(...) Em Setúbal moro
e no Barreiro trabalho
estrangeiro sem raízes
sou em Portugal
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(Do poema Raízes - 1984)
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NO COMBOIO PARA O BARREIRO
Do Barreiro a Setúbal
corre o comboio
sobre os carris
faz que anda mas não anda
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
chiam as rodas
na estação
Sai
gente
entra
soa o apito
estremece o comboio
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
É de inverno
entra o frio
É de verão
abafa o calor
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
Faça
chuva
calor
o tempo que for
escorre a paisagem
seja
noite
dia
a hora que for
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
de pé ou sentadas
vão as pessoas
as pessoas
caladas
faladas
falando
sisudas
risonhas
lendo
meditando
caras cerradas no olhar ausente
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
tatatata-tatatata-tatatata
Poema - História de Todos os Dias - escrito no comboio do Barreiro - Setúbal em 1982.03.18
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Barreiro
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A parte antiga possui um passeio arborizado ao longo do rio, com arruamentos em quadrícula. As três igrejas antigas concentram-se à beira-rio (N.Sra do Rosário, Misericórdia e Santa Cruz), onde também existem uma praia fluvial, poluída, os moinhos de vento da Alburrica, um deles acentuadamente cónico (naquele onde funciona uma Ludoteca), e moinhos de maré, que são testemunhos de processos de fabrico que pertencem ao passado. A Avenida Alfredo da Silva, fundador da CUF (Quimigal), é uma importante artéria onde se concentra variado comércio, com um jardim. O edifício da Câmara é pobre, com vitral na escadaria. Junto ao rio Tejo um dédalo de linhas férreas, com Lisboa na outra margem e as ruínas dum moinho de maré.
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Nos arredores o Convento da Verderena e Mata da Machada (pinheiros) e fábrica de Vale do Zebro - estação arqueológica (biscoitos e madeira para os Descobrimentos). Existem várias sociedades recreativas. A poluição já não é o que era, antes do encerramento do complexo industrial, que enchia o ar de amoníaco e dum cheiro de pó característico, o qual repousava em camadas e montículos pelas paredes, muros, telhados e janelas. Quando aqui trabalhei ainda o comboio vinha no Lavradio e já me ardiam os olhos e a garganta, estando por vezes as ruaa e o interior da Câmara cobertos dum nevoeiro tóxico, irritante.
Dei também aulas na Escola Alfredo da "Selva", com o horário retalhado e disperso pelos 3 períodos (manhã, tarde, noite), numa escola vandalizada e com imensos problemas disciplinares e de desintegração social. Mas gostei do Barreiro e de nele ter trabalhado e de certo modo foi uma terra onde fui feliz. A seguir ao Barreiro dei aulas na Escola Secundária da Belavista em Setúbal, que me diziam ser um inferno, mas que para mim era o paraíso comparado com a Escola Industrial e Comercial do Barreiro
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Na povoação de Palhais a igreja de N. Sra da Graça possui um pórtico manuelino. (Memórias de Viagem, 1997)
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Baixa da Banheira
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Incaracterística, a povoação da Baixa da Banheira, entre o Barreiro e Alhos Vedros, desenvolveu-se ao longo da linha férrea, estremecendo à passagem dos comboios, como se fosse a intervas regulares assolada por sismos.
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A sua origem remonta à construção de casas para abrigar os ferroviários, possuindo uma grande vivência associativa, como aliás sucede nas terras da margem esquerda do rio Tejo. Ultimamente esta característica tem sido posta em causa devido ao enorme crescimento populacional em bairros como o do Vale da Amoreira, com problemas de exclusão e desintegração sociais. (Memórias de Viagem, 1997)
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Alhos Vedros
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Na povoação destacam.se as Igrejas de S. Lourenço (matriz) do século XV (pertenceu à Ordem de Santiago), com uma capela tumular lateral ameada, e da Misericórdia, do século XVI, aquela com largo ajardinado e adjacente ao cemitério. Este é devassado por um viaduto que lhe passa ao lado e perturba o sossego dos mortos.
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A vila possui pelourinho, coreto e um desactivado moinho de maré, com um muito degradado palácio com varandas de sacada. Estes dois edifícios situam-se no Largo do Descarregador, ao qual se chega pela rua do Marítimo, perto dum esteiro mal cheiroso, onde vogam ainda algumas embarcações.
