Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

quinta-feira, 31 de março de 2016

Penélope morreu

* Victor Nogueira

Penélope morreu
e não é com Ulisses que faz a mala

De longe o horizonte
coalha de cinzas e chumbo o mar,
de poeira cobrindo as nuvens.
Sem flâmula nem glória
de Ítaca apagou-se o rumo.

Setubal 2016.03.31

sábado, 26 de março de 2016

Goios - a Páscoa numa aldeia minhota (1963 e1974)

Victor Nogueira


Goios (Barcelos)


Os meus avô e tio maternos e a prima Elvira (fotos victor nogueira)

1963

No dia 14 [Abril. 1963], domingo de Páscoa, fui, com o avô Barroso e o tio Zé a Goios, passando por Famalicão. Almoçámos em Goios, tendo‑me aborrecido imenso. O "compasso"  chegou por volta das 17 horas. À tardinha fomos para a Pedra Furada. Revi com prazer a Lourdes e a Cândida, e fiquei a conhecer a Celeste e a Amélia. Divertimo‑nos bastante. 

(...) Que diferença entre estas estradas e as dos arredores de Luanda ! Só em Nova Lisboa [Huambo]  é que a paisagem é semelhante. Há eucaliptos, pinheiros e videiras ao longo dos caminhos. Apetece passear por aqui. Há uma parte da estrada que é recta, sendo por isso conhecida por "recta do Mindelo  Chegámos ao Mindelo perto das 15 horas. O céu estava bonito, azul, com núvens brancas. 
(Diário III - (DIÁRIO III, 1963.02.14pag. 165)

1974

com o meu avô materno (foto MENS)


a casa de Goios (foto Victor Nogueira)


Aqui na cidade [do Porto] a maioria das freguesias paroquiais já não têm "compasso", isto é, procissão pascal - o pároco leva a cruz às várias residências; por ser uma manifestação inadequada aos dias de hoje. Mas na aldeia [Goios, ao pé de Barcelos] (e não só) ainda as pessoas aguardam a visita pascal - o padre deslocando-se pelas aldeias, cujas casas aguardam a sua visita. Na sala de entrada, bolos secos e vinho. No ar estralejam foguetes ! As pessoas dizem: " O compasso vai na casa de Fulano, daqui a xis horas está aqui!" As horas vão diminuindo e eis que aquela malta irrompe pela sala dentro, o povo ajoelha-se para beijar a cruz, (mais ou menos devotamente), e depois começa a comezaina e a copofonia. Ah! Ah! Ah! Ao fim do dia de certeza que o padre e seus acompanhantes estarão já um tanto ou quanto toldados!

(...) São 16 horas e o meu avô já me chamou ali do lado para me pedir um favor, muito de mansinho: que me ajoelhe e beije os pés da imagem. Se o não fizesse seria um escândalo, que as pessoas reparam em tudo: "Então ele é um ateu ?!" Quem diria, o [primo]  do senhor D. António [de Sousa] Barroso", [que foi] Bispo do Porto (e esteve em S. Salvador do Congo, em Angola) ! Enfim ...

Na varanda coberta e fechada e comprida para onde dão os quartos de dormir a família aguarda o compasso. O primo Adelino tem o gravador aos berros, transmitindo música de ranchos folclóricos. É uma música mexida e movimentada, própria para bailar. Gosto muito mais da música alentejana.

Ali do guarda-fatos e das arcas retirou-se já a roupa domingueira. Estão todos enfiados nas fatiotas, colete, camisa de ver-a-Deus e gravata. Das arcas retiraram-se as cortinas, agora colocadas nas janelas, o soalho lavado, na casa velha cujo solo treme com o peso dos passos. Olho pela janela e a minha vista alcança os campos verdejantes, no meio da pequena e densa mata arborizada. O meu primo, dono da casa, sai descalço do quarto, sapatos e calçadeira na mão. O avô Barroso fala com o António e o resto da malta fala alto atrás de mim, enquanto o tio Zé [Barroso] está ali embrenhado na leitura dum "Précis de Statistique", dizendo‑me que ainda não percebe para que serve a Estatística.

