Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

segunda-feira, 25 de abril de 2016

25 de Abril de 2016


foto victor nogueira - lisboa - rua antónio maria cardoso - mural (entretanto destruído) homenageando as ´ultimas vítimas assassinadas pela PIDE/DGS antes da sua rendição em 25 de Abril de 1974. A sede nacional da Pide, cujo edifício era propriedade da Casa dos Duques de Bragança,é hoje um Hotel de luxo.

Ficam CINCO canções emblemáticas.

De José Afonso, que tal como Adriano Correia de Oliveira, não é "Herói" no Panteão Nacional, 

GRÂNDOLA VILA MORENA


e OS VAMPIROS 

e de Ermelinda Duarte
SOMOS LIVRES


 e com José Mário Branco EU VIM DE LONGE




culminando com Sérgio Godinho em
LIBERDADE


 


sábado, 23 de abril de 2016

Gilberto de Oliveira e o Campo de Concentração do Tarrafal



foto Victor Nogueira (1997)

Eu e Gilberto de Oliveira fomos amigos e visitei-o muitas vezes na sua casa, na Ajuda, em Lisboa, na Rua Dom Vasco.. Foi membro do Comité Central do PCP e prisioneiro no Campo de Concentração do Tarrafal, sobre o qual publicou nas Edições Avante a “Memória Viva do Tarrafal “ (1ª edição 1987). Já cego, ajudei-o a compilar e a fixar o texto da sua poesia. Na efeméride da criação do chamado “Campo da Morte Lenta” partilho a sua poesia anterior e coeva das suas prisões, a 1ª das quais aos 18 anos. Gilberto de Oliveira, já falecido, nascera em 1915. 

CONTINUA EM 
http://osabordolhar.blogspot.pt/2016/04/gilberto-de-oliveira-e-o-campo-de.html 

RETRATO EM CINZENTONHA TARDE


RETRATO EM CINZENTONHA TARDE

Quem tu és não sei 
e o teu nome me dirás ?

Na avenida lá em baixo
com esparsos carros
- despida -
para lá do parque verde

A voz coriácia
como nós

Lassos e com embaraços
os abraços

Sem pão a mão
só, no desvão
em guarda-pó

Parado o arado
sem vida
não fia nem porfia


setúbal 2016.04.23

foto victor nogueira - setúbal - escultura no largo da fonte nova da autoria de Jorge Pé-Curto representando a operária conserveira Mariana Torres, assassinada pelas forças policiais em setúbal durante uma greve, conjuntamente com António Mendes, a 13 de Março de 1911. Curiosamente atacados na altura pela feminista e republicana Ana de Castro Osório, que estava posicionada do lado do patronato contra quem o operariado setubalense lutava por melhores condições de vida e de trabalho.



das séries


Sobre Mariana Torres e a escultura ver
Olá Mariana
in http://troineiro.blogspot.pt/2016/03/ola-mariana-marianamariana-quanto-tempo.html
por Rui Canas Gaspar

sábado, 2 de abril de 2016

NOS 40 ANOS DA CONSTITUIÇÃO QUE FOI DE ABRIL




Victor Barroso Nogueira
NOS 40 ANOS DA CONSTITUIÇÃO QUE FOI DE ABRIL
3 + 1 TEXTOS DE VICTOR NOGUEIRA
* [2001] A Revolução e as Conquistas dos Trabalhadores inhttp://aoescorrerdapena.blogspot.pt/…/a-revolucao-e-as-conq…

* [2004] Ainda a VI Revisão Constitucional inhttp://aoescorrerdapena.blogspot.pt/…/ainda-vi-revisao-cons…

* [2006] A mulher e o mundo do trabalho - igualdade por cumprir inhttp://aoescorrerdapena.blogspot.pt/…/victor-nogueira-mulhe…


2016 é o dos 40 anos da Constituição da República Portuguesa. (CRP) «Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa»,diz o preâmbulo da Lei Fundamental aprovada em 2 de Abril de 1976, na sequência de amplas e participadas movimentações e reivindicações dos Trabalhadores e do Povo Português. A CRP acolheu e consagrou assim importantes direitos e conquistas e fixou como objectivos do Estado a construção duma sociedade socialista, com base no exercício do poder pelas classes trabalhadoras e participação activa das populações.
Na rua e nos locais de trabalho os trabalhadores e as populações exerceram o poder, conquistando no dia-a-dia a soberania popular, os direitos de petição e de acção popular, o de participação na vida pública, a igualdade perante a lei, as liberdades de organização e de associação, a de consciência, a de religião e de culto, a de expressão e de informação, os direitos e o dever de trabalhar, os direitos à greve e à contratação colectiva, à protecção legal dos representantes dos trabalhadores, à segurança social, à saúde e à habitação, os de reunião e de manifestação, entre outros, como o da protecção à maternidade e paternidade, à criança e à juventude, para além da igualdade de género.
40 anos depois e ao longo destes. PS/PSD/CDS de mãos dadas e em sucessivas revisões constitucionais retiraram o socialismo, os trabalhadores e as populações dos objectivos da Constituição e das práticas governativas, a favor da restauração capitalista.

1926 a 1974 - 48 anos sem direitos

* Victor Nogueira



Fernando LOPES-GRACA (1906 - 1994) 
Requiem pelas Vitimas do Fascismo em Portugal (1979)
1926 a 1974 - 48 anos sem direitos
"Ter a posse do poder e não ter a posse das consciências é ter um poder precário que a primeira convulsão fará ruir" (Salazar)

Os princípios fundamentais do regime fascista são estabelecidos em 1933:pela Constituição e pelo Estatuto do Trabalho Nacional e baseavam-se na negação da luta de classes, isto é, na ideia da conciliação e solidariedade de classes e no activo repúdio das ideias subversivas, designadamente do comunismo. Nestes diplomas fundamentais estabelecia‑se que “ a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social em regime de cooperação económica e solidariedade.” e que “ o direito de conservação ou amortização do capital das empresas e o seu justo rendimento são condicionados pela natureza das cousas, não podendo prevalecer contra ele os interesses ou os direitos do trabalho.”
Duma penada se negava aquilo que de facto não existe, isto é, a solidariedade e a cooperação entre o capital e o trabalho. Sendo solidários e cooperantes segundo a Lei, os trabalhadores afinal não participavam na gestão das empresas nem podiam exigir que estas lhes fornecessem trabalho.

