Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Em Lisboa, nas Férias Grandes de 1963

* Victor Nogueira


De Monte Real a Lisboa
A automotora chegou perto das 14 horas. Chegámos a Lisboa com cerca de uma hora de atraso, às 18:30. 

Entre a Cela e o Campo Serra tivemos que mudar de carruagem, pois os motores avariaram-se. A nova, que ia a puxar, foi a que se avariou, tendo passado para o meio. Viajámos em 1ª classe.


Muitas das estações [da Linha do Oeste] tinham bonitos jardins. Em Óbidos vimos o Castelo, que é enorme. Salvo erro a vila ainda se encontra dentro das muralhas. Chegámos ao Bombarral, terra dos vinhos, às 16h 16m Lá vi diversos homens com o barrete ribatejano, verde e vermelho. Em Torres Vedras vi uma casa acastelada mas arruinada. Passámos por três pequenos túneis e antes de Jer[…] por um comprido. Passámos depois pela Malveira, Alcainça. Moinho, Pedra Furada, Sabugo, Telhal. Cerca das 18h 30m entrámos no túnel da Campolide e uns cinco minutos depois estávamos em Lisboa. Ficámos no Hotel [Americano, na Rua 1º de Dezembro. (Diário III, 8/9 Setembro 1963, págs 348/351)



Lisboa
Ficámos no Hotel Americano, na Rua 1º de Dezembro. Ao entardecer vim dar uma volta, para ver as montras nos Restauradores e Avenida da Liberdade. Vi os cinemas Éden, que parece luxuoso, e Restauradores (que dá sessões contínuas). Subi a avenida e cheguei ao Parque Mayer. Dei por lá uma volta, tendo feito o gosto ao dedo na barraca de tiro ao alvo. Parte do [filme] "O Parque das Ilusões" passa‑se aqui. Quando cheguei ao S. Jorge [um pouco mais acima] voltei para o hotel. Passei pelo Tivoli e pelo Condes. As montras das lojas são variadas. Utilizei a passagem subterrânea. Depois do jantar fomos comer uns camarões e beber umas cervejas. A casa onde comemos tem as paredes forradas de conchas. (1963.09.09 - Diário III)

De manhã fomos a um mercado no bairro da encosta do Castelo ([1]). Depois visitámos o Castelo de S. Jorge, que é grande. Gostei bastante de vê‑lo. Regressámos ao Hotel, tendo antes ido à Igreja do Carmo, subindo no elevador [de Santa Justa]. As ruínas nada têm de especial, mas há lá um Museu Arqueológico interessante, com objectos da Idade da Pedra, túmulos, múmias e outras coisas do meu agrado. (...) ([2]) (1963.09.10 - Diário III).
Após o almoço fomos ver o Museu Militar, de que também gostei. No Museu de Angola, em Luanda, também temos algo, mas não se pode comparar a este. Gostaria de tê-lo visto com mais vagar. Seguimos pela Avenida Marginal até à Torre de Belém.  (Diário III 1963.09.10 pags 354/355)
Após o almoço seguimos pela Avenida Marginal até à Torre de Belém. Visitámos tudo, desde a torre até às masmorras, que são parecidas com as do Forte de S. Pedro da Barra,  em Luanda: frias e húmidas. Visitámos o Museu dos Coches, que também me agradou. (...) O avô Luís já não teve disposição para vermos o Mosteiro dos Jerónimos. (...)  Vi também a Casa dos Bicos  e os pilares da Ponte sobre o Tejo. ([1]) (...) O tempo tem estado muito quente, mas hoje à tarde esteve chuvoso e à noite também: é uma espécie de "cacimbo" (1963.09.10 - Diário III)


Vista do Estuário do Tejo, ainda sem a Pote, na altura em construção

 
No Jardim Zoológico

Regresso ao Porto
Às 8:30 tomámos o rápido da linha do Norte. Caía uma chuva miúdinha e no céu via-se um lindo arco‑íris. Matabichámos no bar da estação de Santa Apolónia, em, Lisboa, que é original, com motivos do caminho de ferro.

À saída de Lisboa passámos por um aeródromo militar. Monte Real  era sobrevoada por aviões a jacto, da Base Aérea 5. A primeira paragem foi em Santarém. As cadeiras da automotora são mais espaçosas que as do rápido. Às 9:40 chegámos ao Entroncamento, a terra dos fenómenos. Ia tão entretido a ler que, entre Fátima e Pombal, passámos por um túnel sem eu dar por isso.~

Antes de Pombal passámos por um outro que estava em obras. Nesta altura chovia.

Às 11:10 chegámos a Alfarelos e pouco depois à estação de Coimbra B. O rio Mondego estava quase seco - e é um rio importante do continente! Passámos por Pampilhosa da Serra (11:43), Cúria (11:50), Aveiro (12:18), Estarreja, Ovar, Espinho, Granja (13:05), Vila Nova de Gaia (13:25), Campanhã e S. Bento (13:50).

Na nossa carruagem seguiam 4 indianos que deveriam ter saído em Coimbra, mas por ignorância (passaram lá sem saber) não o fizeram e resolveram seguir até ao Porto. Muitas das estações do percurso tinham bonitos jardins. (1963.09.11 - Diário III)

[1] - Seria a Feira da Ladra? Era uma 3ª feira.


Fotos Victor Nogueira e JL Castro Ferreira

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