Mouraria, assim designada depois de D. Afonso Henriques mandar os mouros, expulsos da sua cidadela, para aquele local. Ali viveram mouros livres ou forros, que conservavam os seus costumes: praticavam a sua religião, falavam árabe e eram governados por um alcaide. Assim foi até 1497, data em que D. Manuel I expulsa os judeus e os mouros de Portugal. No entanto, o vocábulo permanece até aos nossos dias. A Mouraria evoca tempos de façanhas obscuras da faca e do bofetão (Castilho, 1967, BO, III, 303) frequentado por pimpões, fadistas e vadios de Alfama e do Bairro Alto. Hoje é sobretudo o pitoresco e não faz mal a ninguém (Norberto Araújo, 1992, vol III, 60).
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A Mouraria abrange o sopé e as faldas do Castelo, pelo lado norte, dilatando-se até às portas de São Vicente, hoje a rua do Arco do Marquês de Alegrete.
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(vista parcial - ao fundo a Igreja de S. Domingos)
O início da construção do Hospital Real de Todos os Santos deu-se na manhã de 15 de Maio de 1492, tendo sido lançada a primeira pedra na presença do rei D. João II no ano em que este tinha feito 40 anos, tendo morrido aos 43 anos no paço do alcaide-mor (Álvaro de Ataíde) em Alvor. A direcção da obra ficou a cargo do mestre arquitecto Diogo Boitaca.
Praça da Figueira antes da demolição do Mercado
Foto - Eduardo Portugal, Ant 1949, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - B094416
Nasceu em 1755, no terreno das ruínas do Hospital de Todos os Santos, impondo-se como mercado central e destinado à venda de frutas e legumes. Passou entretanto por vários nomes: Horta do Hospital, Praça das Ervas, Praça Nova e Praça da Figueira. De um local de bancadas diárias passou a praça fixa, com barracas arrumadas e um poço próprio.
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Ao longo dos tempos, foi sofrendo algumas alterações consoante as necessidades da população. Assim, em 1835, é arborizada e iluminada, em 1849 foi-lhe colocada uma cerca gradeada, coberta e com 8 portas e em 1882 foi aprovado o projecto da nova praça, que consistia num edifício rectangular, com estrutura metálica e ocupando uma área de quase 8 mil metros quadrados.
Da venda de fruta e legumes, passou-se à transacção de outros produtos alimentícios necessários à população, fazendo da baixa lisboeta um local com um constante fervilhar de vida.
Desde logo, a praça tornou-se um dos emblemas de Lisboa, quer pela sua construção, quer pela sua localização no centro da cidade, quer ainda pela realização de verdadeiros arraiais por altura dos santos populares, transformando-a num verdadeiro teatro.
Em 1947, a vereação da altura decidiu o fim da praça, prevendo o alargamento da rede viária de Lisboa, que incluía a demolição do Socorro e zona baixa da Mouraria como forma de escoamento de trânsito, aproximando a cidade de Lisboa aos padrões europeus. Em 1949 festeja-se o último Sto António, procedendo-se de seguida - a 30 de Junho - à demolição do edifício.
