* Victor Nogueira
Chegou finalmente o verão, envolto em chuvas e, numa noite destas, súbitos relâmpagos iluminavam para lá da janela como se dia fosse, raios silenciosos de início, cada vez mais atroantes à medida que a a tempestade se aproximava com a chuva em catadupas. Está pois abafado e electrizante o tempo, as núvens de flocos brancos em céu azul alternando com as de cinza em várias tonalidades. A visita foi ao jardim do Palácio dos Arcos, que teria dado o nome à vila, agora aberto ao público.
Aguarela com uma representação do Paço dos Arcos em tempos antigos. Publicada no blogue Portugal, sem indicação de autor, data ou proveniência. - http://portugalidade.blogspot.pt/2009/11/o-paco-dos-arcos-mais-de-meio-milenio.html
O Paço foi construído no século XV e reedificado no XVIII, na sequência do terramoto de 1755. Do conjunto original, o actual edifício mantém os dois torreões ligados por uma grande varanda, apoiada em três grandes arcos.Conserva também a capela, com um magnífico altar barroco, dedicado a Nossa Senhora do Rosário. Dizem as crónicas que D. Manuel I ter-se-ia hospedado várias vezes no Palácio, quer para participar em caçadas na quinta do morgadio, quer para assistir à partida das caravelas para a índia. Também D. Fernando II, D. Luís e a Rainha D. Maria Pia nele teriam permanecido várias vezes. Citando o blog Portugal (1) «a Quinta de Paço de Arcos terá sido uma das mais frondosas e magnificentes da zona ribeirinha de Lisboa, nela tendo caçado ou veraneado vasto número de governantes e figuras ilustres da aristocracia lisboeta. »
Na 1ª foto uma vista aérea do que sobreviveu dos jardins e da Quinta do Palácio após a construção da estrada marginal do Estoril, a sul, e da linha férrea, a norte, para onde se expandiu a vila, encosta acima, primeiro em vivendas, ladeando a Avenida Conde das Alcáçovas, e em casas de rendimento nas laterais, até à avenida do Conde S. Januário (juntando-se ao núcleo da Fonte de Maio, antiga zona agrícola bordejando a ribeira de Porto Salvo),ou na urbanização de J. Pimenta numa fase posterior . Na 2ª foto verifica-se a destruição da zona norte da propriedade, junto à linha férrea, para a construção dos edifícios dos quartos e piscina
Para além do jardim, com árvores centenárias, a propriedade possuía uma quinta e terrenos de caça, desmantelados há muito pelo crescimento urbano. O palácio, seu recheio (2) e jardim anexo foram doados pelo seu proprietário ao Município de Oeiras, com a condição de nele se instalar uma Casa-Museu e do seu jardim ser fruído pela população. Na posse da propriedade desde 1997 e com o argumento dos elevados fundos necessários para travar a degradação do edifício e sua recuperação, a Câmara entregou as obras de restauro a um grupo hoteleiro que em 2013/2014 nele instalou uma unidade de charme, com construções de raiz anexas que sacrificaram cerca de metade da área verde primitiva, sem que se construísse o museu pretendido pelo Conde de Arronchella e de Castelo de Paiva, José Martinho de Arrochela Pinto de Lencastre Ferrão. Para quem estiver interessado neste “caso” de "sedução", sugiro um artigo sobre o assunto intitulado “Palácio dos Arcos: que futuro?”, onde se questionam as opções e soluções adoptadas. (3) Na foto a seguir, os resultados da intervenção de charme, com diárias de 200 €. Como se vê a "operação" de restauro e recuperação nada tem a ver com a envolvente nem com os desejos manifestados pelo proprietário ao fazer a doação. Aliás, o que a cadeia hoteleira valoriza na publicidade é o facto da unidade estar a 15 minutos por comboio quer para Cascais quer para Lisboa, embora no pátio estacionem automóveis de alta cilindrada.