Com efeito, segundo o mesmo Estatuto, “o direito ao trabalho (...) nunca o pode ser pela imposição do trabalhador, dos organismos corporativos ou do Estado, salvo, no que respeita a este último, o direito que lhe assiste, em caso de suspensão concertada de actividades, de usar de todos os meios legítimos para compelir os delinquentes ao trabalho.”

Primeiro os lucros e só depois os trabalhadores, que passavam a delinquentes se lutassem pelo direito ao trabalho e ao salário.

O Estado e todo um aparelho repressivo ajudavam a impor e defender os interesses do patronato: a greve era proibida, a Pide dizia quem podia ou não ser dirigente sindical, os jornais só publicavam o que a censura deixava passar, as reuniões tinham de ser autorizadas com antecedência, o direito de associação era condicionado e os estatutos dos sindicatos tinham de ser aprovados pelo Governo, podendo qualquer associação ser dissolvida se afrontasse o governo e o capital.

Pobres mas honrados, embora analfabetos, era o lema do fascismo, embora houvesse alguns muito ricos. Por toda a parte a PIDE tentava infiltrar‑se, com a sua rede de informadores e os tribunais plenários zelavam para que a contestação fosse abafada e as vozes discordantes silenciadas, nem que para isso fosse necessário recorrer aos despedimentos sumários, à proibição do trabalho ou à morte lenta nas prisões fascistas ou ao assassínio ao virar duma esquina.

Funcionários públicos: serventuários com deveres
Também na Administração Pública não havia lugar para trabalhadores com dignidade e direitos, referidos na Lei como “serventuários”, sem direitos de cidadania: Os “serventuários” não podiam fazer greve ou formar sindicatos, e se o tentassem seriam simplesmente demitidos.

Lei fundamental era o CÓDIGO ADMINISTRATIVOde 1940. Vinte e cinco anos depois da Revolução dos Cravos, neste tempo presente com “diálogo sorridente”, quando se retiram novamente direitos aos trabalhadores, é útil lembrar os anos negros do fascismo, em que éramos considerados servidores do Estado a tempo inteiro, transformados em delinquentes ou díscolos sempre que pretendíamos exercer os nossos direitos de cidadania.´

O pessoal dos corpos administrativos tinha direitos de acordo com o seu estatuto e quadro, distinguindo-se várias categorias, conforme a respectiva importância para o Estado:

Uns eram de nomeação vitalícia, como os funcionários do quadro geraladministrativo, dependentes do Ministério do Interior. Dos restantes, que pertenciam aos quadros privativos, a esmagadora maioria era contratada, "pelo prazo de um ano, a contar da data da posse, considerando-se (o contrato) tácita e progressivamente renovado, por iguais períodos, se não fosse denunciado por qualquer das partes”.

pessoal maior dos serviços especiais constituía um quadro próprio em cada corpo administrativo, englobando bibliotecários, arquivistas, analistas, desenhadores, topógrafos, fiscais sanitários e fiscais de obras habilitados com o 2º ciclo do curso dos liceus ou com curso especial. Os médicos municipais eram remunerados por gratificação. Os contratos deste grupo de não poderiam em caso algum exceder três anos, tacitamente renováveis por períodos de um ano .

Uma outra categoria de trabalhadores era o pessoal auxiliar, especializado e operário, que poderiam ser incluídos nos quadros com a forma de provimento que fosse determinada pelo Ministro do Interior. Neste grupo de pessoal, só os contratados eram considerados funcionários administrativos, sendo recrutados por livre escolha.

Para além dos assalariados do quadros, os corpos administrativos poderiam empregar assalariados para a prestação de serviços eventuaiscom direitos ainda mais reduzidos.

Finalmente poderiam ser providos para preencher interinamente lugares dos quadros privativos indivíduos que reunissem os requisitos especiais para o seu exercício. O interino, em princípio nomeado por prazo não superior a um ano, poderia ser demitido a todo o tempo e não adquiria quaisquer direitos, salvo aos correspondentes vencimentos. Contudo cabiam-lhe todos os deveres, gerais e especiais, inerentes à função desempenhada.

A posse verificava-se mediante a prestação de juramento de fidelidade à Pátria, de cooperação na realização dos fins superiores do Estado, de defesa dos princípios fundamentais da ordem social e política estabelecida na Constituição, de respeito pelas as leis e com dedicação ao serviço público de todo o zelo, inteligência e aptidão ... do “serventuário”. Já se viu qual o fim desta lenga lenga. Anteriormente o juramento era mais directo mas do mesmo modo implicava o activo repúdio do comunismo e doutras ideias subversivas.

Contudo havia mais deveres para cumprir. Assim os funcionários estavam ao serviço da colectividade e não de qualquer partido ou organização de interesses particulares, incumbindo-lhes acatar e fazer respeitar a autoridade do Estado. E, retomando a Constituição e o Estatuto do Trabalho Nacional, determinava-se que era "vedado aos funcionários administrativos constituírem-se em sindicatos privativos ou integrar‑se colectivamente em qualquer organismo corporativo ou associação profissional".

Entre os deveres comuns, estavam os de "concorrer aos actos e solenidade oficiais para que fossem convocados pelas autoridades superiores, dar o exemplo de acatamento pelas instituições vigentes (...) e opor-se com decisão a todas as tentativas ou actos de alteração da ordem pública e aos de insubordinação ou indisciplina dentro dos serviços".
A greve, a tentativa de exercer os direitos de associação ou de reunião, cabiam perfeitamente nos actos de que se deviam abster e a que se deviam opor.

