* Victor Nogueira
Partindo dum dos meus blogs, Ana Mauricio contactou-me para que colaborasse com testemunho e fotografias numa edição por ela coordenada e patrocinada pelo Governo de Angola, na sequência das obras de reabilitação do edifício do antigo Liceu Nacional de Salvador Correia, em Luanda, denominado de Mutu-ya-Kevela. após a independência, em 1975.
Este personagem foi o último soba do Reino Bailundo, Para preservar a independência do seu país liderou a resistência Ovimbundu contra o exército colonial português de ocupação e "pacificação". A morte de Mutu-ya-Kevela (1870 / 1903) põs fim à autonomia do Reino Bailundo, com o território tornando-se possessão de Portugal.
Salvador Correia havia sido o comandante da Armada financiada pelos senhores do engenho no Brasil, com a finalidade de pôr termo à ocupação de Luanda e Benguela pelos Holandeses (1640 / 1648), retirando-lhes o controle do tráfico negreiro de mão-de-obra escrava. Pretendia o Brasil, na altura, que Angola lhe ficasse ligada e subordinada, mas a burguesia esclavagista luandense de então preferiu a subordinação a Portugal, que melhor favorecia os seus interesses.
A obra ("Mutu-ya-Kevela") foi finalmente publicada, profusamente ilustrada e com vários depoimentos. O texto que se segue reproduz a minha prestação original.
Este personagem foi o último soba do Reino Bailundo, Para preservar a independência do seu país liderou a resistência Ovimbundu contra o exército colonial português de ocupação e "pacificação". A morte de Mutu-ya-Kevela (1870 / 1903) põs fim à autonomia do Reino Bailundo, com o território tornando-se possessão de Portugal.
Salvador Correia havia sido o comandante da Armada financiada pelos senhores do engenho no Brasil, com a finalidade de pôr termo à ocupação de Luanda e Benguela pelos Holandeses (1640 / 1648), retirando-lhes o controle do tráfico negreiro de mão-de-obra escrava. Pretendia o Brasil, na altura, que Angola lhe ficasse ligada e subordinada, mas a burguesia esclavagista luandense de então preferiu a subordinação a Portugal, que melhor favorecia os seus interesses.
A obra ("Mutu-ya-Kevela") foi finalmente publicada, profusamente ilustrada e com vários depoimentos. O texto que se segue reproduz a minha prestação original.
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O Liceu era um mundo novo e diferente; a minha mãe lá conseguiu convencer-me que não deveria levar todos os livros de estudo na pasta diariamente, pois passaria a ter vários professores, cadernos diferentes para cada disciplina e em cada dia precisaria apenas dos livros das que fossem lecionadas.
Num território onde não havia Universidade, frequentar o Salvador Correia era fazer parte da elite num estabelecimento de ensino onde figuravam praxes e rituais similares aos de Coimbra, com diferenciação entre “caloiros” e “veteranos” e “tonsuras” àqueles no 1º dia de aulas. Para novatos como eu alguns dos “veteranos”, designadamente os do 3º ciclo, faziam gala de insubordinação, eram “malcriados”, como registo no meu “diário” da altura. Nesse tempo entre estes alguns usavam negras capa e batina e era com alguma jactância que dizíamos alto e bom som “larga o osso, que não é teu, é da malta do Liceu”, quando víamos rapazes doutros estabelecimentos de ensino acompanharem uma engraçada e vistosa rapariga.
Não me recordo se nesse tempo o Salvador Correia já era misto no 3º ciclo ou se isso sucedeu apenas alguns anos mais tarde. No princípio do ano lectivo havia falta de professores nalgumas disciplinas e nas “borlas” umas vezes éramos obrigados a permanecer na sala de aula, outras saíamos para o recinto exterior, ficando na conversa ou travando renhidas batalhas com torrões de barro, as camisas vestidas do avesso para que não se notasse a sujidade nas aulas. Por vezes debandávamos à aproximação dum dos contínuos cuja alcunha era o “Ramona”, pois quem ele identificasse seria castigado pelo Conselho Disciplinar. Quando havia diferendos entre os estudantes estes eram dirimidos à pancada no fim das aulas, na rampa ajardinada defronte do Liceu, com séquito de seguidores e apoiantes duma ou doutra parte.