Estralejam foguetes neste entardecer frio, cinzento e nublado. O compasso já está ali a dois passos: Vim agora da ponte que atravessa além o riacho, ao cimo da estrada, junto à pequena escola abandonada e arruinada onde o meu avô estudou.

Trouxeram o televisor lá de baixo da cozinha, onde estivemos no Natal, Estão a transmitir uma tourada do Campo Pequeno [em Lisboa] e toda a gente está entusiasmada, esquecida de meditar na Paixão e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, nesta casa onde há imagens e estampas devotas nas paredes da sala de estar, para além das fotografias do já falecido "Senhor D. António "e do seu secretário e sobrinho [José Barroso], também padre mas que não chegou a bispo,[irmão do meu avô materno]..

A dona da casa, minha prima, pede‑me que avise quando o compasso se aproximar. Pego em mim e venho até aqui à janela, assim transformada em posto de vigia. No peitoril continuo o relato dos acontecimentos.

A malta ali na sala e na varanda está entusiasma: "Aquilo é que foi uma pega!".


A sineta toca e o compasso prepara-se para sair da casa do primo Manuel, nosso vizinho. Não, afinal não: acabou foi de entrar e o maralhal pode ainda assistir um pouco à tourada.

A estrada está atapetada de flores, melhor, de pétalas.

Reparo que sou o único barbado das redondezas. Tenho desculpa (terei ?) porque sou da cidade.

A televisão pode mais que o Nosso Senhor!

O compasso veio, as pessoas foram para a sala de entrada. Toca a sineta, que um miúdo traz adiante; uma cruz florida transportada por um homem de opa vermelha é dada a beijar às pessoas - que não se ajoelham - e o jovem seminarista aperta a mão aos presentes, desejando Boas Festas. Segue‑se uma "orgia" de apertos de mão e votos de boas festas. Alguns velhotes detêm‑se a falar com a sra.Elvira, criada do avô Barroso. Este está muito sorridente, apresenta a filha "que é professora em Luanda" e o neto. Não posso deixar de sorrir‑me e enternecer‑me com o ar jovial do avô, enquanto cumprimento "gravemente" as pessoas.

É para aí o 5º compasso em 8 anos e alguns destes homens são "habitués" nestas andanças (Sempre se come e bebe à custa dos outros). Mas ainda o compasso não abandonou a casa e já os meus primos e alguns amigos se precipitam para o televisor, "onde" um forcado é retirado de maca do redondel.
.....................
São 18:20 e ainda estralejam foguetes. O pessoal continua a assistir à tourada. A prima Clementina - mãe das que vimos a conduzir um carro de bois - tem um linguarejar (pronúncia) muito catita. Ali na outra casa [do primo Manuel] só se fala de terras e riqueza! Safa! Fazem parte da "elite" cá do sítio. Mas enquanto que os filhos do José são folgazões e desinibidos, mais que o pai, os do Manuel são muito acanhados.([1])

A senhora Elvira foi visitar uma amiga e ainda não voltou. A tourada já terminou e agora transmite‑se um programa de ginástica. (MCG - 1974.04.16)



[1] - Em 1976, com a morte do meu avô Barroso e com o meu casamento com a Celeste, perdi o contacto com os primos de Barcelos (Goios e Pedra Furada). Em 1989, sediados no Mindelo no Verão, fui com a minha mãe, o Rui, a Susana e a Joana Princesa a Goios, para (re)vermos os primos. Mas uns tinha morrido, os mais sociáveis, e os outros nem apareceram, deixando-nos a secar na estrada. Como na altura me não lembrava do nome dos da Pedra Furada, não fomos a esta aldeia, onde regressei mais tarde, com a Fáfá das Caldas, mas apenas numa das nossas múltiplas deambulações tutrísticas por Portugal de lés a lés, amiga, navegadora, auxiliar de fotógrafo e scipt-girl dum Livro de Viagens inacabado do qual restam milhares de fotos e o borrão duma «peregrinação» em livro inacabado, casa vez mais perdido nas brumas do tempo e da memória.
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~~~~~~~~~~

com o meu avô materno e  um dos meus primos

Fora o registo dessa Páscoa, que não seria muito diferente das anteriores em que participei, nada mais devo ter anotado por escrito. Era para mim uma festa encontrar-me com os meus primos e primas de  Goios e da Pedra Furada, da minha idade, e de quem perdi o rasto pois entretanto casei, o meu avô morreu, eu fixei-me em Setúbal e as férias passaram a repartir-se entre o Baixo Alentejo e o Porto/Vila do Conde.

