quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Ajaezado em sua mula, ao som de charangas e tambores


* Victor Nogueira

Ajaezado em sua ronceira mula, ao som de charangas e tambores, flâmulas ondulando ao vento, em tarde límpida e soalheira, chegou o pregoeiro à Praça Nova de Ítaca, atento ao povo que ávido para ela convergia, homens e mulheres, crianças e velhos, escorreitos ou estropiados enquanto o senhorio do burgo se ficava pelas janelas e balcões, as damas meio-encobertas pelos cortinados e gelosias.

Era grande o sussurrar de vozes, muitas as interrogações  do povoléu, arraia-miúda, enquanto galináceos de asas abertas fugiam espavoridos dos latidos de canídeos que os perseguiam e nos telhados felinos se espreguiçavam molemente ao sol. Circum-navegando o olhar em torno de si, verificando que a praça estava cheia, a um sinal seu rufaram os tambores impondo silêncio. 

Do alto da pileca, braço esquerdo estendido, o direito flectido mais abaixo, o arauto desenrolou o pergaminho e com sonora voz, bem timbrada e melhor colocada, começou a ler o pregão, perante a multidão mais ou menos atenta, em cujos gestos e mímica corporal e facial se espelhavam as mais díspares emoções e variados sentimentos. Todos escutavam, uns de olhos esbugalhados e de espanto outros de enleio, as bocas cerradas em linha ou escancaradas em forma de "O", uns sorrindo  e outros com ar sério u meditabundo, uns direitos que nem mastro e outros cutucando quem ao seu lado se encontrava, alguns quebrando o silêncio interrogando silenciosamente outrem -  o que seria ou significava aquela entoada e desconhecida palavra ou o verbo que a passagem do vento ou leve ruído haviam levado para longe dos ouvidos ?

Terminado o pregão na Praça Pública, enrolado o pergaminho, resguardado em bolsa de cabedal gasta pelo uso, partiu o pregoeiro em busca de outras praças e portos  e de novas marés e ajuntamentos.

Na Praça ficaram o burburinho e a confusão, a multidão mais ordenada aqui, mais desalinhada acolá, os acontecimentos narrados fazendo olvidar o correr do tempo, esquecido o trabalho da oficina e no campo ou a  lide doméstica.

Chegado a esta linha, esta mesmo, que se fosse gravada em papel seria o fim de página ímpar de modo a criar suspense na breve espera de virar a folha seguindo para a subsequente par, que se fosse em prancha de banda desenhada remeteria quem vê para próximo álbum ou número de jornal, depara-se quem lê com estas palavras atrás escritas, interrogando-se: "E agora?"

Um agora que o escriba remete para próximo capítulo. E mais nada !

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)