Entre outros deveres comuns figuravam "honrar os seus superiores (...) tratando-os, em todas as circunstâncias, com deferência e respeito ou dar o exemplo de acatamento das instituições vigentes e de respeito pelos seus símbolos e autoridades representativas".

Os serventuários, agentes e alvo da repressão
Neste quadro, que “direitos” lhes eram reconhecidos? Uma das licenças que os funcionários administrativos e só estes podiam gozar era licença graciosa, hoje licença para férias, que só podia ser concedida aos funcionários com mais de um ano de serviço efectivo que tivessem boas informações dos seus chefes e cuja ausência não prejudicasse o serviço das secretarias. O seu limite máximo era de 30 dias em cada ano, podendo sempre ser revogáveis por conveniência de serviço. Aos funcionários que em dois ou três anos consecutivos não tivessem gozado a licença poderiaser concedida licença até ao máximo de 60 ou 90 dias se quisessem gozá-la fora do continente ou do distrito insular onde exercessem funções (sublinhado meu)

Contudo não tinham direito a licença graciosa os funcionários que há menos de um ano tivessem sofrido pena disciplinar superior à de repreensão verbal ou escrita. Isto significava que perderiam o direito à licença graciosa os que tivessem desobedecido às ordens dos seus chefes, sem consequências importantes ou os que na arrumação dos livros e documentos a seu cargo não tivessem observado a ordem estabelecida superiormente ou que na escrituração houvessem cometido erros por falta de atenção,. se destes factos não tivesse resultado prejuízo para o serviço.
Note-se aliás que as penas disciplinares, em certas condições, implicavam também baixas na escala de antiguidade do respectivo quadro, passando o serventuário a ocupar o último lugar.

Mas a arbitrariedade era maior relativamente ao chamado ... pessoal menor, com direitos mais reduzidos. Com efeito "aos assalariados de um e outro sexo com bom comportamento, zelo e reconhecida assiduidade e mais de cinco anos de serviços efectivos poderiam ser concedidos, em cada ano civil e sem prejuízo do serviço, até doze dias de licença sem perda de vencimentos"A falta ao serviço, mesmo que participada ao respectivo chefe, implicava a correspondente perda de salário. Em caso de doença aos assalariados eram pagos os vencimentos na totalidade até ao 20º dia, a partir dos quais eram feitos descontos progressivos: reduzia-se o salário a 50 % do 21º ao 40º dia de doença e a 25 %    do 41º ao 60º. Depois, não havia mais nada para ninguém!

Num regime que pretendia manter as mulheres no lar e que exaltava a maternidade nos seus discursos oficiais, que direitos lhes eram reconhecidos? Não havia assistência durante a gravidez, mas as assalariadas parturientes receberiam o salário por inteiro durante quinze dias e, fosse quem fosse, seria dispensado sumariamente do serviço aquele que não fosse encontrado no domicílio estando com parte de doente

Os assalariados eventuais eram-no em princípio por ajuste verbal sendo a sua remuneração reportada ao dia ou à semana, mas era-lhe negado o direito à aposentação, só reconhecido ao pessoal dos quadros, aliás em conformidade com o DL 26 115 de 1935, que procedeu à reforma de vencimentos do funcionalismo civil, estipulando que a aposentação era garantida para os funcionários de nomeação para lugar de serventia vitalícia ou exercido em comissão a que a lei vigente reconhecesse aquele direito .

Os funcionários contratados teriam esse direito desde que passassem a vitalícios ao fim de determinado número de anos ou desde que estivesse previsto o seu ingresso em lugar de serventia vitalícia do respectivo quadro permanente

O restante pessoal contratado ou assalariado de carácter permanente só teria esse direito se este tivesse sido reconhecido ou viesse a sê-lo por disposição da lei.

Havia incompatibilidades determinadas pelo Código Administrativo como a que proibia o funcionário público de ser editor, director ou proprietário de jornais ou publicações periódicas que não fossem de carácter exclusivamente científico ou literário.

Disciplina, disciplina e mais disciplina ....
Estatuto Disciplinar, parte integrante do Código, constituía um apertado colete repressivo de proibições e de arbitrariedades, a começar pela própria definição de disciplina, determinando que "a violação de deveres é punível quer consista em acção quer em omissão, e independentemente de ter produzido resultado perturbador do serviço", isto é, tudo podia dar origem a processo disciplinar.
Entre as infracções puníveis com as penas de suspensão de exercício e vencimentos figurava a frequência, com escândalo, de tabernas ou prostíbulos (...), a convocação ou promoção de reuniões ou manifestações políticas contrárias à orientação política do Estado, a manifestação, pela imprensa ou de qualquer outro modo, sobre a orientação, os actos ou as decisões do Governo ou dos corpos administrativos, discordando deles ou censurando-os, a divulgação de boatos destinados a perturbar a tranquilidade ou a ordem pública (...) ou a discussão pública dos actos do Presidente da República, dos Ministros, dos Subsecretários de Estado e dos governadores civis ou de quaisquer outros funcionários superiores da administração pública, com ânimo de injuriar as suas pessoas ou de deturpar a verdade, ou a ofensa, por qualquer forma ou meio do prestígio do Estado, da honra e consideração devidas ao seu Chefe e ao Governo.
As penas de aposentação e de demissão compulsiva eram aplicadas designadamente aos que recusassem, sob qualquer pretexto, a prestação do juramento de fidelidade, aos que incitassem à indisciplina ou a insubordinação os seus inferiores hierárquicos ou que aconselhassem ou por qualquer forma provocassem o não cumprimento dos deveres inerentes à função pública, à desarmonia entre os elementos da força armada ou à desobediência às leis, decretos e ordens das autoridades, os que publicamente professassem opiniões contrárias à existência e integridade de Portugal como país independente ou favoráveis à subversão da ordem política e social vigente, aos que praticassem, durante o serviço público, actos de grave insubordinação ou indisciplina. Estas penas abrangiam também os que se concertassem com outros funcionários para a cessação simultânea do serviço público ou que entrassem e coligação para esse efeito, isto é, aos que preparassem ou aderissem a qualquer greve.
Entre as agravantes especiais figuravam "a combinação com outros indivíduos para a prática da falta e a premeditação, (que) consiste no desígnio formado 24 horas antes, pelo menos, da prática da infracção." A existência duma qualquer circunstância agravante especial impedia a consideração de qualquer atenuante, mesmo especial, e obrigava à aplicação do máximo da pena correspondente à infracção mais grave a castigar.
O ambiente repressivo e denunciante era absolutamente necessário para a manutenção da ordem e da autoridade públicas pelo que se determinava que "nenhuma falta deixará de merecer a atenção do superior hierárquico, para que a disciplina dos serviços seja mantida em termos justos, tendo-se sempre presente que o exemplo do inteiro cumprimento do dever e o espírito de sacrifício no exercício das funções públicas são os maiores factores da disciplina e da boa ordem nos serviços". A perseguição e o medo tinham de ser constantes e, dentro deste espírito estipulava‑se que "as participações, queixas ou denúncia contra qualquer funcionário deverão merecer sempre toda a atenção à autoridade do corpo administrativo a quem forem dirigidas, os quais só deixarão de lhes dar seguimento quando fundamentadamente se convençam da sua improcedência(sublinhado meu)