Para além disso lembro-me que nas noites de inverno gostava de sentar-me ao lume da cozinha, vendo a dança das chamas, impregnando-se a roupa daquele cheiro característico. Não sei se  o meu tio José de que fala é de facto o irmão da minha mãe, pois este era alto, nada franzino, embora folgazão. Como fora seminarista uma vez casou-me com uma das minhas primas (todas elas muito bonitas, como aliás tinham boa figura os rapazes). Não me lembro já é se o "casamento" foi com a Cândida ou com a Celeste.

Já depois de 1974, já casado, voltámos a Goios a um casamento de alguém de família,  faustoso e com muitos convidados. Muitos anos depois, numas férias de Verão, voltei com os meus filhos para conhecerem os primos de Goios, e disso dou nota num escrito posterior:

"Com a morte do meu avô Barroso e com o meu casamento, perdi o contacto com os primos de Barcelos (Goios e Pedra Furada). Em 1989, sediados no Mindelo no Verão, fui com a minha mãe, o Rui e a Susana a Goios, para (re)vermos os primos. Mas uns tinham morrido, os mais sociáveis, e os outros nem apareceram, deixando-nos a secar na estrada. Como na altura me não lembrava do nome dos da Pedra Furada, não fomos a esta aldeia. (Notas de Viagens - 1998) "

Texto parcialmente publicado inicialmente por Victor Nogueira no Kant_O_XimPi em Domingo, Abril 08, 2007 

quinta-feira, 17 de março de 2016

O Brasil debate: o que há de errado nesta fotografia?


Mas há mais. A "senhora" leva o caniche pela trela, o papá vai de mãos a abanar e a bábá leva o "filho branco do siô", tal como na Mãe Negra, de Piratini e Caco Velho. Uns vão mascarados de "patriotas" e outros "servilmente" acompanham o cortejo. Porque tivesse a bábá ido de livre vontade poderia ir "patrioticamente" vestida ou não, mas nunca de uniforme que marca e distingue a posição social do papá e da mamã.

EM TEMPO - Esta sequência de fotos dava um "Rimance". Reparando  bem os patrões vão de calções esfiapados, às 3 pancadas, "descontraídos", ao contrário da bábá, bem engomada e de roupa imaculadamente branca, bem "arrumada" e "certinha". Ao fundo, ajoujada, uma mulher carrega, sem ajuda, um saco branco. 




A fotografia de um casal branco com um empregada negra a caminho dos protestos de domingo contra o governo divide as opiniões no Brasil. Resquícios da escravatura ou o racismo está nos olhos de quem vê?
PUBLICO.PT

http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2016/03/ainda-o-caso-rosineide.html 

segunda-feira, 14 de março de 2016

Marcelo lembra que o Vaticano foi o primeiro a reconhecer a independência de Portugal


Pois ... Depois do discurso a enaltecer não a lírica camoniana mas "a Fé, a Espada e o Império", nada como um novo mergulho e retorno às origens, quando o Papado punha e dispunha, fazia e desfazia, a troco de tenças de ouro ou da venda de "indulgências".