Foto Victor Nogueira - Palácio dos Arcos - os quartos
Foto Victor Nogueira - Páteo do Palácio, vendo-se em 1º plano a galeria "moderna" que une a zona dos quartos ao Paço
No que resta do frondoso jardim, parcialmente destruído, persistem árvores majestosas, mesas com cadeiras e uma deslumbrante vista para o rio coalhado de embarcações de recreio. A diáfana neblina destas tardes de verão não permite visualizar para montante a leveza da ponte 25 de Abril, distinguindo-se apenas um borrão impreciso, que é o Cristo-Rei. A “poesia” inspira os grupos escultóricos, de que se destaca a “mesa dos poetas”, onde estão representados cerca de duas dezenas de poetas e poetisas contemporâneos, incluindo os que estão espalhados pela redondeza, como por ex. Sebastião da Gama, Ary dos Santos, António Aleixo, Herberto Helder, Manuel Alegre e António Gedeão ou Irene Lisboa e Fernanda de Castro . A presença da poesia é atestada pelos poemas transcritos nas paredes dos corredores e pelo nome de poetas com que foram “baptizados” os 76 quartos da unidade hoteleira. Contudo o jardim apenas está cuidado junto ao palácio, mais parecendo quase matagal na zona oriental.
Não visitei nem o Palácio, nem a Capela, onde nos anos 60 do século passado assistia à missa com a minha tia-avó, em alternativa à vizinha Ermida do Senhor Jesus dos Navegantes, entre as Travessas da Ermida e a do Conde das Alcáçovas. Encerrada ao culto após a construção da nova igreja, a capela abre as portas anualmente, por altura das festas de verão, para ver sair a procissão em honra do Senhor Jesus dos Navegantes, o seu patrono.
Do interior da capela do Palácio nada me recordo, embora seja referido o valioso trabalho em talha dourada proveniente dum convento lisboeta, no séc. XIX. Sobre o Palácio encontra aqui vasta informação (4)
No início da Travessa Conde das Alcáçovas encontra-se um chafariz do séc XIX, recentemente reconstruído, incluindo os bancos onde se sentava para conversa quem na espera estivesse, para encher as bilhas. Fronteiro ao Palácio, a Casa da Dízima, actualmente restaurante, que remonta ao século XV e mantém a traça original. Era aqui que se cobrava a dízima, um imposto no valor de 10% do valor carregado ou descarregado das mercadorias e pescado. que revertia para o Rei.
Salvo indicação em contrário as fotos são de minha autoria e datam de 2014.Junho
NOTAS
vem de entre eros e afrodite 20 - cartas a Penélope 06
continua em entre eros e afrodite 20 - cartas a Penélope 08
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1975
Foto Victor Nogueira - trav da ermida 1975
Foto Victor Nogueira - trav conde das alcáçovas 1975
Foto Victor Nogueira - jardim e palácio 1975
Foto Victor Nogueira - Paço de Arcos (núcleo primitiovo) - 1975
2014
Foto Victor Nogueira - trav da ermida 2014
Foto Victor Nogueira - chafariz (sec. XIX) e trav conde das alcáçovas 2014
Foto Victor Nogueira - entrada para o palácio (hotel) e jardins
Foto Victor Nogueira - entrada para o palácio (hotel) e jardins
Foto Victor Nogueira - páteo na entrada para o palácio (hotel) e jardins
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio - escultura de Herberto Helder
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio - conjunto escultórico "A mesa dos poetas"
(pormenor)
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio - conjunto escultórico "A mesa dos poetas" (pormenor)
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio - vista do rio tejo
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio - vista do rio tejo
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio - conjunto escultórico
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio - zona oriental
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
jardins do Palácio - conjunto escultórico "A mesa dos poetas" (pormenor)
Foto Victor Nogueira - jardins do Palácio -
Foto Victor Nogueira - Palácio dos Arcos
Foto Victor Nogueira - Palácio dos Arcos
Foto Victor Nogueira - Palácio dos Arcos (reflexo)
Foto Victor Nogueira - Palácio dos Arcos -
Foto Victor Nogueira - Palácio dos Arcos - Capela
Foto Victor Nogueira - Palácio dos Arcos - capela (pormenor)
Foto Victor Nogueira - Casa da Dízima
Foto Victor Nogueira - gato em abluções na travessa da ermida
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