Beijos de Ulisses para Penélope
Poema do mar por Jorge Barbosa
O drama do Mar,
O desassossego do Mar,
sempre
sempre
dentro de nós!
O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas...
O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficaram
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!
O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!...
O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa...
de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros...
O Mar! dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!
Este convite de toda a hora
que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir
e ter que ficar!
Vou-me embora pra Pasárgada, por Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
© MANUEL BANDEIRA
In Libertinagem, 1930
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