* Victor Nogueira
O aceso à ilha fazia-se através dum aterro fronteiro ao morro de S. Miguel, aterro esse que a cindiu em duas. Nessa zona, na restinga, situavam-se restaurantes e cervejarias, como o “Mar e Sol”, algumas boîtes/dancings, residências de habitação e o Clube Desportivo Nun’Álvares, com a sua piscina e campos de jogos. Mais para diante encontrava-se uma sanzala de pescadores em torno da Igreja de N. Senhora do Cabo e, mais para norte, o Parque Florestal, com as suas praia e zonas para picnics e merendas.
Este parque florestal de acesso automóvel condicionado tinha uma agradável praia, embora com alguns fundões, num dos quais ia morrendo afogado. Não sabendo nadar, em miúdo fui ao fundo várias vezes e quando pensava que já lá ficaria senti agarrarem-me o pulso, puxando-me para terra enquanto me diziam: "Tiveste sorte, pois pensava que estavas a brincar." Com efeito, uma das brincadeiras de alguns miúdos era esbracejarem, fingindo que estavam a afogar-se. E assim fiquei algum tempo estendido no areal da praia, respirando em grandes haustos, sem nada contar aos meus pais.
Numa das fotos estão os meus pais e duas amigas da família. À esquerda a D. Alice Quaresma e à direita a D. Noémia Castelo. Do casal Castelo já falei noutro post:
Em Luanda, no Parque Florestal da Ilha do Cabo. A D. Alice era viúva dum capitão do exército. Conseguiu ser aprovada no exame de condução automóvel, após imensas tentativas malogradas, e eu comentava que lhe haviam concedido a carta por antiguidade. No dia seguinte convidou a minha mãe para dar uma volta, mas deve ter pregado grandes sustos pois a minha mãe disse-nos que nunca mais sairia com ela ao volante. Já em Portugal, depois do 25 de Abril, a D. Alice comentava-me que não percebia como eu conseguia ler tantos jornais por dia, pois ela lia uma página e ficava cansada, que ler tanto me fazia mal à minha saúde.
E para
terminar, uma descrição minha dum dia no Parque Florestal da Ilha do Cabo
1. - Parque Florestal da Ilha do Cabo (Luanda)
1963/64
Ouve-se o marulhar das águas. Além, um tractor. No mar [na
baía] um barco evoluciona e as gaivotas mergulham pescando. Um barco de guerra
entra na baía. É o F331. Uma criança chora. Provavelmente alguém desabafou a
sua fúria sobre ela. Mas o ruído predominante é o do marulhar das ondas. A
temperatura ideal seria a de agora. Ali os trabalhadores pousam as pás à sombra
de um pinheiro. Lá longe, do outro lado, a chaminé da SECIL [fábrica
cimenteira] deixou de lançar para a atmosfera o elegante penacho de fumo
branco. Mas, será que está trovejando? Eis que uma breve aragem faz com que as
folhas das palmeiras entrem nesta sinfonia da natureza. Não, aquilo deve ser um
avião e não a trovoada. Mas parece estar sempre no mesmo sítio. Através dos
pinheiros, naquela curva, divisa-se ainda o navio de guerra. Nesta sinfonia há
instrumentos que não consigo identificar. Que paz, nada de yé-yés; só,
completamente entregue à contemplação desta maravilha, sempre diferente, que é a natureza.
Os pescadores acabam de puxar o dongo [canoa, piroga] para a
praia. O Zé come pão-de-ló. Hoje resolveu ocupar o meu lugar de comilão mor.
Duas gaivotas, elegantes na sua alvura, passeiam à beira-mar. Aquele barco
ancorado dança vagarosamente ao sabor das ondas. Gostaria de poder descrever
isto tudo, não em prosa, não em verso, mas musicalmente.
Notas finais: lado negativo: moscas, praia suja, água fria.
In «Victor Nogueira - Viagens - memórias e registos - volume I – África»
Com Alice Quaresma e Noémia Castelo
Os Nogueira da Silva e os Almeida, no aniversário do Rui Almeida, em 1962. O Rui era afilhado dos meus pais e a mãe dele era muito bonita e o pai, mestre-de-obras, trabalhava para o meu pai na construção civil
Com o casal Castelo
***
Pescador (1)
Pescadores lançando a
tarrafa (postal ilustrado VN)
Sem comentários:
Enviar um comentário