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Nesta vila os reis e fidalgos refugiavam-se quando havia peste em Lisboa. A cortiça e as salinas foram uma importante actividade económica. A pacatez da vila foi quebrada pelo cruzamento de viadutos, mesmo ali ao lado do cemitério, cujos mortos vêm o seu sono perturbado pela passagem dos comboios e dos automóveis. A porta do cemitério contém uma data - 1880 - e uma inscrição: "Só Deus é eterno". (Notas de Viagem, 1997
Moita
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No fundo dum esteiro do rio Tejo (Mar da Palha) Núcleo histórico fora da rota dos automobilistas, agradável surpresa. de ruas estreitas e casas dos séculos XVI e XVII. Foi uma importante povoação, até à instalação do caminho de ferro, que travou o seu desenvolvimento. Junto ao rio avistam-se as embarcações embaladas pela calmaria das ondas, algumas engalanadas em dias de Festas. Daqui o pôr do sol é deslumbrante, as núvens em desenhos caprichosos tingidas de laranja com o céu azul que se vai enegrecendo, até deixar nas águas apenas o reflexo das luzes dos barcos.
O seu núcleo primitivo conserva um ar agradável, embora degradado; perto da Igreja Matriz há um pequeno dédalo de ruas estreitas, onde se avista aqui um fogareiro com carvão a arder, além uma janela florida, naquele recanto uma janela de adufas, aliás a única que avistei. Estamos na Travessa da Senhora da Piedade, que vai dar ao Largo da Igreja e ao Canto do mesmo nome. A igreja matriz, com azulejos contando a vida da Virgem Maria, está cheia de andores com flores, enchendo o ar dum cheiro enjoativo enquanto aguardam a procissão. Ilustrativos conservam-se outros nomes: do Cais (L), ruas das Flores, do Trabalhador Rural, da Quinta e do Matadouro.
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No 2º domingo de Setembro realizam se as Festas de N.Sra. da Boa Viagem (Moita) e que atraiem as populações das terras em redor, constituídas por procissão ao longo das ruas da vila, acompanhada de fanfarra, bênção dos barcos, arraial, música e tendas de comes e bebes e artesanato, sobretudo africano. A imagem, num andor, carregado aos ombros, leva um manto cravejado de notas dadas pelos fiéis e devotos. Para além da procissão há um cortejo histórico, com carros alegóricos e figurantes vestidos à maneira, que em 1997 foram cerca de 300, tendo como motivo a época dos Descobrimentos Portugueses. As Festas terminam com fogo de artifício, cujo reflexo nas águas aumenta a sua beleza.
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Aqui assisti a um ou dois corsos carnavalescos, como se no Brasil e no Verão estivéssemos e não no fim do inverno, as moças quase despidas, saracoteando-se e tremendo de frio quando não arrostando com a chuva miudinha.
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Célebre pelas largadas de toiros pelas ruas, como em Alcochete; as paredes dos cafés estão cheias de cartazes alusivos a touradas, existem algumas tertúlias tauromáquicas e murais alusivos ao mesmo tema.
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Embora a República tenha sido oficialmente proclamada em 5 de Outubro de 1910, a verdade é que na Moita, tal como em Loures, ela fora já proclamada na véspera, aqui por acção dos revolucionários em atitude perdido por cem, perdido por mil !
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Numa povoação dos arredores, o Gaio-Rosário, os touros vão mesmo a banhos, na praia fluvial, perseguindo os "habilidosos". (Notas de Viagem, 1997)
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Gaio-Rosário
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A poucos km da Moita fica esta aldeia com praia fluvial, que me encanta e atrai logo ao primeiro contacto. Hesito entre Alcochete ou esta aldeia, de casas térreas, com faixas e barras brancas sobressaindo no colorido das paredes: esta azul, aquela amarela, aquela verde e por aí fora. Quase não tem comércio mas na praça central, o largo do Operário, existe um coreto e algumas casas de dois pisos. Em terra de cegos quem tem um olho é rei e quem tinha posses construía no coração da povoação. Hoje já não é bem assim. Duas ruas partem para a beira-rio, uma delas denominada do 25 de Abril. No largo do Movimento das Forças Armadas fica um pequeno e cativante jardim e a igreja, modesta, com portal manuelino e um amplo adro-miradouro sobranceiro à praia fluvial e a dois enormes barcos varados na areia, em ruínas. Na outra margem do rio Tejo o cintilar das luzes de Lisboa. Neste largo, onde existem alguns restaurantes, uma nota insólita - daquela abertura da casa de dois pisos avista se como que um comprido corredor, passado por baixo do edifício e dum arco - lá ao fundo um portão de quinta e depois dele casas. Entro, atravesso o corredor e vou dar a um pátio de casas térreas, que atravesso, indo dar... ao referido largo do Operário. Trata-se do portão de quinta que antes avistar.
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Mais para os limites da aldeia vão-se construindo novas casas, doutro tipo, existindo também um estaleiro naval. (Notas de Viagem, 1997)
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