1) Antes do 25 de Abril de 1974 — quadro social e legal
-
Durante o Estado Novo (1933–1974) a mulher portuguesa estava sujeita a fortes limitações jurídicas e sociais: autonomia civil reduzida em domínios como capacidade conjugal e direitos laborais; a mulher casada tinha, na prática, menor autonomia face ao marido (autorização/constrangimentos em vários actos), e os papéis tradicionais (família, casa) eram fortemente reforçados pela legislação e prática social. A participação política e cívica feminina era muito limitada. Portugal.com+1
-
Direitos como voto universal em pleno, igualdade constitucional perante a lei e regimes de proteção contra discriminação só foram garantidos de forma abrangente depois do 25 de Abril e com a Constituição de 1976 (princípio da igualdade e direitos de família em termos de plena igualdade). Assembleia da República+1
2) Desde o 25 de Abril — avanços e recuos (constitucional + legislação chave)
Constituição e princípios gerais
-
A Constituição da República Portuguesa (1976, com emendas) consagra a igualdade entre cidadãos e princípios de igualdade entre géneros (Artigos 13 e 36 – igualdade, família, casamento e direitos). A Constituição tornou-se a base jurídica para políticas de igualdade e para a proibição de discriminação. Assembleia da República+1
Leis e instrumentos importantes (seleção cronológica / temática)
-
Lei da Paridade (Lei Orgânica n.º 3/2006) — estabelece regras para composição de listas eleitorais (política) e pretende aumentar a representação feminina nos órgãos eleitos. Reformas e medidas posteriores reforçaram mecanismos de representação equilibrada. Assembleia da República+1
-
Legislação anti-discriminação e de acesso a bens/serviços: transposição de diretivas europeias e leis nacionais que proíbem discriminação por sexo no acesso a bens/serviços (ex.: Lei n.º 14/2008 e outras medidas administrativas). A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE, agora CIG/CITE estruturas) acompanha legislação. CIG
-
Código do Trabalho (versões modernas; p.ex. Lei n.º 7/2009 e atualizações) e alterações mais recentes (incl. 2023) incorporam normas sobre igualdade, prevenção de discriminação, regimes de licença parental, proteção contra assédio e instrumentos para monitorar diferenças retributivas. Diário da República+1
-
Lei / regimes de igualdade remuneratória e transparência salarial (últimos anos): políticas recentes introduziram instrumentos de monitorização (barómetro das diferenças remuneratórias), obrigação de planos de correção, e selos de igualdade salarial; foi criada obrigação de recolha/relatório de dados por empresas para identificar discriminações retributivas. (Ver também iniciativa do «Selo Igualdade Salarial» e o Barómetro das Diferenças Remuneratórias). gep.mtsss.gov.pt+1
-
Quotas e representação em conselhos / órgãos de decisão: desde cerca de 2018 existem regras mínimas (percentagens) para representação do sexo sub-representado em empresas públicas, conselhos de administração de empresas cotadas e órgãos públicos, com limiares (p.ex. 33,3% em certas situações; 20%/40% noutros contextos conforme a lei/alterações recentes). Em 2019 houve aprovação de leis que visam 40% mínimos em alguns órgãos. PLANAPP+1
Avanços
-
Direito constitucional à igualdade e uma vasta legislação antidiscriminação.
-
Aumento da escolarização feminina (maior proporção de diplomadas do que homens em gerações mais jovens).
-
Medidas positivas (quotas, leis da paridade, legislação laboral e instrumentos de transparência salarial) e maior visibilidade política e institucional do tema. Assembleia da República+1
Recuos / lacunas persistentes
-
Persistem desigualdades salariais e de acesso a posições de topo; segregação por sectores/profissões; e a dupla jornada (trabalho remunerado + trabalho doméstico/cuidado não remunerado) continua a sobrecarregar mulheres. A aplicação/instrumentação das leis nem sempre corrige todas as diferenças (necessidade de fiscalização, recursos e mudança cultural). cesis.org+1
3) A mulher no mercado de trabalho — dados estatísticos, cargos de chefia, níveis remuneratórios, público vs privado, profissões mais feminizadas
Fontes principais usadas: INE (Pordata), CIG — Boletim Estatístico, relatórios de organismos nacionais e estudos (Informa D&B, GEP). Citarei os relatórios mais relevantes.
