem mutuamente atraídos por serem de sexos diferentes ou que, se fosse caso disso, pudessem ir para a cama um com o outro, dum modo saudável, sem táximetro e tabela de preços consoante o serviço.
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Mas nem sempre acontecia o que deveria ser natural, não poucas vezes porque muitas e variadas razões levam a renegar, condicionar, proibir e "regulamentar" a sexualidade e as suas manifestações duma forma que nada tinha a ver com a expressão saudável da vida.
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E fora como uma expressão de vida e um cântico de alegria que ela o considerara, de forma aberta. No entanto e talvez demasiado cedo partira, quando em vão por ele esperara, para logo de seguida considerar o amor um bem que suaviza, quando alguém afaga a nossa vida, o que lhe dissera inopinadamente.
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Há na vida um tempo e uma ocasião para tudo e para cada coisa, segundo expressava um belo poema judaico, e por isso talvez as palavras e os sentimentos dela tivessem sido expressos demasiado cedo.
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Entendia ser natural que o desejasse como natural seria que outros homens a desejassem, mas não ele, que até era um homem que sabia "provocar" as mulheres, que a "provocara" não poucas vezes, embora dum modo que na altura lhe parecera "natural", sem maldade.
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Contudo, o passar dos dias e os "desentendimentos” pelo que talvez fosse ou tivesse sido por ambos desejado fazia com que ela pensasse já não ser natural que ele "provocasse" e amesquinhasse (consciente e deliberadamente ou não) quem "provocara" (por ela não o entender), apenas porque teria tido com a mulher com quem vivera experiências, isto é, vivências, humilhantes ou perversas, gerando situações que ambos não haviam conseguido ultrapassar (supondo que ele desejaria ultrapassá-las), por preconceito ou falta de simplicidade ou por utilizarem gestos e códigos diferentes. Situações que não haviam logrado superar em busca da amizade, do amor, da ternura, do prazer, da paz ...
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É um facto que fora por ele seduzida e que, ao considerá-lo seu igual, procurara sobretudo a sua amizade. Mas tendo ambos códigos e chaves de leitura diferentes, só veramente poderiam saber quem eram através da convivência, para descobrir o que estava para lá das categorias redutoras que (des)ajudavam ao entendimento das pessoas. Porque ele falava nas mulheres dum modo simplista, cómodo, mas irreal (são todas iguais, logo são todas tratadas da mesma maneira); outros falariam nos homens (são todos iguais, andam todos ao mesmo, logo devem ser todos tratados da mesma maneira).
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E no entanto, por temperamento, vivência e "leitura", ela sabia que há homens e mulheres, com características comuns, é certo, mas que para além disso cada pessoa tem as suas características próprias, especificas, da sua cultura e classe social; para lá das "cómodas” categorias e definições redutoras ela procurava o que existe de próprio, de pessoal, fosse no Zacarias ou na Carlota, fosse na Maria ou no Manel, independentemente de se não empenhar em "convencer” as pessoas, o que por vezes em nada facilitava a sua relação com outrem.
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Falava com as gentes, é certo, mas não como apóstolo; buscava aquelas com as quais se identificava, afastava-se das que nada tinham em comum com ela naquilo que reputava essencial, aceitava e tolerava as outras.
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Sendo assim, é natural que tenha pensado e lhe tenha dito "gosto deste homem, gosto dos filhos dele, postaria de com ele viver e compartilhar o dia-a-dia". É natural que ele lhe respondesse ter outros objectivos prioritários na vida e que ela estava à margem deles, apesar dela o considerar seu igual e procurar respeitar a sua liberdade. Admitia contudo que algumas vezes os seus gestos e atitudes para com ele pudessem parecer desmenti-la, apesar de serem também condicionados pelos gestos e atitudes dele. Admitia pois que ele quisesse provar que sozinho poderia triunfar, sem a solidariedade dos outros, e que ela o desejava "controlar", a ele que estava farto de prisões, pressões e bofetões; por isso talvez tivesse sido erradamente levado a pensar para consigo mesmo que o paleio é sempre igual e que no princípio são tudo rosas e arco-íris, para lá dos quais surgem os espinhos e as tempestades e os ventos ciclónicos.
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Tudo bem, continuaria ela a pensar, ninguém a mandara ser apressada, sem dar tempo ao tempo, embora depois os erros se possam a vir a pagar raro, face à brevidade da vida e à impaciência dos mortais. É natural que os sonhos" não sejam os mesmos para todos, é "natural" que para algumas pessoas fique a nostalgia dos sonhos que se sonharam mas não viveram ou falharam. Afinal os sonhos nem sempre são pesadelos e por isso podem também ser a expressão dos anseios com vista à concretização, talvez por vezes dum modo errado e desajustado, dos desejos de uma vida diferente, melhor, mais cheia e saborosa.
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Como a que ela pensara encontrar nele e retribuir-lhe!
Setúbal 1990.03.19/20
(Victor Nogueira, sobre uma epístola de S. Sebastião aos gentios, em 4 de Outubro de 1989, a D.)