NOTA PRÉVIA - Durante todo o tempo de estudante universitário trabalhei sempre, mas graciosamente, no movimento associativo estudantil, quer como dirigente, quer como simples colaborador.E como agente de censos e inquéritos remunerado fiz ocasionalmente parte de equipas de vários organismos estatais (1). E no tempo da outra senhora recusei um emprego que em évoraburgomedieval me ofereceu um deputado pela Acção Nacional Popular à Assembleia Nacional, que, por isso e por ser meu professor, me colocou na sua lista negra. Terminados os estudos em Évora, debalde procurei trabalho.
Terminado o curso tive duas ofertas para a ONU, que recusei, pois uma implicava que me inscrevesse previamente num determinado partido político e outra que passasse os três anos iniciais na Guiné Bissau, com um clima excessivamente húmido e quente, que eu detestava. Tantos anos decorridos, hoje penso que deveria ter aceite esta última oferta.
Um breve regresso a Económicas
Está um dia de calor abafado. Desconhecendo ainda o que a casa gasta, saí de manhã com o guarda‑chuva na mão e o casaco debaixo do braço. O que vale é que Lisboa é grande e a minha parvoíce passa desapercebida. Estive em Económicas com a Manuela Silva, sobre a possibilidade de participação no corpo docente do ISESE. Para além disso S.Exa perguntou‑me o que fazia eu, e como lhe dissesse que estava no "exército industrial de reserva", perguntou‑me o que me interessaria (talvez haja possibilidade no MEC) e ficou de contactar comigo. Os contínuos (o sr.Pinto e o sr.Cascais) - vê lá! - ainda se lembram de mim e perguntaram‑me se eu voltava para Económicas. Ah!Ah!Ah! ([1]) (MCG - 1974.09.12)
[1] - Em Luanda as entradas e saídas nos Liceus eram controladas. Pelo que em Portugal, na 1ª vez que entrei em Económicas [ISCEF], em 1966, dirigi‑me ao porteiro, creio que era o Cascais, dizendo que era aluno e se podia entrar. Enfim, caloirices ingénuas, como depois verifiquei, pois a entrada nas faculdades era franca e ninguém controlava as movimentações.
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Ao fim de meses desempregado e sem dinheiro, depois de entregar e preencher documentos curriculares em numerosos organismos, sem recorrer a cunhas ou "recomendações", vi-me forçado a aceitar ser professor, tarefa de que nunca gostei, não só porque leccionava disciplinas com conteúdo ideológico, mas também porque ao fim de 4 anos lectivos só conseguia colocação tardia através dos mini-concursos, com horários retalhados e por vezes incompletos e por outros rejeitados, mudando de escolas e disciplinas em cada ano que passava Gostei apenas de leccionar Sociologia na Escola do Magistério Primário de Évora e Economia, História e Ciências Sociais nos Estaleiros Navais da Setenave. A colocação pelos mini-concursos não era feita atendendo à minha licenciatura (habilitação própria), mas por no 3º ciclo liceal ter a disciplina de História (habilitação suficiente), o que implicava um salário menor. Sociologia estava reservada proritariamente e como habiitação própria aos licenciados em Economia ou Direito, a alguns dos quais eu dava "orientações" de .... Sociologia . Independentemente de tudo isto, talvez tivesse apreciado as funções docentes se tivesse leccionado disciplinas como Matemática, Estatística ou Contabilidade.
A organização do espaço interno da Escola Industrial e Comercial de Évora (actual Escola Secundária Gabriel Pereira) afigurava-se-me uma "formatação" para o trabalho fabril.
(1)
a) Instituto Nacional de Estatística no Inquérito à Distribuição e Serviços (Concelho de Évora, 1970 Março/Julho) b) Comissão de Planeamento da Região Sul no Inquérito ás Condições de Vida das Populações dos Bairros Periféricos da Cidade de Évora (1971 Junho/Julho); c) Gabinete de Planeamento do Ministério das Corporações e Previdência Social, num conjunto de inquéritos para a Caracterização Sociológica do Concelho de Arraiolos (1972 Novembro / 1973 Novembro).
Eis pois o relato do que considero o meu 1º emprego a tempo inteiro, a partir de dezembro de 1974
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Estava eu já todo porreiro da vida, de saco aviado, prestes a partir para Lisboa, quando telefonei ao [Aníbal] Queiroga, como combinado. Assim, tive de adiar a viagem e estou aqui na Escola Industrial de Évora há quase 2 horas, primeiro aguardando que chegasse o Presidente da Comissão de Gestão e agora que S.Exa se digne terminar o despacho com o Chefe de Secretaria. Venho falar lhe para saber da hipótese de leccionar "Introdução à Política". Acho que são 31 horas semanais (sendo 10 extraordinárias) o que daria cerca de nove mil escudos mensais. Como é uma hora semanal por turma seria ... 31 turmas por semana, o que daria qualquer coisa como ... mil alunos. Safa! Se não houver que fazer e corrigir exercícios, mal não iria a coisa. Claro que um tipo tem de gramar o mesmo paleio horas seguidas por semana, já que é o mesmo programa para todas as turmas, o que poderá tornar se chato. Por outro lado, como é a mesma matéria teria menos trabalho a prepará-la. A ver vamos (embora ficar em Setúbal me seduza mais).
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A merda do despacho não há meio de acabar. Entretanto alguns professores - que chegaram depois de mim - vão entrando e despachando se. (...)