A independência de Portugal e o título de Rei a Afonso Henriques foram reconhecidos pelo Papa Alexandre III em 1179.
RR.SAPO.PT|DE RENASCENÇA

http://rr.sapo.pt/noticia/49270/marcelo_lembra_que_o_vaticano_foi_o_primeiro_a_reconhecer_a_independencia_de_portugal

RESISTÊNCIA TAMBÉM É e apenas NOME DE MULHER

Não teria ficado mal referir a operária conserveira Mariana Torres que, com António Mendes, foram assassinados pelas forças policiais da jovem República a 13 de Março de 1911. Curiosamente atacados na altura pela feminista e republicana Ana de Castro Osório, que estava posicionada do lado do patronato contra quem o operariado setubalense lutava por melhores condições de vida e de trabalho.
RESISTÊNCIA TAMBÉM É NOME DE MULHER
TERÇA-FEIRA, 8 DE MARÇO DE 2016
PUBLICADO POR BRUNO CARVALHO
A histórica luta das mulheres trabalhadoras pelos seus direitos teve episódios que não se podem apagar. Um deles é o do incêndio, em 1857, na fábrica de camisas Triangle, em Nova Iorque, em que centenas de operárias, sequestradas pelo patrão, acabaram carbonizadas. Em Portugal, o exemplo da tragédia que se abateu, em 1954, sobre Baleizão com o assassinato da assalariada rural Catarina Eufémia durante protestos por melhores condições de trabalho. A também comunista estava grávida e com um filho ao colo quando foi abatida pela GNR.
http://manifesto74.blogspot.pt/2016/03/resistencia-tambem-e-nome-de-mulher.html?showComment=1457975171026#c2874640460099873807

sexta-feira, 11 de março de 2016

A Herança (Arvingerne)


No blog Aquem-Tejo (http://aquem-tejo.blogs.sapo.pt/) acidentalmente descoberto tenho sabido de séries em exibição e seguido interessado os comentários.

Mas esta série - A Herança (Arvingerne) - tem-se revelado pouco credível. Quem nos papéis de Signe figurava como mãe (a biológica ou a adoptiva) ?. É evidente que Frederick é um homem torturado, obcecado, estilo "pão-pão, queijo-queijo" e que soa a inverosímil a cena das brincadeiras descontraídas entre os 4 irmãos,tão tardiamente "re-encontrados", filhos da mesma mãe e de 3 pais diferentes..
No inicio quem teria amado Signe e a não teria esquecido seria o contraditório Emil. Desde o início aquela era uma família desestruturada girando melhor ou pior na órbita de Veronika. Talvez isso explique o "abandono" da ideia de Museu/Fundação em favor da doação à filha "dada" para adopção. Signe vivia numa família feliz até Veronika ressurgir na sua vida com a ""dádiva" que tudo complica e nada resolve.
Na história ninguém é "inocente", incluindo a "ingénua" Signe, assim lançada às feras.

http://aquem-tejo.blogs.sapo.pt/tag/%22a+heran%C3%A7a%22


marcelo e o "discurso" da "evolução na continuidade"


 para 
Entoam-se loas ao discurso de S. Exa o Presidente da República, Senhor Professor Doutor MRS. um discurso mal cerzido, num enfiamento de palavras em estilo aparentemente soft. Mas ....
Fosse Cavaco a referir Mouzinho de Albuquerque, o que derrotou e humilhou o herói da resistência moçambicana, Gungunhana, exibido como "troféu" no século XIX e hoje perante a "Representação" Oficial da República de Moçambique, após uma longa e sangrenta Guerra ~ Colonial para uns, de Libertação para outros ~ o que se diria ? Fosse Cavaco e não Marcelo a invocar o desde Alexandre Herculano desmistificado "Milagre" de Ourique, contra a "infiel" moirama em cristã Cruzada e teríamos uma nova queda do Carmo e da Trindade ! E queriam que a "esquerda" no Parlamento duma República laica aplaudisse pérolas ou "morcelas" deste calibre ? By the way: porque faltou aos aplausos o líder do PSD, o senhor dr. Passes de Coelho, algures na "pérfida" Albion ?
CARTOON - João Abel Manta - Festival - Cartoon que valeu ao autor do mesmo e ao Diário de Lisboa - que o publicou em 11 Nov 1972 - serem levados a Tribunal pela PIDE e pelo Governo de Marcello Caetano, vindo a ser absolvidos em 1973.





