Agradeço as palavras gentis e a solidariedade, embora me apeteça descansar e viajar, sair de Setúbal, com ou sem companhia. Mas ainda não posso fazê-lo. Fora isso, estou bem. "
Obrigado" pois ou, melhor, muito agradecido. Não se esqueçam de lê-lo. É o texto que está no final, lá bem ao fundo desta nota. Ou, noutra perspectiva, o que a sustenta.
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1. O que se segue foi o meu 1º texto elegíaco, da mágoa pelo bosque semeado fora do tempo e do sol arrancado antes de florir.
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A Belocas
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- Maria Isabel Belo Serpa Pimentel -
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Não havia dúvida, era a Belocas, aquela miúda cheia de vida, duma franqueza generosa, dum sorriso riso sonoro que nos dispunha bem, a Belocas que eu e o Camilo tanto apreciávamos. Que ficou de telefonar-me quando passasse por estes dias em Luanda, a caminho de Moçambique, para onde a convidaram. Com 21 anos, a Belocas (como eu e o Camilo lhe chamávamos) morreu. No seu primeiro salto o pára-quedas não se abriu. Sinto me desolado. O meu estoicismo não me é suficiente. Dou por mim a pensar nisto tudo, no porquê e no para quê da nossa existência e de tudo o que nos rodeia. Porque corremos nós?! Estudo, e não estudo nem o que quero nem como quero. Morrerei, mas não sei quando nem como (o que de resto não me preocupa muitas vezes) Entretanto não serei eu. Estou emocionado porque quero e como a emoção - neste caso - não leva a parte alguma, tenho de querer não estar emocionado. Mas estou!
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É meia-noite. No meu colo está aninhado o "Chá-Chá", um gatito preto cá de casa. Tudo é silêncio, salvo o ronronar do gato e o zumbir dum insecto encandeado pela luz da lâmpada, além dos carros que passam além na rua (é a hora do regresso do cinema). Amanhã entro na segunda semana de estágio [na Petrangol, em Luanda] .» (NID -
1971.08.22)
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A Isabel (do sorriso-riso sonoro que alegrava a gente) era Vice-Presidente da Direcção da Associação dos Estudantes e sobrinha do Conde de Vilalva, grande proprietário agrícola alentejano, "moderno" - cuja Fundação subsidiava o ISESE (Economia, Sociologia e Gestão de Empresas). Alinhando sempre connosco, os contestários e o grupo do Arcada, creio que isso foi em 1971 o factor que impediu a nossa expulsão do ISESE, quando um dos Jesuítas em vão proclamava nas aulas que ou os Estudantes demitiam a Direcção (eleita) da AE ou a Direcção do ISESE demitiria aquela. [
2008.05.17]
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2, - Mas, pensando melhor, a minha primeira elegia fora escrita dois anos antes, em 1969, no meu exílio em évoraburgomedieval
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Lembras-te do Cunha? Em Luanda era um alfarrabista de corpo dolorido e disforme a quem os miúdos roubavam e provocavam. Cria em mim, esperava ainda ver o meu canudo de senhor doutor, dizia ser eu um jovem diferente dos outros e nunca o consegui convencer do seu erro; falávamos de ópera e ele trauteava as árias, falávamos do Camilo e do Zola e da enorme fortuna que ele teria se o os livros em stock fossem libras. O homem que não conseguiu ser ele mesmo, condenado a vender a abominável literatura de cordel.