Perante este quadro de direitos e esta malha repressiva, os vencimentos dos “serventuários” eram mais uma graça e uma mercê quer do Governo, quer dos corpos administrativos.

... e alguns limitados direitos
Primeiro era o livro de ponto, estipulando-se que depois da sua assinatura até quinze minutos depois da hora, "nenhum funcionário pode ausentar-se sem licença do respectivo chefe, a qual só poderá ser concedida por motivo justificado e pelo tempo estritamente necessário", equivalendo a contravenção à marcação de falta injustificada.

Depois, de acordo com o Decreto com força de lei nº 19 478 de 18 Março 1931, regulamentavam-se os horários de trabalho e o trabalho extraordinário, nos seguintes moldes:

O trabalho fora das horas normais estabelecidas para a execução de serviços especiais, e bem assim o serviço dos telefones privativos ou do pessoal menor, poderia ser remunerado. O pessoal menor e o seu chefe deveriam comparecer uma hora antes da abertura dos trabalhos, sendo sempre os últimos a sair. Para os restantes, "chegada a hora de saída em cada dia, nenhum funcionário se retirará sem que o chefe da repartição, director, directos de serviços, chefe de delegação e posto declare terminado o trabalho daquele dia. (...)"

Por seu turno o DL 26 115 de 1935, que legislou sobre a reforma de vencimentos do funcionalismo civil, determinava que "não poderão ser considerados trabalhos extraordinários para efeito de retribuição suplementar aqueles que o funcionário tiver de efectuar, fora das horas normais de expediente, para que os serviços que lhe estão cometidos, em especial, e ao organismo de que faz parte, em geral, se mantenham em ordem e em dia, nem os necessários para actualização dos serviços correntes em atraso."

Considerando os princípios da solidariedade e face aos baixos salários e vencimentos, até 1954 o Código Administrativo estabelecia que "o Governo determinará que os vencimentos dos funcionários fiquem sujeitos a uma dedução cujo produto se destine exclusivamente a subsidiar o sustento e a educação dos filhos dos funcionários que tiverem família numerosa".

À diversidade de vínculos jurídicos e de estatutos, correspondiam diferentes níveis de vencimentos, designadamente para o pessoal dos quadros privativos dos corpos administrativos. Os vencimentos eram actualizados mas sempre com muitos anos de intervalo e apenas quando cada um dos corpos administrativos o entendesse e de acordo com os respectivos orçamentos e disponibilidades financeiras.

A reforma do “sistema remuneratório” foi tentada com o DL 30/70, que actualizou os vencimentos dos funcionários administrativos, em cumprimento do DL 49 410 de 24 Novembro 1969, pretendendoestabelecer vencimentos uniformes para o pessoal de carteira, do quadro geral e dos quadros privativos, bem como para certas categorias de pessoal auxiliar e dos serviços especiais, constantes de mapas aprovados pelo Governo

Os restantes tinham remunerações de acordo com o fixado pelas respectivas autarquias, variável, pelo que ficava ao critério destas decidir ou não pelas actualizações, em função dos seus orçamentos, ou fixar novos vencimentos, respeitando no entanto os limites legalmente fixados.
Também nas Regiões Autónomas e nas câmara municipais o vencimento do escrivão ou dos auxiliares de secretaria era fixado livremente pela respectiva Câmara, não podendo contudo exceder determinados montantes.

Foi com o 25 de Abril, em 1974, que se criaram condições para a modificação do ambiente repressivo que existia na Administração Pública Central, Regional e Local, para que de serventuários nos transformássemos em cidadãos plenos e trabalhadores com direitos.

Só a partir de então se estabeleceu o princípio das actualizações anuais das remunerações dos trabalhadores da Administração Pública No entanto o DL 506/75 de 18 Setembro não conseguiu corrigir as disparidades e a uniformização das categorias e vencimentos apenas se deu com o DL 76/77 de 1 Março, que também pretendeu instituir o primeiro sistema de carreiras.

Longo e não poucas vezes áspero tem sido o caminho dos trabalhadores em luta pelos seus direitos e pela sua dignidade, organizados em torno dos seus sindicatos representativos o que é matéria para outro artigo.

