terça-feira, 3 de setembro de 2013

entre eros e afrodite 08 - (recortes sem emoção - fragmentos)

3 de Setembro de 2013 às 12:52
* Victor Nogueira

reelaboração duma extensa epístola prosaica, escrita em papel, em sobrescrito com selo de correio e marca postal, a uma certa Maria do Mar, ao longo de vários dias, entre setúbal e paço de arcos, no outroramente do passado milénio, e não no agoramente de hoje.

RECORTES SEM EMOÇÃO                         

Para alem desta janela
o sol já desapareceu e dele
persiste apenas no horizonte
debruando as colinas
uma faixa vermelho alaranjado.

[…]

E de repente chove a cântaros
neste fim de dia cinzento e triste
apesar da cozinha cheia de luz
           do encanto dos gira-sóis colhidos
                            na berma da auto-estrada
que iluminam a nudez e ascetismo desta casa.
Chove silenciosamente a cântaros e
tenho saudades do casarão de Évora
das salas enormes e desniveladas
onde ouvia a chuva bater no telhado ou
                              marcar a vidraça
encanto vedado nesta torre de betão armado

[…]

 Levantei-me para acender a luz
 já necessária neste fim de dia
                    neste crepúsculo
 que o meu ânimo melancoliza.

[…]

Olho novamente pela janela e
o céu agora é azul-escuro
com um leve debrum alaranjado no horizonte
Piscando um avião passa além
enquanto lá em baixo
fieiras de luzes assinalam
as estradas as casas os automóveis
no caminho para Porto Salvo.

E dirás ao ler o que registo
                      rapidamente
                      no papel
"Que bem escreve o meu amigo" ou
"que bonitas coisas ele diz”
E deste modo me dirás que telefone
- se eu telefonar -
que gostaste de receber os meus escritos
que os guardarás não sei onde
para leres guando fores velhinha.

O tempo cheio de sol
continua frio e cinzento.

***   ***    ***   ***   ***   ***

  Um dia deixarei de escrever-te
  telefonar-te ou procurar-te
  e toda esta conversa não passará de imaginação
  porque não estás aqui
  com o teu jeito gentil
         o teu sorriso afectuoso ou
                              levemente trocista.

[...]

  Da nossa amizade pouco resta já
  senão alguns presentes
            a memória
  cada vez mais sepulta na bruma dos tempos
          e algumas cartas e poemas
  - alguns bonitos -
  cantares no fundo de um qualquer baú
  até que o lixo os leve.
  Deste modo vou seguindo
  ao longo dos caminhos

[...]

***   ***   ***   ***   ***   ***   ***

  No cimo da colina
  a esfinge pergunta aos caminheiros
  qual é  mais  forte
             se a frágil cana que resiste ao vento ciclónico
             e os (des) humanos dedos partem
             ou o centenário roble
             pelo  raio fendido em noite tempestuosa!
  E cheio de claridade ou
             de silêncio e sombras
  o viandante procurará a resposta
  pondo as palavras umas atrás das outras
                              alinhadas ou desalinhadas
  tecendo a manta que reflecte
               no seu desenho
  o pensamento donde nascem
  as histórias da Vida
  entrelaçadas nas vidas da História:
  E com palavras e fábulas a esfinge e o caminhante
  vão tecendo a rede para apanhar o pensamento
        unindo os fios da meada
        dando o nó para tentar que estes não escapem
  quando flutuam na memória
  saltando de história em história
                em busca do entendimento.

***    ***   ***    ***   ***    ***   ***

Estive nas tuas mãos
como se fora uma frágil cana
agitada ou batida pela brisa
neste silêncio da madrugada
tão diverso da serenidade do entardecer
É a madrugada aquele tempo
em que constelado de estrelas está o céu
          ou nimbado de luar
trazendo em si a claridade do azul
             celeste ou cinzento
que esconde o sol
conforme haja
                      nuvens ou não.

Estive nas tuas mãos
         pássaro de asas cortadas
                     em voo de pardal.
Para a formiga é o pardal
                           um gigante
que saltitante debica além e aqui
sem as culminâncias da águia.
E assim entendem de modo diverso
             a esfinge e o caminhante
             conforme se fiquem pelo voo rasteiro do pardal ou
                                            planem nas alturas da águia.

Mas
viageiro sem resposta
deixo cair este envolvente e pesado cansaço
                com o coração magoado de verdade
                       o pudor de falar disto
                com este desalento que me invade e cerca
pela frustração das erradas leituras
                        das noites mal dormidas
pelos dias sem sentido
pela tua ausência
pelo meu trabalho
  estiolantes
E deste modo abandono a teia tecida
                      fecho a porta atrás de mim
e vou              na “bicicleta de recados"
em busca de outro viver
com mágoa daquilo que (não) foi e se perdeu.

***   ***   ***   ***   ***    ***   ***   ***

O novelo de emoções está
menos envolvente
lanço as fábulas ao vento
para que sobre elas recaia o reflexo do
entendimento
e de novo recolho as palavras
para que nelas se busque um novo sentido
Porque amanhã
            amanhã
            é sempre um novo dia
com flores do mar ou do campo
á nossa espera
neste fluir constante da vida
ardente ou em fogo brando
onde cada instante.é
irremediavelmente
diferente do anterior
E deste modo retomo a viagem
                     sem nenhum gesto
partindo
simplesmente
neste rasto de palavras multifacetadas
                  de signos díspares.

***   ***   ***    ***   ***    ***    ***

Para lá desta janela
            a serra de Sintra
            iluminada no dia que passou
Lá em baixo
     à direita
     a estrada para Porto Salvo
polvilhada de casario
cada vez mais
substituindo os campos agrícolas
agora secos.



1989.Março.07 - Setúbal / Paço de Arcos

vem de
https://www.facebook.com/notes/victor-nogueira/entre-eros-e-afrodite-07-os-sons-do-sil%C3%AAncio/10151634732234436


Foto Victor Nogueira
Foto Victor Nogueira


foto Victor Nogueira, no casarão de évora, a dois passos da praça do giraldo  - os nossos amigos admiravam-se de como a susana não caía ao subir e descer, a grande velocidade e com desembaraço, a princípio de gatas, todos os degraus, entre a cozinha e a sala de estar, entre esta e a sala e o quarto dos pais, entre este piso e o quarto dela e da avó Mariazinha.  NA FOTO - as escadas que  ligavam a sala de estar ao piso da sala e do quarto dos pais
foto Victor Nogueira, no casarão de évora, a dois passos da praça do giraldo - os nossos amigos admiravam-se de como a susana não caía ao subir e descer, a grande velocidade e com desembaraço, a princípio de gatas, todos os degraus, entre a cozinha e a sala de estar, entre esta e a sala e o quarto dos pais, entre este piso e o quarto dela e da avó Mariazinha. NA FOTO - as escadas que ligavam a sala de estar ao piso da sala e do quarto dos pais

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)