"Escreva-me, não se esqueça deste pobre velho!""Havemos de ver-nos nas Ferias Grandes! " O meu postal ficou sem resposta. O Cunha morreu, só, abandonado, como um cão! (Eu, que era seu amigo, nunca o convidara para a minha mesa). E nas tardes quentes e plúmbeas mais uma voz silenciou-se: os frigoríficos do Pólo Norte -Frimatic, o Rei dos Frigoríficos - substituem os livros que nunca foram libras! (a) ,
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a) - Escrito em Évora, em 1969.03.16 (Num repelão) O Cunha havia falecido em fins de 66, princípios de 67. O "Notícias" de Luanda dedicou-lhe umas linhas, lastimando a sua morte e o egoísmo dos homens. Teriam posto em leilão os livros da livraria e a Casa dos Frigoríficos anexou a lojeca, perto da Sé. Ficou deste modo privado do seu único meio de subsistência. O seu sonho era vender tudo e regressar a Portugal (à Metrópole, como então se dizia). Gostaria de ter vendido bons livros, de ter sido um bom alfarrabista. E dizia-me, quando vim para Lisboa:
"Escreva me, meu amigo, não se esqueça deste velhote. O senhor há-de ser alguém!" »(NSF - 1968.08.20)
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A talhe de foice - Após um silêncio e afastamento meus de décadas, desde há uns dois ou três anos que falo regularmente ao telefone com um dos meus professores jesuítas, na altura membro da Direcção do ISESE; sempre tivemos uma relação cordial, embora em lados distintos da barricada, pois eu era representante dos estdantes, ou como delegado de curso, ou como dirigente da associação dos estudantes. Pois dava-me ele conta de que houvera em Évora, meses antes, um almoço de "antigos alunos importantes" para o qual fora convidado. Com a minha habitual ironia comentei e pedi-lhe que de futuro me avisasse antecipadamente, porque eu gostaria de estar presente num almoço de antigos alunos importantes que se viesse a realizar. Com a sua também habitual ironia retorquiu-me "
O Victor hoje também poderia ser uma pessoa importante [como eles, subentenda-se],
mas escolheu outro caminho ...». Houve efectivamente outro almoço mas a esquerdalhada, então e actual, não foi avisada nem convidada pelos promotores, antigos alunos semi-importantes. Foi o almoço do canto do cisne, o enterro definitivo da fenix, não renascida da cinza negra que eles são e sempre foram. Ao que sei, a Companhia de Jesus barrou-lhes inexoravelmente o caminho, que não seria o dela.
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3. Não sei se foi após a morte do meu irmão que assumi definitivamente que o nascimento marca o início da caminhada para a morte, embora face à constante preocupação da minha mãe se eu me atrasava lhe dissese, meio a sério, meio a brincar:
"Mãe, eu sou imortal, não te preocupes quando me atraso !"
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ECCE HOMO (1)
Era o dia 26 de Fevereiro
O Pituca morreu!
Encerrado em si
hirto no seu pijama azul
as mãos bonitas e o rosto frio
um vergão em torno do pescoço
o rosto violáceo
o ar sereno.
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Longe vai o tempo da minha alegria
das nossas brigas
da nossa amizade
.......................silenciosa
.......................tímida
.......................desajeitada.
Fica-me no pensamento
a lembrança de ti
nas coisas que me deste
.......................os livros os posters
.......................os bibelots as estatuetas
.......................africanas as tuas pinturas
.......................a Marilyn e o Pato Donald
.......................os discos e as cassetes.
Memória da infância perdida
nas palavras silenciadas
Meu irmão!
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1987.Dezembro.22 (1989.Março.10) - Setúbal
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É TEMPO DE CHORAR
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É tempo de chorar
silenciosamente
os nossos mortos
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irmãos encerrados
encurralados
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É tempo de chorar
enquanto
para lá desta hora
a vida se renova
por entre
.............os bosques e
.............os regatos
...................................sussurantes
...................................do imaginar o son (h) o estilhaçado
É tempo de chorar o tempo que voa!
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..................................(IN MEMORIAM do meu irmão Zé Luis, morto de morte matada
...................................por ele próprio e por muitos outros no tempo
...................................que para ele terminou naquela tarde de
......................................................................26 de Fevereiro de 1987 ............................. )
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1989.Fevereiro.03 - Setúbal
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4. - Doutro género são a
Elegia pela minha família dispersa e ...
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5. -
ELEGIA POR UMA CERTA JUVENTUDE
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Eram jovens
..........passeando como fantasmas
com fatos talhados à medida duma roda sem destino.
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Sorriam
e o sorriso era
.................uma vereda para lado nenhum
.................uma vida de sonhos amortalhados.