As  "loas" sobre a tomada de posse do pretenso anti-Cavaco na generalidade dos meios de comunicação social escondem um discurso presidencial mal cerzido e aparentemente soft mas onde o belicismo, o colonialismo,  a intolerância religiosa e as guerras  de "pacificação" contra os infiéis mouros e os então considerados selvagens e "primitivos" cafres são enaltecidas, para  lá das cerimónias "ecuménicas" e do paternalismo pretensamente bonacheirão. O que Marcelo de facto apresenta como "cimento" são "a Espada, a Fé e o (perdido) Império" Por entre a generalidade das loas, o texto de Alexandra Lucas Pires é assim uma rara excepção.

https://www.publico.pt/politica/noticia/a-pele-de-cavaco-e-os-milagres-de-marcelo-1725944?page=-1

cartoon João Abel Manta

terça-feira, 8 de março de 2016

em luanda, à sombra de imbondeiros


foto mns - em luanda, à sombra de imbondeiros - essas árvores maciças, atarracadas, esquálidas, cujos frutos me faziam lembrar enormes ratazanas penduradas pela cauda nos ramos descarnados Á direita será o Espinheira Rio ou o César, colegas do meu pai, o primeiro meu amigo de infância e jogatinas de cartas Segem-se a minha mãe e o escriba, sempre sorridentes, e de calções brancos o meu irmão caçula, o Zé Luís.



Comments
João Carreira Foto fantástica ... (só discordo de uma coisa : "à sombra de imbondeiros " ? grande porte ,concordo , mas sombra, ò Victor , desculpa lá !... ) .
Victor Barroso Nogueira Bem, João Carreira Sombra é sempre possível: basta que o sol esteja por detrás da árvore LOL
GostoResponder18/3 às 3:21


5/1
RAÍZES
"Maianga Maianga
Bairro antigo e popular
Da velha Luanda

Com palmeiras ao luar ..."

''A Praia do Bispo
Cheiinha de graça
De manha á noite
sorri a quem passa ..."

(das Marchas Populares em Luanda)
Longo era o bairro ao longo da marginal
Longo era o bairro do morro de S. Miguel ao morro da Samba
Grande era o bairro e grandes as casas
No meio o bairro operário e a igreja de S.Joaquim,
estreitas as ruas, pequenas as casas.

Nas traseiras, o morro,
no alto o Palácio,
Na frente a larga avenida,
o paredão, as palmeiras e os coqueiros
a praia que já não era do Bispo
mas das pedras, dos limos e dos detritos.

Mais além a ilha que era península
com a sanzala dos pescadores
casas de colmo no areal
da extensa e boa praia
o mar sem fim.

Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei

Não Angola mas Portugal
Todos os rios e afluentes
Todas as linhas férreas e apeadeiros
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.

De Angola
pouco sabiamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
a mentira
que alimenta
a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade.

Em Évora a 11 de Novembro
Em Luanda a bandeira do meu país
no mastro subiu.
Era o tempo da liberdade e da esperança.

No Porto
Em Lisboa
Em Évora estudei
Em Évora casei
Em Évora vivi e nasceram o Rui e a Suzana.

Em Setúbal moro e no Barreiro trabalho
Perdidos os amigos, 
perdida a infância
Estrangeiro sem raízes sou em Portugal.

