CENAS DO JARDIM
1. Era um jardim
geometricamente desconfortável
artificial
No coreto
a banda tocava.
Além
caridosamente
alguém partilhava com os "jardineantes"
as goelas do transístor escancaradas
No banco
ao meu lado
uma matrona e uma gaiata conversam
banalmente,
"Puxa a mala um bocadinho mais para baixo.
Isso! Assim!
Para que te não vejam as pernas"
E eu sorrio-me
por entre a sisudez duma "Introdução à Vida Política"
Pobres e ridículas gaiatas!
Pobres e ridículas matronas!
2. Era um miúdo esfarrapado
sujo
de rosto envelhecido,
Aproxima-se do guarda, mas o dinheiro não chega.
Mas o velho, que já terá sido criança, deixa-lo entrar.
O miúdo envelhecido corre,
Para,
Hesita!
Os olhos sorriem no rosto sujo,
Balancé? Carrocel? Escorrega? Ou avião?
Não poder ele desdobrar-se!
Corre, sobe, escorrega
o mundo é dele
Agarra-lo.
Sobe, desliza, corre, sobe, desliza
sobe; desliza, corre, sobe, desliza
contorce-se
"MÃE, OLHA ESTE MATULÃO SUJO! VAI-TE EMBORA!"
As avózinhas contorcem os lábios
num rictus de desprezo
os meninos apedrejam com a língua e crucificam com os lábios.
Ele hesita.
Baloiça, baloiça, baloiça!
Roda, roda, roda,
sobe, desliza, corre, sobe, tropeça, sobe, desliza, corre!
contorce-se, baloiça, roda
Olhos brilhantes cheios de felicidade!
Um velho num corpo de criança
pequena para a roupa suja
esfarrapada!
As avózinhas contorcem os lábios num rictus de desprezo
Os meninos, esses apedrejam com a língua
e crucificam com os lábios
Velhas envelhecidas
Garotos moribundos
e uma criança num pequeno corpo de velho!
Victor Nogueira
1969.Fevereiro.24 - Évora
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