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Eram jovens
de gestos calculados
...............com mil olhos e
.......................dez mil bocas em cadeia
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E no entanto
para lá deste horizonte cinzento
debruado a cetim
as gaivotas (não) eram águias inatingíveis!
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6. - E para concluir - descansem que não escrevo só sobre tristezas ....
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ELEGIA, SEM TI
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Um pesado silêncio invade a minha casa
E tudo tem uma cor cinzenta e vazia
de ilusões desvanecidas e sabor amargo
A garganta seca e áspera.
Olho em meu redor e vejo
............paredes e livros
............o gira-discos silencioso.
Olho em meu redor e meto-me na mala partindo
............para lado nenhum;
De súbito as estrelas apagaram-se
E não há flores nem sol nem luar
E nem uma levíssima brisa agita a folhagem.
Os campos estão desertos
E os rios calaram-se e não cantam
Enquanto na cidade os homens caminham
..................................................................Silenciosos.
A tua voz e a tua presença são de novo distantes.
E no entanto, Joana Princesa,
......................ainda ontem e nos dias anteriores
Foste uma presença constante
Com o teu sorriso e o teu jeito sedutores
E as mil-vidas nascidas de manhã à noite
Numa girândola de côr e vida.
Respiramos então o mesmo ar
E fui uma ave em teu redor
Em busca do sol e do mar
De mãos abertas e cara descoberta!
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1989.08.28 SETUBAL
1991.03.20 -
Setúbal
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7.-
A poesia de Eugénio de Andrade
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Victor Nogueira "O "teu" Eugénio de Andrade tem poemas belos mas o António Reis, para mim, não lhe deve nada, embora seja um poeta algo desenganado: a vida que ele reflecte é um rosto sereno com rugas ao canto dos olhos sorridentes; às vezes duma bondade repousante, outras reflectindo um certo cansaço, um certo desengano. Existe amor - em certa medida tal como o entendes - na simplicidade dos seus "Poemas Quotidianos". Por isso gosto deles." (NSM - 1971.04.11)
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Victor Nogueira "Disse-te um dia destes que relera com emoção um poeta que é o Eugénio de Andrade , de quem talvez tenha noutro tempo transcrito para ti alguns poemas. Dou comigo a relê-lo com uma certa tristeza. Porque afinal muitos dos poemas do Eugénio de Andrade expressam não a plenitude da alegria do amor alcançado mas a nostalgia do que se perdeu ou não alcançou." (MMA - 1993.09.25)
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Ao fundo à esquerda ficava a Cervejaria Polo Norte na esquina e, à direita, a loja dos Frimatic. No meio, no prédio mais baixo, ficava a loja do Cunha; à direita, a Igreja de N, Sra dos Remédios (Sé de Luanda), onde oficiava o Cónego Neves, de que falei noutros posts - http://pissarro.home.sapo.pt/memorias3.htm
Litogravura da autoria do meu irmão
baixo-relevo da autoria do meu irmão
com o meu avô Barroso, no Bom Jesus de Braga
com o meu irmão Zè Luís, em férias, na Caala (Huambo)
no porto em 1949 (travessa da carvalhosa), com os meus avós Barroso, Zé Luís, Alzira (a proteger-se do sol), os meus tios zè Barroso e José João e a minha mãe. Foto presumivelmente tirada pela minha tia Lili
Coimbra - com as minhas tias Lili e Esperança - foto jjcf
em évora, com malta do (café) Arcada
em Luanda - os 3 manos, em 1951
Carcavelos - foto mns - com josé joão, maria emília, celeste, lili, esperança, susana, rui pedro
em goios, com meu avô barroso e um dos meus primos
Porto - Natal de 1973 (Rua Fernandes Tomás) - avô Zé Luís (+), Alexandrina, tio Zé Barroso (+), Carlos, tia Teresa, Victor, tia Isabel, Manuel, tia avó Esperança (+), Celeste (+), Maria Emília (+), avô Barroso (+), tio José João (+)
(+) já faleceram)