Indicadores gerais (taxas de emprego / atividade)
-
Em 2022–2023 há um diferencial persistente na taxa de emprego: por exemplo, dados utilizados em 2023/2024 mostram taxa de emprego (15+ anos) na ordem de ~60% para homens e ~52–53% para mulheres (diferença ca. 7–8 pontos percentuais). Quando se considera a população 20–64 anos, a diferença tende a reduzir, mas mantém-se. CIG+1
Diferença salarial (gender pay gap)
-
Diferença salarial média: Portugal apresenta um gender pay gap inferior à média da UE, mas ainda relevante. Valores reportados para 2023/2024 indicam:
-
Gap não ajustado (média) segundo várias fontes ronda entre ~8–16% dependendo da métrica usada (média vs mediana; base vs ganho), e das fontes: Eurostat/Comissão Europeia reporta ~8,6% (2023) para Portugal como diferença média; relatórios nacionais (Pordata, imprensa) apontam valores em torno de 11% (salário ganho ajustado) a 16% (diferença média mensal), dependendo da metodologia. Há também indicadores ajustados (controlando por características) que ficam mais baixos — por exemplo, o gap ajustado pode situar-se na casa dos 8–11% em 2023. Parlamento Europeu+2ECO+2
-
-
Notas metodológicas: há diferenças entre «gap simples» (média/mediana) e medidas ajustadas (controlando por ocupação, qualificação, horas, antiguidade). O regime legislativo mais recente introduziu medidas para aumentar transparência e obrigar empresas a justificar diferenças. gep.mtsss.gov.pt+1
Cargos de chefia / posições de liderança
-
Estudos e dados recentes mostram que as mulheres ocupam cerca de 27–30% dos cargos de gestão e liderança em empresas portuguesas (estudo Informa D&B divulgado em 2024) — ou seja, continuam sub-representadas em posições de topo, apesar de maior nível educativo médio. A desigualdade é, por vezes, mais acentuada nas grandes empresas. No setor público há progressos mais visíveis em representação (regimes de quotas e políticas internas), mas ainda há predominância masculina em níveis superiores. CIG+1
Público vs Privado
-
Administração pública: históricamente mais feminizada em termos de emprego total (setores como saúde, educação têm grande presença feminina). Nos quadros superiores da Administração Pública há tendência à masculinização nos cargos mais altos, embora haja dados que mostram aumento gradual da presença feminina em cargos de direção intermédia e superior — a representação difere por grau do cargo e por ministério/serviço. DGAEP+1
-
Setor privado: menor proporção de mulheres em cargos de topo comparativamente, maior heterogeneidade entre empresas pequenas e grandes; nas empresas cotadas houve imposição legal de limites mínimos para membros do sexo sub-representado (como consequência, progressos lentos mas mensuráveis). As grandes empresas apresentam maiores gaps salariais e menor representação feminina nos níveis mais altos. PLANAPP+1
Profissões / sectores com maior taxa de feminização
-
Mais feminizados: Saúde e proteção social; Educação; Ciências sociais, jornalismo e informação; alguns ramos dos serviços (pessoal administrativo, cuidados). Relatórios mostram taxas de feminização muito altas nestes cursos e profissões (p.ex. saúde e educação com taxas de feminização superiores a 70% em dados recentes de ensino superior e emprego). CIG+1
-
Mais masculinizados: Construção, indústrias transformadoras, tecnologias de informação e engenharia (profissões com baixa presença feminina). Essa segregação contribui para diferenças de remuneração e progressão na carreira. ECO
Quadros de pessoal / profissões com elevada feminização na AP
-
Na Administração Pública as maiores taxas de feminização verificam-se em pessoal de saúde (exceto médicos), pessoal docente, assistentes técnicos e alguns grupos técnicos e de justiça; globalmente a taxa média de feminização na AP é elevada, mas os cargos de topo ainda têm maior presença masculina. DGAEP
4) Síntese das conquistas, situação actual e perspectivas futuras
Síntese das conquistas
-
Conquista constitucional — igualdade formal consagrada na Constituição (1976) e reforçada por legislação subsequente.
-
Legislação antidiscriminação e laboral robusta: Código do Trabalho, normas sobre igualdade retributiva, proibição de discriminação, medidas para transparência salarial e planos de correção.
-
Políticas de representação: Lei da Paridade (2006) e leis/medidas posteriores que obrigam percentuais mínimos em listas/órgãos e impulsionam presença feminina em cargos eletivos e conselhos.
-
Melhoria educativa: geração jovem feminina com maior nível de escolaridade (mais mulheres no ensino superior).
-
Instrumentos de monitorização: boletins estatísticos, barómetros e selos que permitem medir e pressionar por mudanças. Assembleia da República+2Diário da República+2
Situação actual (resumo curto)
-
Igualdade formal assegurada mas desigualdades reais persistem:
-
Segregação ocupacional (setores feminizados vs masculinizado),
-
Desigualdade retributiva (gap médio significativo — dependendo da métrica, entre ~8% ajustado e >11–16% em medidas não ajustadas),
-
Sub-representação em cargos de topo (≈27–30% em gestão/leadership em empresas em dados recentes),
-
Dupla jornada e partilha desigual de trabalho de cuidados. Parlamento Europeu+2CIG+2
-
Perspectivas futuras — áreas prioritárias para ação
-
Transparência salarial e aplicação efetiva das medidas — reforçar fiscalização e exigir planos de correção com dados trimestrais/anuais; incentivo e exigência de reportes detalhados por grandes empresas (já em curso com o barómetro e regimes legais). gep.mtsss.gov.pt+1
-
Políticas de conciliação e cuidados — ampliar serviços públicos de cuidado (infância e idosos), estimular partilha parental (licenças parentais equilibradas e incentivos à tomada por parte dos pais). Diário da República
-
Acelerar representatividade nos níveis executivos — continuar quotas/limiares e medidas de governança que aumentem a presença feminina nos conselhos de administração e direcções. PLANAPP
-
Reduzir segregação por género nas profissões — promover STEM entre raparigas, formação reconversão e políticas ativas de emprego que incentivem a entrada feminina em sectores tradicionalmente masculinos. CIG+1
-
Cultura empresarial e social — programas de sensibilização, combate a estereótipos e investimento em igualdade real (não apenas formal). cesis.org
Referências principais (seleção para leitura imediata)
-
Constituição da República Portuguesa (texto; artigos sobre igualdade). Assembleia da República
-
Lei da Paridade / Parlamento — resumo histórico e texto. Assembleia da República
-
Código do Trabalho (versão traduzida / sumário sobre igualdade e não-discriminação). Diário da República
-
Boletim Estatístico «Igualdade de Género em Portugal» (CIG, 2023/2024) — indicadores sobre emprego, áreas feminizadas, cargos de chefia. CIG+1
-
Estudos e artigos sobre gender pay gap e instrumentos nacionais (GEP / GEP-MTSSS, PORDATA, Eurostat). Parlamento Europeu+1
-
Relatório / estudo Informa D&B sobre mulheres em cargos de gestão (2024). CIG