Havia professores que estimávamos, uns mais, outros nada, e as aulas de Religião e Moral eram muitas vezes uma tourada, mesmo no 3º ciclo. Aqueles que como eu não tinham ouvido para a música ou que por razões de saúde não podiam participar nas aulas de Educação Física ou nas actividades da Mocidade Portuguesa estava a frustração de passar a aula sentado a ver os outros ou conseguir-se dispensa mediante atestado médico.
No final do ano lectivo havia arruaças mais ou menos inofensivas na Avenida Brito Godins, defronte ao Liceu, envolvendo os automóveis que passavam, por vezes obrigando a`intervenção policial. Recordo-me que num dos anos entre os estudantes levados para a Esquadra estava o filho do Governador-Geral, que reclamava em vão essa condição para não ser preso, retorquindo-lhe o polícia “Pois, pois, e eu sou o Presidente da República”. Dessa vez a ordem de soltura acabou por ser mais rápida.
Entre o 4º e o 6º anos estive matriculado em colégios particulares, em Luanda e no Porto. Quando me matriculei de novo no Salvador Correia já algumas coisas eram diferentes embora se mantivessem outras, como o autoritarismo e o rigoroso acantonamento das raparigas em espaços interditos à permanência dos rapazes, nos intervalos e “borlas”, salvo na biblioteca. Um rapaz que permanecesse num espaço reservado às raparigas sujeitava-se a ser punido com suspensão das aulas, o que também sucedia a quem permanecesse sentado nos passeios ou muros do Liceu após terminadas as aulas. Todo esta “segregação” não existia fora do Liceu, pelo menos no estrato social a que pertenciam os meus pais, onde as relações entre rapazes e raparigas eram mais livres e abertas.
Até 1961/62 apenas uma minoria tinha possibilidades financeiras para frequentar o Liceu e dessa escassos podiam prosseguir estudos universitários em Portugal. Para os restantes o Liceu nenhuma preparação profissional dava, ao contrário do que sucedia nas escolas industriais e comerciais. E para quem como eu seguiu para Económicas o Liceu não nos fornecia conhecimentos básicos necessários, como os de contabilidade, de estatística ou de matemática baseada na teoria dos conjuntos ou na álgebra booleana. Nos dois primeiros ciclos o ensino era essencialmente teórico e foram escassíssimas as aulas práticas nos laboratórios de físico-químicas ou de ciências naturais, conhecidos como o “Planeta Proibido”. Por vezes havia as chamadas “visitas de estudo” a unidade industrias como a cimenteira Secil, de fabrico de sabões ou cervejeiras, como à Cuca, que eram pelos estudantes apreciadas devido aos lautos lanches regado de cervejolas, embora eu fosse conhecido pelas minhas bebedeiras de … laranjada. Desse ensino teórico e não poucas vezes desligado da realidade falo num poema meu intitulado “Raízes”
(…) Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei
Não Angola mas Portugal
Todos os rios e afluentes
Todas as linhas férreas e apeadeiros
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.
De Angola
pouco sabíamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
....................a mentira
que alimenta
..................a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade. (…)
A partir de 1952 ou '53 o ano lectivo passou a ser idêntico ao de Portugal, para favorecer a minoria que prosseguisse estudos em Portugal, de que resultou a aberração das aulas serem no tempo mais quente e as Férias Grandes na estação fria do “cacimbo”.
O Estudante nº 84 (1964 Novembro) --Visita à Fábrica da NOCAL, segundo Barradas Teixeira - Durante a minha estada no Liceu participei em várias visitas de estudo: à Cimenteira SECIL e a outras unidades industriais, como uma de saboaria e à cervejeira CUCA (não me recordo se também a esta à NOCAL). As que mais apreciávamos eram as visitas às cervejeiras, atraídos pelos opíparos lanches e pela cerveja, embora a minha especialidade, segundo os meus colegas, fosse apanhar bebedeiras ... de laranjada.
