luanda - numa das churrasqueiras dos arredores - manuel, victor, maria emília, zé luís ~
– carta do irmão de 22 anos ao irmão de 17
Não vou fazer um enunciado dos deveres filiais. Lembro-me, no entanto, da ternura que em princípio todos os filhos devem ter pelos pais; ternura, amor, respeito. Creio que talvez tenhas razões, quiçá justas e ponderáveis, para te fechares na tua torre de marfim. Mas seria bom para ti que te habituasses a descer ao povoado, pois se agora não podes esquecer ou superar os agravos que julgas ter recebido, da parte daqueles que, apesar de tudo, de todos os seus erros e fraquezas, te amam porque teus Pais, como agirás no futuro face aos teus companheiros de profissão, à família que porventura constituirás, em súmula face ao Mundo? Ocorrem-me, neste momento - e não é a primeira vez que isso sucede - o azedume que tenho espalhado e por vezes ainda espalho ao meu redor! Um sorriso amargo vem-me ao espírito ao recordar as nossas mesquinhas - agora, mas não então - macas (questões, zangas) por causa dos recortes dos jornais, da "Plateia" e do "Zorro", do álbum de fotos. Quanto azedume nas nossas relações, quanto má vontade, só porque éramos incapazes de sairmos da nossa torre! E no entanto, assim o creio, no fundo dos nossos corações éramos e somos amigos! Não deixes que sejam os outros a condicionarem a tua atitude, quando essa influência for negativa!
Tens de encarar os Pais (e toda a gente, afinal) como seres humanos normais, comuns, com virtudes e defeitos, como qualquer ser humano. É normalíssimo os filhos idealizarem uma imagem perfeita dos Pais. A idade, o desenvolvimento da consciência, faz ver que adoravam ídolos de barro, assim o pensam. Mas têm de superar esta desilusão, de transformar a adoração infantil pelo amor adulto! (JLNS - 1968.08.08)
CARTA aos 23 anos A UMA AMIGA
É possível que no próximo Verão eu vá a Luanda. A minha Mãe, esquecendo-se da minha face má, sonha ansiosamente com essas férias, para tentar juntar uma família que nunca esteve junta (embora vivendo sob o mesmo tecto), pelo menos até onde a minha memória alcança. E eu também lá quero ir, para tentar enterrar definitivamente alguns "fantasmas" e encerrar páginas do livro da minha vida. Para que desapareçam dois ídolos esboroados, de pés de barro, e nasçam finalmente dois Amigos: O Manuel e a Maria Emília.(NSM - 1969 PÁSCOA)
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)