Victor Nogueira
publicado no Jornal do STAL nº 53 (1999 Abril)

e no PortugalClub

A Revolução e as Conquistas dos Trabalhadores

nos 40 anos do 25 de abril - 24 - conquistas

10 de Maio de 2014 às 19:14

  • Victor Nogueira
A economia ao serviço do Povo e do País
Os direitos económicos e sociais
Os ataques à Constituição e as sucessivas revisões
O Poder Local Democrático, factor de progresso e de melhoria da qualidade de vida das populações.
A conquista dos direitos e da dignidade
A ofensiva capitalista e a negação dos direitos e das garantias

2014 é o dos 40 anos do 25 de Abril e 38 da Constituição da República Portuguesa. (CRP) «Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa»,diz o preâmbulo da Lei Fundamental aprovada em 2 de Abril de 1976, na sequência de amplas e participadas movimentações e reivindicações dos Trabalhadores e do Povo Português. A CRP acolheu e consagrou assim importantes direitos e conquistas e fixou como objectivos do Estado a construção duma sociedade socialista, com base no exercício do poder pelas classes trabalhadoras e participação activa das populações.

Na rua e nos locais de trabalho os trabalhadores e as populações exerceram o poder, conquistando no dia-a-dia a soberania popular, os direitos de petição e de acção popular, o de participação na vida pública, a igualdade perante a lei, as liberdades de organização e de associação, a de consciência, a de religião e de culto, a de expressão e de informação, os direitos e o dever de trabalhar, os direitos à greve e à contratação colectiva, à protecção legal dos representantes dos trabalhadores, à segurança social, à saúde e à habitação, os de reunião e de manifestação, entre outros, como o da protecção à maternidade e paternidade, à criança e à juventude, para além da igualdade de género.

A economia ao serviço do Povo e do País

O ascenso da luta de classes forçou a nacionalização de sectores estratégicos da economia(banca e seguros, produção e distribuição de energia eléctrica, empresas petrolíferas, transportes aéreos, marítimos, rodoviários e ferroviários, telecomunicações, indústria transformadora e extractiva, incluindo a cimenteira, a siderúrgica e a reparação construção naval) bem como a expropriação de vastas áreas de latifúndio, no quadro da realização duma reforma agrária. 

Deste modo se criou a base para o lançamento duma economia não capitalista, planificada, com a coordenação concreta e participada dos trabalhadores, para se substituírem importações e aumentar a utilização dos recursos nacionais.

A enorme adesão e acção populares forçaram importantes decisões em sectores como os da energia, transportes, saúde pública, habitação, defesa do meio ambiente, ensino, creches, desporto, cultura e recreio, segurança dos moradores, situação nas empresas, além da situação política geral.

Incorporando os direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, na sequência da derrota do nazi-fascismo, a CRP era a mais avançada do chamado «mundo ocidental», ao definir a propriedade pública dos principais meios de produção e de sectores estratégicos da economia nacional como base para a concretização dum conjunto de direitos sociais, económicos e culturais tendo como objectivo a transição para uma sociedade socialista e sem classes.

Os direitos económicos e sociais

O salário mínimo nacional (SMN) para a indústria e serviços e para a Administração Pública foi criado logo em 1974, seguido em 1977 e em 1978 para os serviços domésticos. Em 1991 fundiram-se num só os SMN para a indústria e serviços e para a agricultura, mantendo o SMN para os serviços domésticos e estabelecendo um modelo que actualmente ainda está consagrado. A importância do SMN mínimo resulta também do facto de servir de referência para muitas negociações salariais e para prestações sociais.

Além dos aumentos salariais, nos dois anos seguintes à Revolução de Abril, os trabalhadores conseguiram através da contratação colectiva ou por decreto-lei, benefícios sociais muito diversos, sendo de referir as reduções de horários de trabalho, a criação do subsídio de desemprego, o estabelecimento generalizado do direito a férias, com um subsídio equivalente ao salário, a proibição dos despedimentos sem justa causa, e a melhoria, ainda que insuficiente, das pensões de reforma, de velhice e de invalidez. Neste mesmo foi reconhecida a Intersindical Nacional como a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses.

Em 1976, entre outras medidas, são de referir o reconhecimento a todas as trabalhadoras duma licença de maternidade por 90 dias e a criação do passe social.

A melhoria da rede de estradas e a quebra do isolamento das populações, a electrificação dos lugares mais isolados e afastados, a generalização do abastecimento de água canalizada e da rede de saneamento básico, a melhoria das condições de habitabilidade, o alargamento da rede escolar e de cuidados de saúde foram possíveis apenas porque prevalecia não a lógica do lucro as sim a da satisfação das necessidades colectivas por parte do Estado, isto é, da Administração Pública Central e Local.
  
Os ataques à Constituição e as sucessivas revisões

O conteúdo fortemente progressista foi quase de imediato alvo prioritário das forças de direita e do patronato, com especial relevância desde a entrada de Portugal na União Europeia e a ractificação sem consulta popular dos Tratados como os de Maastricht (1992) e de Lisboa (2009) bem como o Pacto Orçamental, (2012) antecedido este pelo chamado Memorando com a Troika, assinado pelo PS/PSD/CDS, conducentes à perda das soberanias popular e nacional, em favor dos grandes grupos económico-financeiros nacionais e transnacionais, com o desmantelamento do Estado Social e a negação de direitos consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na CRP de 1976.

As revisões constitucionais, iniciadas logo em 1982, visaram sobretudo os trabalhadores e as suas organizações de classe, conduzindo à inversão do processo de desenvolvimento económico e social da sociedade portuguesa e da sua democratização a todos os níveis.

A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia constituiu outro importante instrumento para a recuperação do capital transnacional, contrário à Europa social e dos trabalhadores.

Com o PS de Mário Soares no governo, a Assembleia da República e o I Governo Constitucional abriram caminho à reprivatização das empresas nacionalizadas e à restauração da agricultura latifundiária e do capitalismo monopolista. A lei dos contratos a prazo (1978) foi outra peça fundamental na ofensiva contra o direito à vida e ao trabalho.