Luanda liceu salvador correia - 1964~65 - 6º ano turma B (alínea G) 1965.06.08
1ª fila - Abranches, Jacques Pena, Monteiro Torres (micro-torres)
2ª fila - Paula Coelho, Rogério Pampulha, Carlos Aguiar, Fátima Rocha, Isabel de Almeida, Artur Reis, Isaura, Carlos Lourenço, Teresa Melo, Victor Nogueira
2ª fila - Paula Coelho, Rogério Pampulha, Carlos Aguiar, Fátima Rocha, Isabel de Almeida, Artur Reis, Isaura, Carlos Lourenço, Teresa Melo, Victor Nogueira
Luanda liceu salvador correia - 1965~66 - finalistas e professores 1966-06
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204507196505307&set=a.10203875700958313.1073741832.1394553665&type=3&theater
luanda liceu salvador correia -
FOTO Nº 1 - 1965~66 - finalistas 1966-06 7º ano turma A
1ª fila - Manuela Vieira (1) Maria de Lurdes (2) António Vasconcelos (3) Celestina (4) Ivone Magro (?) (5) Isabel Seiça (6) Alcina (7 Maria João (8) Fátima Coelho (9) Álvaro Cardoso (10) Maria José Fonseca (11)
FOTO Nº 1 - 1965~66 - finalistas 1966-06 7º ano turma A
1ª fila - Manuela Vieira (1) Maria de Lurdes (2) António Vasconcelos (3) Celestina (4) Ivone Magro (?) (5) Isabel Seiça (6) Alcina (7 Maria João (8) Fátima Coelho (9) Álvaro Cardoso (10) Maria José Fonseca (11)
2ª fila - Aurora (1) Manuela Ezequiel (2) Manuela Vieira (3) Maria da Graça (4) Luísa Seia (5)
Almoço de confratenização num dos rearurantes dos arredores -
Tirando a foto da tonsura (http://www.escreveretriste.com/2015/03/este-e-o-meu-liceu-salvador-correia-o-mutu/ ), todas as restantes são do meu arquivo pessoal
Luanda - Liceu Salvador Correia - 1965.04.12 - visita à CUCA
Debaixo para cima e da esquerda para a direita
1ª fila - Abranches de Figueiredo (1), Carlos Arnaut (2), Jorge Cadete (3), Dias (4), Carlos Lourenço (5)
2ª fila . Dr. Correia de Barros (1), Correia da Silva (2), Agante (3)
3ª fila - Assunção (1), Edmundo (2), Amorim (3), Carlos Aguiar (4), Guerra (5) e Victor Nogueira (6)
4ª fila - João Martins (1), Pedro Brito,(3) sr. Sampaio (contínuo) (4)
Um jornal diário de Luanda cujo nome não registei costumava publicar as fotos dos melhores alunos do Salvador Correia, com uma breve biografia. Não fui colunável, embora tivesse terminado Letras com 13 valores e reprovado a Ciências. Entre a papelada encontrei estes recortes de colegas meus, todos eles naturais de Luanda, excepto o Oliveira Gama. Todos eles, haviam terminado o 5º ano. De cima para baixo e da esquerda para a direita, são eles:
Herculano Araújo da Silva, Marcolino António Pinto de Meireles, Nelson Rangel Pereira Duarte, Rui Filipe Matos de Martins Ramos (tb na foto pequena), Fernando Carneiro de Oliveira Gama, e António Maria Amaro Monteiro
RAÍZES
* Victor Nogueira
............."Maianga
Maianga
.............Bairro antigo e popular
.............Da velha Luanda
.............Com palmeiras ao luar ..."
.............''A Praia do Bispo
.............Cheiinha de graça
.............De manha á noite
.............Sorri a quem passa ..."
............(das Marchas Populares em Luanda)
Longo era o bairro ao longo da marginal
Longo era o bairro do morro de S. Miguel ao morro da Samba
Grande era o bairro e grandes as casas
No meio o bairro operário e a igreja de S. Joaquim,
estreitas as ruas, pequenas as casas.
Nas traseiras, o morro,
no alto o Palácio,
Na frente a larga avenida,
o paredão, as palmeiras e os coqueiros
a praia que já não era do Bispo
mas das pedras, dos limos e dos detritos.
Mais além a ilha que era península
com a sanzala dos pescadores
casas de colmo no areal
da extensa e boa praia
o mar sem fim.
Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei
Não Angola mas Portugal
Todos os rios e afluentes
Todas as linhas férreas e apeadeiros
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.
De Angola
pouco sabíamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
....................a mentira
que alimenta
..................a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade.
Em Évora a 11 de Novembro
Em Luanda a bandeira do meu país
no mastro subiu.
Era o tempo da liberdade e da esperança.
No Porto
Em Lisboa
Em Évora estudei
Em Évora casei
Em Évora vivi e nasceram o Rui e a Susana.
Em Setúbal moro e no Barreiro trabalho
Perdidos os amigos,
perdida a infância
Estrangeiro ......sem raízes ......sou em Portugal.
Victor Nogueira
1989
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)