82.01.13 comboio Setúbal/Barreiro
foto de família - luanda cerca de 1952 - esta carrinha Morris, creio que de cor creme, foi o 1º carro da família, contemporâneo do "jeep" cuja carroçaria o meu pai construiu no quintal, referido em post anterior-
Na foto a paisagem árida e seca dos arredores de Luanda, onde proliferam imbondeiros, figueiras da índia, entre outras plantas xerófilas como os cactos candelabros ou similares aos do sisal, para além do capim, erva, verde apenas na estação "fria".
Na carrinha, por detrás da cabine, a característica grade onde a miúdagem se agarrava para viajar em pé na carroçaria, o vento acariciando o rosto.
Devido ao clima e ao contrário do que vim encontrar em Portugal, as carrinhas eram de caixa aberta e não se chamavam camionetas.
Atendendo à vestimenta, devera ser o "cacimbo", uma das únicas duas estações climáticas tropicais, esta caracterizada pelo "frio", seca, não pluviosa, do orvalho (cacimbo) e do nevoeiro. que à noite nos fazia sobre a camisa enfiar um casaco ou uma camisola.
A outra estação, a das chuvas, não tinha nome, coincidindo com o ano lectivo em Portugal, a partir de 1952, qd passei da 1ª para a 2ª classe: 9 meses de calor infernal, elevada humidade relativa, torrenciais aguaceiros e terríficas trovoadas estrondosas e relampejantes, seguidas de sol e céu límpido.
A chuva e as trovoadas eram quase sempre nocturnas e a forçada coincidência dos anos lectivos nas colónias a sul do Equador, e na "Metrópole", sacrificando milhares de estudantes, destinou-se a "proteger" sem "hiatos" lectivos a minoria muito minoritária capaz e com possibilidade de prosseguir estudos universitários em Portugal.
Em 1952 as viagens de barco entre Portugal e Angola duravam 12 dias e a partir de 1960 e tais reduziram-se para 8 dias. Quanto às viagens por avião eram de 12 horas (aviões a hélice, quadrimotores) no início da guerra colonial, reduzidas para 8 horas com os aviões a jacto. Contudo em 1963 ainda eram os quadrimotores a hélice e levámos 19 horas devido à proibição de voos portugueses sobre o espaço aéreo dos países africanos recém-independentes, devido à guerra colonial
.
Note-se que a rede escolar se ia afunilando desde a escola primária – abrangia essencialmente a minoria "branca" e não havia universidades nas colónias antes do início da guerra colonial em Angola, no início de 1961, potência colonizadora, como não poucos de nós, nascidos em Angola, paulatinamente, a passámos a considerar a partir de 1961,como se reflecte no meu poema "Raízes"

............."Maianga Maianga
.............Bairro antigo e popular
.............Da velha Luanda
.............Com palmeiras ao luar ..."

.............''A Praia do Bispo
.............Cheiinha de graça
.............De manha á noite
.............Sorri a quem passa ..."

............(das Marchas Populares em Luanda)
Longo era o bairro ao longo da marginal
Longo era o bairro do morro de S. Miguel ao morro da Samba
Grande era o bairro e grandes as casas
No meio o bairro operário e a igreja de S.Joaquim,
estreitas as ruas, pequenas as casas.

Nas traseiras, o morro,
no alto o Palácio,
Na frente a larga avenida,
o paredão, as palmeiras e os coqueiros
a praia que já não era do Bispo
mas das pedras, dos limos e dos detritos.

Mais além a ilha que era península
com a sanzala dos pescadores
casas de colmo no areal
da extensa e boa praia
o mar sem fim.

Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei

Não Angola mas Portugal
Todos os rios e afluentes
Todas as linhas férreas e apeadeiros
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.

De Angola
pouco sabíamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
....................a mentira
que alimenta
..................a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade.

Em Évora a 11 de Novembro
Em Luanda a bandeira do meu país
no mastro subiu.
Era o tempo da liberdade e da esperança.

No Porto
Em Lisboa
Em Évora estudei
Em Évora casei
Em Évora vivi e nasceram o Rui e a Susana.

Em Setúbal moro e no Barreiro trabalho
Perdidos os amigos,
perdida a infância
Estrangeiro ......sem raízes ......sou em Portugal.

Victor Nogueira
1989
João Carreira mas há árvores, na n/Angola ,que nesses termos de sombra nos "acarinham" mais que os ditos -imponentes imbondeiros ... Abraço
João Carreira Victor Barroso Nogueira Lindo o Poema ... já o tinha lido na tua página ,faz tempo . Hoje , publiquei um Poema do Zé Mulemba ,"Fula Maria" ... não sei se conheces ... é lindo !
Victor Barroso Nogueira

Escreve uma resposta...
Maria José Fonseca Gostei das "ratazanas penduradas pela cauda"...