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Freguesias: Santa Justa; São Nicolau
(a um cantinho à direita, junto ao Palácio Foz, ficava o pequeno cinema Restauradores)
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(Nesta zona situavam-se muitos cinemas e teatros, sobretudo na Rua das Portas de Santo Antão, como mais abaixo enumero)
Ficámos no Hotel Americano, na Rua 1º de Dezembro. Ao entardecer vim dar uma volta, para ver as montras nos Restauradores e Avenida da Liberdade. Vi os cinemas Éden, que parece luxuoso, e Restauradores (que dá sessões contínuas). Subi a avenida e cheguei ao Parque Mayer. Dei por lá uma volta, tendo feito o gosto ao dedo na barraca de tiro ao alvo. Parte do [filme] "O Parque das Ilusões" passa se aqui. Quando cheguei ao S. Jorge [um pouco mais acima] voltei para o hotel. Passei pelo Tivoli e pelo Condes. As montras das lojas são variadas. Utilizei a passagem subterrânea. Depois do jantar fomos comer uns camarões e beber umas cervejas. A casa onde comemos tem as paredes forradas de conchas. (1963.09.09 - Diário III)
São 12 h 00.m. Estou a escrever sentado numa das mesas dum dos cafés do Rossio, que tem resistido às investidas dos bancos (por quanto tempo, ainda?) mais precisamente o "Nicola", que foi o poiso dum dos nossos maiores colegas: Bocage. Escrevo e simultaneamente vou comendo um "croissant", sorvendo aos poucos um escaldante "garoto" claro (ou "pingo", como se diz lá para o Norte). Nas mesas homens que já não são jovens - pelo menos cronologicamente como eu - encafuados em pesados sobretudos, alguns de chapéu a cabeça, cavaqueiam (sobre quê?), lêem o jornal ou limitam se a seguir com os olhos, absortos em pensamentos, o fumo dos cigarros.
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Também estão algumas mulheres (talvez senhoras, mas isso não interessa, somos só homens e mulheres). Aquela ali à minha esquerda escreve, não cartas mas, numa agenda ou bloco, notas. Ali a porta gira, gira, gira. Na fonte que se entrevê pela montra, a água jorra, jorra, jorra. Os automóveis passam, passam, passam. E o murmúrio das vozes, o tilintar das louças, a gaveta da caixa, constituem um pano de fundo. Évora morta, chata, entediante, onde estás tu!? (...)
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[Depois da monotonia de Évora, todo este bulício é reconfortante]. São 14:50. Fui corrido do café pois um "garoto" e um bolo não dão direito a mesa "per omnia saecula, saecolorum"! Especialmente à hora do almoço. (NSF - 1968.12.23)
Da Alfama medieval para a Baixa pombalina, eis a rota do nosso passeio. Também gosto desta "vista". Repara que enquanto Alfama é residencial, a Baixa é essencialmente comercial. Uma única semelhança: os candeeiros das iluminação pública [1972]. Anúncios luminosos, automóveis, e ruas mais largas são o contraste (Quando andava na 4ª classe [em Luanda] e ouvia falar nas ruas do Marquês, imaginava-as em largura à medida das de Luanda... que têm o dobro ou o triplo destas!). Ao fundo fica o elevador de Sta. Justa, que separa o Largo do Carmo da Igreja do mesmo nome, cujas ruínas se avistam do lado direito - os dois arcos em ogiva. Esta é uma das igrejas da expressão "Cair o Carmo e a Trindade" (após o terramoto de 1755). (MCG - 1972.09.15)
Estou agora a lanchar numa pastelaria aqui no Chiado, que tem penduradas na parede - um armorial, uma couraça, um capacete e duas espadas do século XVI. Desgraçados dos soldados que usavam tal ferraria em climas tórridas. (1973.01.04)
Ao entardecer de ontem as ruas da Baixa tinham um cheiro a chuva - um cheiro bom - enquanto as montras ao longo das ruas eram um apelo pelos saldos, principalmente vestuário. (...) Está hoje um calor abafado, sem nada da leveza das semanas anteriores. Prevê se, segundo os jornais, o racionamento de água em Lisboa. Água que já falta há muito nos concelhos limítrofes de Oeiras, Sintra e Cascais, onde pessoas há que não se podem lavar senão com águas de garrafão, tipo Luso e similares. Isto se não quiserem cheirar a sovaquinho e plantarem uma hortazita na sujidade do corpo. Entretanto a cólera alastra pela Itália e a Companhia das Águas de Lisboa vai informando que lançará mais desinfectante nas águas e, à cautela, a Direcção Geral de Saúde faz as recomendaçõezinhas da praxe, sem qualquer interesse dada... a falta de água. (MCG - 1973.09.05)