Logo na primeira revisão constitucional (1982), pela maioria PS/PSD/CDS, foram eliminadas as referências à transição para o socialismo, às relações de produção socialistas, ao poder democrático das classes trabalhadoras, à transformação de Portugal numa sociedade sem classes, à abolição da exploração do homem pelo homem.

Ao substituir o princípio da propriedade colectiva dos principais meios de produção pelos de uma economia mista, embora baseada num núcleo essencial de empresas que não poderiam ser (re)privatizadas, ao determinar que deixava de ser tarefa do Estado apoiar as experiências de autogestão,  e ao limitar o alcance da reforma agrária, a maioria PS/PSD/CDS na Assembleia da República inviabilizava a base material de uma sociedade socialista, como garante da concretização dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais das classes trabalhadoras.

Na segunda revisão (1989) a maioria PS/PSD/CDS eliminou a protecção e consagração constitucional de grandes transformações económicas e sociais da Revolução, como as nacionalizações e a reforma agrária. Contudo, manteve-se na Constituição o objectivo da instauração da «democracia económica, com vista à construção duma sociedade livre, justa e solidária».

Apesar disso, os ataques aos direitos dos trabalhadores prosseguiram, com a lei dos despedimentos individuais e colectivos (1989), admissão do trabalho temporário e precarização do emprego e a revogação da lei de protecção aos representantes dos trabalhadores.

Em 1991 foi revista a lei de delimitação dos sectores, estabelecendo-se também novo regime de cálculo das indemnizações aos proprietários do capital das empresas nacionalizadas. Vários sectores públicos ficaram assim expostos à privatização, designadamente o abastecimento de água e saneamento, até aí da exclusiva responsabilidade das autarquias, o que representou uma clara cedência aos interesses económicos privados e um duro golpe contra os direitos adquiridos dos trabalhadores e populações e o próprio interesse nacional.

Insistindo neste caminho, a maioria socialista, aliada ao PSD/CDS na Assembleia da República, levou a cabo a quarta revisão (1997), para facilitar ainda mais as privatizações e diminuir os direitos dos trabalhadores e das suas organizações representativas. Foram impostas restrições ao direito à greve (com o alargamento dos serviços mínimos) e limitada a acção das associações sindicais e das comissões de trabalhadores, Sucederam-se códigos de trabalho do ps(d)cds no sentido de esvaziar a contratação colectiva e o poder dos sindicatos enquanto órgãos representativos dos trabalhadores, enquanto se diminuem as garantias de protecção ao despedimento sem justa causa e o valor das indemnizações, tudo isto a favor e em benefício do grande patronato. Concomitantemente e com especial relevo desde 1995,  asiste-se ao desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública e das componentes universal e solidária da Segurança Social, em benefício do sector privado, designadamente da banca e das seguradoras.

Relevante foi também a introdução, no art.º 8.º duma norma nova, aprovada pelo PS/PSD/CDS e rejeitada pelos restantes partidos parlamentares, com duas gravíssimas consequências que são, por um lado, a admissão da supremacia do direito comunitário sobre o direito nacional, incluindo a própria Constituição da República, por outro, a anuência a que os termos em que se processará essa prevalência sejam definidos pelo próprio direito da União.

Dito de outro modo, a Constituição passou a reconhecer ao direito da União (sem especificar qual direito da União) a faculdade de definir os termos em que as suas normas vigorarão em Portugal. As revisões subsequentes tiveram como objectivo prioritário a perda da soberania nacional e dos direitos dos trabalhadores e das populações em favor dos direitos do Capital.

Em marcha está uma Europa ao serviço do capital e das transnacionais, comandada por um punhado de países mais desenvolvidos, que pretendem impor a sua vontade imperial os restantes Estados soberanos, de que o actual Governo na senda dos anteriores prossegue, com redobrada intensidade, rumo à situação social e política que se vivia antes do 25 de Abril.

O Poder Local Democrático, factor de progresso e de melhoria da qualidade de vida das populações.

Uma importante conquista foi a do Poder Local Democrático, acolhido na Constituição de 1976, não como braço do poder central sediado em Lisboa mas sim como forma de expressão diversificada das populações ao nível do município e das freguesias, espaço de debate e de diálogo para a resolução dos problemas locais.

Enorme escola de formação e participação democráticas das populações e de milhares de eleitos, as autarquias, apesar dos entraves postos à sua actuação e da insuficiência de recursos financeiros, permitiram importantes realizações em variadíssimos domínios de que se destacam três em particular.O domínio das infra-estruturas:  o domínio da animação socio-cultural e da educação: o domínio da preservação do património local.

O domínio das infra-estruturas: rede de esgotos (águas domésticas e pluviais); abastecimento de água; drenagem de esgotos e recolha de lixo; tratamento de efluentes domésticos e industriais; apoio em projectos, terrenos e infra-estruturas a cooperativas de habitação e associações de moradores e à auto-construção; recuperação de loteamentos «clandestinos» consolidados e recuperáveis bem como apoio a recuperação de casas degradadas; construção e reparação de estradas municipais e caminhos vicinais, contribuindo para quebrar o isolamento de inúmeras povoações  e lugares; construção de mercados, cemitérios, equipamento desportivo (campos de jogos diversos, pavilhões gimno-desportivos, equipamentos polivalentes, tanques e piscinas de natação, circuitos de manutenção) e de protecção  e apoio à infância (creches e jardins de infância), parques infantis, jardins e espaços verdes; construção de postos médicos em zonas rurais (embora da responsabilidade da administração central)

O domínio da animação socio-cultural e da educação: acções de apoio à terceira idade (excursões, visitas organizadas, festas e convívios); apoio a iniciativas culturais, com apoios a colectividades, grupos de teatro, ranchos, bandas; fomento das actividades desportivas; exposições e colóquios, espectáculos musicais e de teatro ou cinema; construção de praias fluviais; apoio às actividades escolares e aos tempos livres das crianças e jovens; apoio às actividades escolares e aos tempos livres das crianças e jovens; responsabilidades nos transportes escolares e acção social escolar

O domínio da preservação do património local: construção de centos culturais, bibliotecas e museus; defesa e valorização do património cultural, arqueológico e da arquitectura tradicional; recuperação de arquivos históricos, das artes, tradições e cultura populares, da literatura oral; edição de monografias, boletins culturais e outras publicações e apoio nos vários domínios da expressão artística e cultural; apoio à investigação histórica local; preservação e recuperação de centros históricos; defesa do ambiente e apoio a associações ecologistas e de defesa do património.

