* Victor Nogueira - Pais e Filhos
* Jiro Taniguchi - O Diário do Meu Pai
* Eugénio de Andrade - Poema à Mãe
* Manuel Bandeira - Cartas de Meu Avô
* José Afonso - Canto Moço (Filhos da Madrugada)
* Victor Nogueira - Pais e Filhos
"Ir com as aves", como escreve Eugénio de Andrade, implica assumir por inteiro a "liberdade", sua e a dos outros, sem prejuízo da solidariedade e entre-ajuda, significa largar o cortão umbilical e tomar consciência que o ser adulto implica reconhecer que há uma relação biunívoca e mútua entre direitos e deveres, em recíprocidade, significa assumir a passagem do clã ou da tribo para a polis e para o Mundo e para o Universo, de si para o Outro. Como diz a "Internacional", "Somos iguais todos os seres / Não mais deveres sem direitos / Não mais direitos sem deveres", independentemente do respeito pela diversidade. Como escreveu o poeta sevilhano Antonio Machado:
“Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.”
Também a minha mãe escreveu no passado milénio um poema aos filhos, um pouco similar ao de Eugénio de Andrade que ela desconhecia, mas que de momento não encontro, na perspectiva da mãe, em que falava da tristeza de ver os filhos crescerem e partirem, mas respeitando a decisão deles. Como dizia um cartaz do ITAU antes do 25 de Abril, "O amor é um pássaro verde num canto azul no alto da madrugada." (FB 2015.05.03)
1. - Carta ao irmão caçula - Não vou fazer um enunciado dos deveres filiais. Lembro-me, no entanto, da ternura que em princípio todos os filhos devem ter pelos pais; ternura, amor, respeito. Creio que talvez tenhas razões, quiçá justas e ponderáveis, para te fechares na tua torre de marfim. Mas seria bom para ti que te habituasses a descer ao povoado, pois se agora não podes esquecer ou superar os agravos que julgas ter recebido, da parte daqueles que, apesar de tudo, de todos os seus erros e fraquezas, te amam porque teus Pais, como agirás no futuro face aos teus companheiros de profissão, à família que porventura constituirás, em súmula face ao Mundo? Ocorrem-me, neste momento - e não é a primeira vez que isso sucede - o azedume que tenho espalhado e por vezes ainda espalho ao meu redor! Um sorriso amargo vem-me ao espírito ao recordar as nossas mesquinhas - agora, mas não então - makas [discussões, zangas] por causa dos recortes dos jornais, da "Plateia", do "Zorro", do álbum de fotos. Quanto azedume nas nossas relações, quanto má vontade, só porque éramos incapazes de sairmos da nossa torre! E no entanto, assim o creio, no fundo dos nossos corações éramos e somos amigos! Não deixes que sejam os outros a condicionarem a tua atitude, quando essa influência for negativa!
Tens de encarar os pais (e toda a gente, afinal) como seres humanos normais, comuns, com virtudes e defeitos, como qualquer ser humano. É normalíssimo os filhos idealizarem uma imagem perfeita dos pais. A idade, o desenvolvimento da consciência, faz ver que adoravam ídolos de barro, assim o pensam. Mas têm de superar esta desilusão, de transformar a adoração infantil pelo amor adulto! (JLNS - 1968.08.08)
2. - É possível que no próximo Verão eu vá a Luanda. A minha Mãe, esquecendo‑se da minha face má, sonha ansiosamente com essas férias, para tentar juntar uma família que nunca esteve junta (embora vivendo sob o mesmo tecto), pelo menos até onde a minha memória alcança. E eu também lá quero ir, para tentar enterrar definitivamente alguns "fantasmas" e encerrar páginas do livro da minha vida. Para que desapareçam dois ídolos esboroados, de pés de barro, e nasçam finalmente dois Amigos: O Manuel e a Maria Emília. (NSM - 1969 Páscoa)
3. - Acabei de ler de Jiro Taniguchi "O Diário do Meu Pai", uma novela gráfica envolvente, sobre a (re/des)construção da memória, numa colecção de BD editada semanalmente pelo jornal "Público"
"Em O Diário do meu Pai, Taniguchi conta-nos uma história de regresso às raízes, que o leva a evocar a infância e a perceber finalmente o verdadeiro motivo por que o pai abandonou a família. Taniguchi queria contar uma história que tivesse a sua terra natal, Tottori, como cenário, mas, como refere numa entrevista a Benoit Peeters:“quando me pus a reflectir na história, apercebi-me que, de facto, não sabia quase nada sobre o meu pai. Imaginei então uma personagem que regressa à sua terra natal para descobrir quem era verdadeiramente o seu pai. (…) A história é inventada, mas os sentimentos e o espírito da história resultam da minha experiência pessoal. Tinha em relação ao meu pai o mesmo tipo de sentimentos que estão descritos no livro. No fundo, durante a minha juventude, tinha a ideia que não queria ser como ele. Achava que a vida do meu pai não era uma vida interessante. Mas depois descobri que afinal não era bem assim, e é isso mesmo que tento transmitir neste livro”.
VER TEXTO COMPLETO EM http://bongop-leituras-bd.blogspot.pt/2015/05/lancamento-levoir-coleccao-novela.html (fFB 2015.05.02)
"Poema à Mãe" • Eugénio de Andrade
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha – queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio de um laranjal...
Mas – tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
do livro, "Os Amantes sem Dinheiro" (1950)
* Manuel Bandeira- Cartas de meu avô
A tarde cai, por demais
Erma, tímida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.
/
E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.
/
Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.
/
Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.
/
Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…
/
A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.
/
A paixão, medrosa dantes
Cresceu, dominou-o todo.
E as confissões hesitantes
Mudaram logo de modo.
/
Depois o espinho do ciúme…
A dor… a visão da morte…
Mas, calmado o vento, o lume
Brilhou, mais puro e mais forte.
/
E eu bendigo, envergonhado,
Esse amor, avô do meu…
Do meu – fruto sem cuidado
Que, ainda verde, apodreceu.
/
O meu semblante está enxuto
Mas a alma, em gotas mansas,
Chora, abismada no luto
Das minhas desesperanças…
/
E a noite vem, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em pingos glaciais,
Cai melancolicamente.
/
E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.
* Canto Moço (Filhos da Madrugada) - José Afonso
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nós vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor nos ramos
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praia do mar nós vamos
À procura da manhã clara
Lá de cima de uma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Cá de cima de uma montanha
Onde o vento cortou amarras
Largaremos p'la noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca, brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca
E para ver e ouvir este último poema, clicar na hiper-ligação https://www.youtube.com/watch?v=UZ2yNxrJTX8
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