Desta vez escrevo do café Gelo, aqui no Rossio, avistando ali uma nesga da Rua 1º de Dezembro e da Estação [do Rossio]. Defronte a mim o [Emídio] Guerreiro acabou de lanchar e lê agora o jornal. Mais adiante, o empregado da tabacaria, calças aos quadrados., camisola preta e longos cabelos louros, vai lanchando e arrumando a loja. Esperamos que o Carlos [Nunes da Ponte] saia do emprego. O Guerreiro chegou ontem e temos percorrido Lisboa em busca dum emprego que não aparece, apesar do coração de Portugal estar doente e ser uma chatice se deixar de trabalhar (Pelo menos é o que diz o anúncio da RTP). Assim, temos deixado impressos devidamente preenchidos... aguardando. As minhas tias, especialmente Esperança, andam inquietas, pois dizem que eu sou bolchevista (ai, credo!) e assustam se quando digo que vou começar a assaltar bancos. (...) (MCG - 1974.10.22)
Antes deambulara pela Feira do Livro, ao longo da Avenida da Liberdade, onde comprei uns livritos, muito poucos. (...) Havia muitas barracas de livros mas poucas novidades ou livros de interesse para mim. Os partidos também tinham os seus pavilhões, ao longo do relvado: o maior pertencia ao MRPP. Uma rapariga e alguns rapazes falavam de Angola, do MPLA e dos maoístas e fiquei emocionado por encontrar gente da minha terra a falar de assuntos que me respeitam. (...) (1975.06.29)
(...) À tarde o Rui queria ir ao cinema ver o Pimentinha, baseado num miúdo endiabrado personagem da banda desenhada; mas a Susana preferia ver as lojas da Baixa pombalina, para arejar o dinheiro. Prevaleceu a proposta da Susana, que comprou adereços de artesanato em pele e missangas, tendo oferecido ao maninho uma fina pulseira em cabedal.
Com a Rua Augusta fechada ao trânsito automóvel, os passeantes passeiam-se à vontade no longo passeio público, onde personagens variados expõem as suas habilidades. Aqui um presumível grupo de índios da América Latina, todos de igual vestidos, interpretam canções do seu folclore, perante uma pequena multidão à sua volta, fotografando ou embasbacando-se. Menos assistência tinha um deficiente físico pintando um quadro com a boca. Mais além outra pequena multidão rodeava um velhote com periquitos numa caixa e um plano inclinado, sem que se percebesse que habilidades saíriam dali (talvez estivessem intimidados com a assistência ou ainda em fase de aprendizagem). E como não podia deixar de ser, um homem estátua, de palhaço vestido, embora de vez em quando fizesse momices com os olhos para divertir a numerosa assistência. Não deixo de admirar a capacidade destes indivíduos para estarem completamente imóveis, tanto mais quanto eu sou um mosquito eléctrico! Ao fundo, junto ao Arco da Rua Augusta, vendia-se artesanato, por pessoal mais limpo e aspecto mais comum do que aquele de ar sujo e maltrapilho que outrora abancava naquele sítio, ao jeito pretensamente hippie.
Hoje não choveu, apesar do tempo trovoadoresco, pelo que acabámos na Praça da Figueira () cheia de gente, na Esplanada dos Irmãos Unidos vizinha da Suiça, mas com pouca variedade de comes e bebes. Por lá apareceu um indivíduo, poeta popular, vendendo meia dúzia de poemas em livro de sua autoria, a quem comprámos um exemplar que dedicou à Susana, depois dele e a minha mãe se terem recitado mutuamente poemas das respectivas autorias. De qualquer modo os dele, em conteúdo, não chegam nem de perto nem de longe aos calcanhares do António Aleixo, algarvio, ou do Calafate, setubalense, pois quanto ao estilo são diferentes. (MMA - 1993.08.19)
Do Coliseu, ali à rua das Portas de Santo Antão, nada me recordava. Pensava no entanto que teria um aspecto grandioso ou ao menos imponente, pelo que há uns anos fiquei desiludido quando lá voltei, para assistir a um plenário sindical. Nesta zona situavam-se muitas casas de espectáculos, como os cinemas Politeama, Arco-Íris, Odeon, Condes e, no outro lado da Avenida ou nas cercanias, o Éden, S. Jorge, Tivoli, para além doutros mais modestos, como o Olímpia, o Restauradores e o Arco do Bandeira, este com uma inconfundível fachada arte nova, mandado construir por um capitalista que lhe deu o nome. A maioria deles já encerrou, após agonia de alguns como salas de filmes pornográficos, e outros foram reconvertidos, ou em salas mais pequenas, ou em hotéis para lá da fachada, como o Éden. Dos teatros de revista do Parque Mayer apenas persiste o ABC, estando os restantes encerrados, o espaço transformado em parque de estacionamento pago, subsistindo alguns restaurantes e dois modestos alfarrabistas.