Toda esta vasta obra, realizada com o apoio das populações e a participação dos trabalhadores das autarquias, permitiu inquestionavelmente a melhoria da qualidade e condições de vida do povo português e a preservação, em muitos casos, do património e da identidade locais e dos saberes e das artes tradicionais.

A conquista dos direitos e da dignidade

Em 25 de Abril de 1974 a situação dos trabalhadores da Administração Pública Central e Local, os chamados “servidores” ou “serventuários” do Estado, caracterizava-se pela negação de mais elementares direitos, como os de associação,dea sindicalização, de participação na vida política e cívica, estabilidade de emprego, salários condignos e anualmente revistos, direito a férias ou protecção na maternidade, direito à remuneração do trabalho extraordinário, para além do ambiente repressivo, arbitrário e opressivo do Estatuto Disciplinar

Foi com o 25 de Abril, em 1974, que se criaram condições para a modificação do ambiente repressivo que existia na Administração Pública Central, Regional e Local, para que de serventuários nos transformássemos em cidadãos plenos e trabalhadores com direitos.

No processo de democratização das autarquias locais aos trabalhadores e à sua organização de classe, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, couberam também um papel importante. Contudo, num sector onde os sindicatos eram proibidos, o reconhecimento dos direitos sindicais não foi fácil e só a luta determinada dos trabalhadores o tornou possível em 1975 e posteriormente.

O STAL foi o primeiro sindicato da Administração Pública a constituir-se após o 25 de Abril (24 de Agosto de 1975). E desde então começou uma longa caminhada para o reconhecimento da igualdade de direitos: actualização anual das remunerações, férias de 30 dias para todos (1975), greve e licença de maternidade (1976), subsídios de refeição, casamento, nascimento, aleitação, funeral e mensal vitalício (1977), criação do regime de carreiras, generalização do direito à aposentação, revogação do Estatuto Disciplinar Fascista, formação de Comissões de Trabalhadores, institucionalização da semana de 5 dias de trabalho, Estatuto do Trabalhador Estudante e Estatuto do Pessoal Dirigente (1979). As faltas para assistência à família são reconhecidas em 1980 e o direito de negociação colectiva em 1984. Em 1987 todo o pessoal dos quadros passou a nomeação vitalícia, a notação profissional é instituída em 1988. As questões da saúde e segurança nos locais de trabalho apenas são objecto de lei-quadro em 1991, com regulamentação nos anos seguintes (1995 e 1998). Em 1988 é estabelecido o horário semanal de 40 horas para o pessoal operário e auxiliar e em 1998 fixado em 35 horas para todos os trabalhadores.

A ofensiva capitalista e a negação dos direitos e das garantias

A regionalização não se concretizou, criando-se em alternativa órgãos desconcentrados da Administração Central, sem participação directa das populações na sua formação e fiscalização. As sucessivas Leis das Finanças Locais, promulgadas a partir de 1979, pelos governos do PS/PSD/CDS nunca foram integralmente cumpridas, o que limitando grandemente a capacidade de iniciativa e de investimento das autarquias locais, não impediu que a qualidade de vida das populações melhorasse devido à acção conjugada dos autarcas, dos trabalhadores e das populações. Com efeito múltiplas actividades da responsabilidade da Administração Central foram transferidas sem os correspondentes e necessários meios financeiros. Outro rude golpe foi a revisão da irreversibilidade das nacionalizações e do sector público, abrindo ao capital privado e transnacional sectores estratégicos da economia portuguesa. Esta situação foi agravada na sequência da adesão à Comunidade Europeia, constituindo os sucessivos Quadros Comunitários de Apoio instrumentos para afirmação e alargamento da lógica do lucro relativamente à do serviço público universal e solidário.

No que se refere às autarquias locais em 1993 a legislação introduz uma nova filosofia e abre a possibilidade de intervenção do sector privado através do regime de concessões para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para a recolha, tratamento e rejeição de efluentes e para a recolha e tratamento de resíduos sólidos, alargada à manutenção de  espaços verdes

Em muitas autarquias, quer por iniciativa própria quer por pressão do poder central, assiste-se a uma subversão da lógica do serviço público, o qual é abandonado em troca da progressiva desresponsabilização das autarquias e pela adopção de uma política de alienação do controle e gestão de serviços públicos e a sua entrega a privados, qualquer que seja a forma que assuma. Situação que se agravou no último decénio.

Deste modo paulatinamente o caracter democrático e autónomo do Poder Local tem vindo a ser posto em causa e subvertido, comprometendo-se a sua capacidade de corrigir as assimetrias regionais, agravadas pela não implementação duma regionalização baseada em órgãos democraticamente eleitos por sufrágio universal, substituída por órgãos desconcentrados, dependentes do Terreiro do Paço, cujas áreas de actuação começam a variar em função de "arranjos" territoriais para "garantir" a captação de fundos comunitários que não resolvem o problema das desigualdades regionais e do atraso socioeconómico de Portugal. As novas "soluções" encontradas não impedem, antes favorecem, a condução centralista das políticas regionais e a persistência da oposição governamental a uma efectiva descentralização de competências e dos correspondentes e necessários meios financeiros que garantam às autarquias a possibilidade de contribuírem para o desenvolvimento socio-económico e melhoria das condições de vida das respectivas populações.

