terça-feira, 18 de outubro de 2016

sobre um texto de maria jorgete teixeira




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As mulheres enviuvavam e sepultavam-se dentro dos xailes e dos lenços. Negros, a cobrir a cabeça e as orelhas, nem brincos, cabelos ou outras tentações à vista. As casas feriam na sua solidão branca. As fachadas iluminadas debruadas a azul intenso e os muros altos protegiam as mulheres e o seu reino. Era nos pátios interiores que a vida se desenrolava. As hierarquias rígidas, os ódios, as frustrações, os segredos, os venenos. 



Estes locais, protegidos da luz crua do sol, nos Estios bravios, ou dos rigores dos Invernos continentais, eram alcovas muito ao jeito dos árabes que semearam a Península de gente morena de olheiras fundas e olhos negros. 



O Partido, fortemente enraizado no sul, não conseguira mudar as mentalidades extremamente conservadoras.

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maria jorgete


foto de Artur Pastor



Victor Barroso Nogueira Há quem diga que nos campos do Alentejo, apesar do "machismo", vigora(va) o matriarcado, sobretudo na margem esquerda do Guadiana. Mas " As hierarquias rígidas, os ódios, as frustrações, os segredos, os venenos. " também caracteriza(va)m o Norte rural. Cada um com as suas "redes" próprias de solidariedade.




Maria Jorgete Teixeira Claro, apesar das diferenças entre uns locais e outros, a essência das coisas é a mesma. Simplesmente, esta acção desenrola-se no Alentejo.
Victor Barroso Nogueira Maria Jorgete Teixeira Foi apenas um pensamento meu em voz alta, metaforicamente falando 





Tinha 14 anos quando se apresentou em frente do feitor. Tímida e insegura.


- Olha lá, rapariga, tira-me as mãos do peito que ninguém te faz mal…


A custo perfilou-se hirta, de braços ao longo do corpo e mãos retesadas. Não levantou os olhos luminosos. O feitor era um homem seco e rude habituado a mandar e a que lhe obedecessem, tinha na mão a vida daquela gente amedrontada e faminta. A maior parte era da aldeia e das terras vizinhas. Mas também chegavam hordas de gente oriunda das Beiras, os “ratinhos” como depreciativamente eram tratados. Todos trabalhavam que nem escravos, sem dar um pio, de dedos enregelados na apanha da azeitona ou esbraseados na monda, aceifa ou apanha do tomate. Os manajeiros arregimentavam os trabalhadores aos domingos na eira. Era uma bênção ser contratado. Os que não o conseguiam encolhiam-se e voltavam a casa de estômagos vazios e olhos tristes. Submissos aos senhores das terras, mas abaixo deles na escala hierárquica, eram a maior parte das vezes mais cruéis do que aqueles. Falavam de galo com os homens e farejavam as mulheres. Principalmente as mais novas, Roliças, alegres e de faces afogueadas. Alfredo tinha uma predilecção pelas mais novinhas acabadas de sair do choco, vulneráveis e fáceis. Celeste deu-lhe no olho, logo de início, os peitos despontando a empurrar os botões da blusa, as pernas longas e os olhos de gato, imensos e inquietantes. 


maria jorgete teixeira

imagem de Cipriano Dourado

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)