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Dois edifícios, no Rossio, foram devorados pelas chamas e reconstruídos. Um foi o Teatro Nacional D. Maria II, em 1965, e outro a Igreja de S. Domingos, em 1959, embora nesta tenham deixado as marcas do fogo e derrocadas marcadas nas colunas, altares e paredes. Ao fogo estiveram outrora estes edifícios ou anteriores ligados. O primeiro, porque dele partiam as procissões e autos de fé de quem seria queimado por heresia, a mando e sentença dos dominicanos e da Santa Inquisição, cujo palácio, entretanto reconstruído pelo Marquês de Pombal após o terramoto de 1755 e no século seguinte destruído também por um incêndio, se situava no local onde Almeida Garrett mandou erguer o Teatro Nacional que já teve o seu nome.
Também a Igreja de S. Domingos, destruída pelo mesmo terramoto tal como sucedeu com o vizinho Hospital de Todos os Santos, esteve em 1506 ligada à intolerância, por nela se ter iniciado a matança de 2 000 judeus e cristãos-novos. (Notas de Viagem, 1998.Maio)
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Após o terramoto de 1755 o Terreiro do Paço ficou mais agradável, com a nova Praça do Comércio ladeada por edifícios de arcadas, que do exterior não parecem tão grandes, com os seus claustros e corredores, estes com tal largura que muitas ruas medievais a não têm.
Nada que se compare ao antigo terreiro onde o rei tinha o seu desgracioso palácio, com vista para o rio e para o barulho, bulício e azáfama dos estaleiros navais na Ribeira das Naus ou dos comerciantes do outro lado, nos baixos dos edifícios e no meio do lamaçal. Entretanto roubada aos transeuntes para se transformar em parque de estacionamento automóvel, atravessado por muitas e desvairadas gentes que vão para o emprego ou regressam a casa, para isso tendo de sulcar o rio, a Praça foi agora devolvida aos peões.
Perto, a caminho do Campo das Cebolas, pela rua da Alfândega, é notável o pórtico manuelino da Igreja de N. Sra. da Conceição Velha, () do qual mal nos apercebemos quando por ela passamos. Neste local existiu uma sinagoga judaica, mandada destruir por D. Manuel I, o Venturoso. Da sua ventura, contudo, não beneficiaram os judeus, convertidos à força para não serem expulsos de Portugal por exigência dos piedosos ... reis católicos de Castela.
Para norte dos Restauradores situa-se a Avenida da Liberdade, cuja abertura destruiu o Passeio Público, arborizada, mas onde os prédios do princípio do século vão sendo substituídos por outros, com diferente traça. Termina a avenida no Parque Eduardo VII, ladeado de arvoredo, destinado a substituir o referido Passeio Público, e onde se situam a Estufa Fria, um lago e o Pavilhão dos Desportos, onde por vezes ocorrem comícios. Na sua parte central passou a realizar-se a Feira do Livro, depois duma longa permanência na Avenida da Liberdade e uma breve passagem pelo Terreiro do Paço. (Notas de Viagem, 1998.Maio)
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- A esta praça vinha dar um esteiro do rio Tejo, no tempo da ocupação romana. Vestígios de cetáreas encontram-se na Rua dos Correeiros e na Casa dos Bicos.
- Este portal é proveniente da Igreja da Misericórdia, destruída pelo terramoto de 1755.