Enquanto as políticas governamentais executadas pelo PS/PSD e CDS aumentam a desertificação populacional do interior com o encerramento de estabelecimentos de Saúde e do Ensino bem como dos Tribunais, são restringidos ou negados direitos básicos como os de Habitação e do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública e da Segurança Social e as suas políticas de apoio social. Por outro lado com as revisões do Código de Trabalho restringem ou anulam a Contratação e a Negociação Colectivas bem como o papel das Organizações Sindicais e das Comissões de Trabalhadores, agravando as condições de vida e de trabalho das populações, sejam Jovens ou Adultos, com especial gravidade para com as Mulheres. Tudo isto com o objectivo da desvalorização do valor do Trabalho (com a desregulamentação dos tempos de trabalho, o alargamento do horário de trabalho e o aumento da idade da reforma) e o Direito ao Trabalho e à estabilidade de emprego. Outras medidas gravosas são os cortes salariais e nos vários subsídios e ajudas, bem como o abandono do princípio da progressividade fiscal sobre os rendimentos, em favor do grande Capital e das grandes fortunas.

Neste contexto os ataques do PS/PSD/CDS aos trabalhadores da Administração pública e ao que chamam as "gorduras do Estado" não são mais do que a máscara para disfarcarem o que pretendem - o desmantalemento do Estado Social e dos direitos económicos, sociais e cultturais (ainda) consagrados na Constituição da República, sobre a qual tripudiam com crescente desfaçatez. Direitos só possíveis de serem assegurados pelos trabalhadores da Administração pública e não por empresas privadas que existem e vivem apenas para garantirem o lucro aos seus accionistas.

Como agentes prestadores e utentes de serviços públicos, os trabalhadores das Autarquias e os da Administração Central sabem que a gestão privada não só ameaça a estabilidade do emprego como se traduz em aumentos brutais das taxas e tarifas, agravando a já difícil situação de muitas famílias portuguesas.

Dizendo NÃO às privatizações, lutando pelos direitos dos trabalhadores e das populações e pela Constituição de 1976, os trabalhadores das autarquias locais convergem com a luta dos movimentos de cidadãos a nível nacional e mundial que se opõem à estratégia dos grandes grupos transnacionais, económico-financeiros, apostados em dominar todas as esferas públicas e a transformar o Estado num mero «conselho de administração» dos seus interesses. Na unidade e na luta, organizados, a força dos trabalhadores e das populações é o caminho.


BIBLIOGRAFIA:

artigos da autoria de VNS

# Para uma Revisão do Regime de Carreiras - análise qualitativa do DL 248/85 de 15 de Julho, jornal do STAL, nº 47 - 1997 Junho
Gato Escondido ... Diminuir os Horários, Baixar as Remunerações, Fomentar a Precariedade ... Tudo em Nome da Solidariedade - Boletim do STAL nº 11, Janeiro 99
# 1926 a 1974: quase meio século sem direitos - Jornal do STAL nº 53 (1999 Abril)
# Abril em Maio, 25 anos de luta e afirmação – Jornal do STAL nº 54 (1999 Junho)
# Dossier – Balanço da Legislatura: Governo PS: o Mau Pagador de Promessas - Jornal do STAL nº 55 (1999 Outubro)
# As linhas do Programa de Governo – Emagrecer a Administração para Engordar os Privados – Jornal do STAL nº 56 (1999 Dezembro)
# Abril em Maio – 26 anos da Revolução de 1974 - Jornal do STAL 57 (2000 Abril)
# A vida de quem trabalha não tem preço; saúde e segurança no trabalho - Jornal do STAL 58 (2000 Julho)
# 25 de Abril de 1974 – A Revolução e as Conquistas dos Trabalhadores – Jornal do STAL 61 (2001 Abril)
# Teletrabalho: liberdade ou mais exploração? – Jornal do STAL 61 (2001 Abril)
# Segurança Social: um património dos trabalhadores – Jornal do STAL 62 (2001 Junho)
# Quadros Técnicos: emprego em queda livre – Jornal do STAL 65 (2002 Março)
# Balanço dos Governos do PS: os trabalhadores exigem uma verdadeira política de esquerda – Jornal do STAL 65 (2002 Março)
# Programa do Governo: um terramoto para os trabalhadores – Jornal do STAL 66 (2002 Junho)
# Travar ofensiva do Governo – defender emprego e direitos – Jornal do STAL 67 (2002 Outubro)
# Combater o Pacote Laboral: uma luta de todos - Jornal do STAL 68 (2002 Dezembro)
# O Poder Local Democrático, factor de progresso e de melhoria da qualidade de vida das populações. - Jornal do STAL 70 (2003 Junho) 
# Defender a Constituição, Lutar pelo Progresso - Jornal do STAL 73 (2004 Abril)
# As políticas de direita e a negação do direito à saúde - Jornal do STAL 74 (2004 Julho)
# Privatizações: Governo lesa Trabalhadores e compromete futuro do País – Jornal do STAL 75 (2004 Outubro)
# A mulher e o mundo do trabalho: igualdade por cumprir - Jornal do STAL 81 (2006 Março)
# Orçamento para 2006: Governo agrava a vida dos que menos têm - Jornal do STAL 80 (2005 Dezembro)
# Internet – A luta das mulheres – Jornal do Stal 88 (2008 Janeiro)
# Internet – Participar na vida política: um direito e um dever – Jornal do Stal 93 (2009 Agosto)
# Internet - Mulheres e lutas em Portugal – Jornal do Stal 98 (2011 Abril)
# Internet – Estado Social e Luta de Classes  – Jornal do Stal 105 (2013 Março)


A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.~
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista. Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa. A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País. A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno. A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.