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3 horas! 3 horas foi o tempo que estive aguardando que o dr. Pimentel me recebesse. 2ª feira dar me à a resposta. Embora eu não diga nem que sim nem que não, o Queiroga diz que eu sou é pessimista. A ver vamos. (MCG - 1974.11.27)
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Não sei bem se isto que está em mim é "nervoso" ou ... gripe. Os dados estão lançados e vou para Évora dar aulas na Escola Industrial. O Dr.Pimentel queria que me apresentasse ao serviço já na 3ª feira, a mim convinha me na 4ª e acabou por ficar para 5ª! Vamos lá ver como isto corre. Hoje e amanhã tenho de preparar a lição. Ah!Ah!Ah! (isto é para disfarçar a morte que me vai na alma). Francamente, não me seduz ser professor de meninos! Mas ... podia ser pior! (MCG - 1974.12.02)
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Já hoje me deram o horário ("o senhor doutor para aqui", "o senhor doutor para acolá" - deixarei de ser o Victor contestatário ?), (1) fizeram me as recomendações ("isenção, nada de transformar as aulas em comícios", "CDS não, mas PPD para a esquerda, sim, mas não extrema esquerda" informaram-me do ambiente político (predomina a UEC [União dos Estudantes Comunistas], há divergências entre os alunos de dia e de noite, por causa da Associação de Estudantes); enfim, eis me apanhado pela engrenagem. (2).
Tenho 29 1/2 horas semanais de aulas (não sei quanto será ao fim do mês) (3) e um horário muito sobrecarregado (a maioria das aulas à tarde, 3 à noite, nenhuma ao sábado e 2ª de manhã - "Assim o sr. dr. pode ir para Lisboa". ) Tenho alunos - rapazes e raparigas - desde os 13 aos 30 anos. A maioria entre os 14 os 19. Só à 3ª tenho aulas ás 9 da manhã. (...) Cá recebi hoje no apartado a tua carta cheia de "bons" conselhos (Como se aturar adolescentes e dar "Introdução à Política" for o mesmo que aturar ingénuas criancinhas!) De qualquer modo, obrigadinho. (MCG - 1974.12.05)
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Cá estou eu no 2º dia de aulas, que vão correndo. Não sei qual é a aceitação dos alunos. Ainda ando a fazer "experiências" para ver como hei de dar aulas.(...) (Ah! Não sei se já vos disse que acabei em professor de Vida Política e [de] Introdução à Política) Tenho 28 horas semanais e os cursos gerais e complementares, com alunos e alunas dos 13 aos 27 anos (à noite). Enfim ...Não sei quanto vou receber ao fim do mês. (NSF - 1974.12.09)
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Acho que não tenho feitio para professor. Ou será apenas falta de calo? Dar aulas tem um aspecto positivo: permite me ver as lacunas e imprecisões dos meus conhecimentos. Mas falta me (por quanto tempo?) uma certa disciplina na exposição e no estudo. Não sei se as minhas aulas são boas ou não. Dalgumas gosto - penso que consigo interessar os alunos. Outras sinto-as como um autêntico fracasso. Ainda ando a tactear, a ver como hei de dá-las Tenho de passar a fazer uma exposição prévia - conforme as diversas rubricas do programa - à qual se seguiria um debate - sobre o assunto da exposição ou outros (aqui, pelo menos no princípio, é que a porca torce o rabo, pois um tipo não sabe tudo) Prefiro dar aulas aos miúdos do curso geral do que aos do curso complementar - e ainda menos à noite. Para mim, isto é uma função muito desgastante psiquicamente. Não tenho suficiente frieza emocional e há ocasiões em que não me apetece ir dar aulas. É como se fosse um elástico esticado. Conheço alguns dos professores, que são de duas categorias - jovens ou mães de família. Mas não me sinto muito ligado aos professores; preferia estar do lado dos estudantes. Hoje numa das turmas - a mais sossegada e que me parece esperar algo de mim - disseram me que as aulas deviam ser de diálogo e camaradagem. Mas ... sinto que a aula foi um fracasso. Preciso de preparar melhor as lições e ser mais disciplinado e com maior frieza de espírito, mas falta me muito do material de estudo - parte encaixotado, parte em Lisboa. (MCG - 1974.12.10)
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Tenho tido algumas aulas giras, mas noutras é uma frustração. Algumas são muito barulhentas (p'rá semana isto tem de mudar), outras são porreiras. Gosto mais de dar aulas aos gaiatos. (MCG - 1974.12.11).
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1 - No princípio este tratamento por senhor doutor incomodava-me deveras. Agora já me habituei e por vezes faz jeito, embora goste mais de ser apenas o Victor Nogueira.
2 - Centro Democrático e Social, Partido Popular Democrático
3 - Recebi anteontem o vencimento; apenas as horas normais, a 60 $ 00 (Não recebi os 4 primeiros dias). Creio que o meu vencimento líquido são 6 700 $ 00, aos quais serão de acrescentar as horas extraordinárias, pagas ... a um preço inferior ás normais! Ah!Ah!Ah! Isto é que o Estado é um bom patrão! As extraordinárias devem ser aí mais uns 1 800 $ 00 a 2 100 $ 00. Quanto a 13º mês ... só para o ano. (MCG - 1974.12.21)
Publicada por Victor Nogueira à(s) quinta-feira, agosto 09, 2007