Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

.

Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

.

Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

sábado, 22 de fevereiro de 2020

S. Paulo da Assunção de Luanda


Foto jj castro ferreira - baía de Luanda - c. 1959

* Victor Nogueira

Em 1961 para a disciplina de Português escrevi uma redacção sobre Luanda, semanas depois do 4 de Fevereiro e do 15 de Março, que marcam o início da Guerra Colonial ou de Libertação, então ausentes deste texto, como sendo de menor ou nenhuma consciência das futuras implicações e consequências.

Sendo na altura um adolescente,o texto de então não reflecte nem regista que praticamente desde o início Luanda era um porto de saída do tráfico negreiro para as plantações e engenhos das Américas e que a finalidade de Salvador Correia e da sua Armada era simplesmente colocar o tráfico esclavagista nas mãos do Brasil, com a expulsão dos Holandeses. Nada disto era dito ou dado a conhecer nas aulas de Português ou de História ou referido nos livros que tinham de passar pela "censura". Nem há qualquer referência à outra Luanda, a dos musseques, sem condições de habitabilidade e salubridade.
~~~~~~~~~~~~~~

«A cidade de S. Paulo da Assunção de Luanda foi fundada em 1575 pelo Governador e Capitão Mor das Conquistas do Reino de Angola, Paulo Dias de Novais na ilha fronteira. Decorrido um ano o burgo foi transferido para o continente, onde foi crescendo ao redor do Morro de S. Miguel, tendo sido elevado à categoria de cidade pelo Governador Geral Manuel Cerveira Pereira. (1606)

As primeiras perturbações causadas pelos holandeses à florescente cidade deram-se em 1624. Até 1648 o sossego não se restabeleceu. Neste ano Salvador Correia de Sá e Benevides, que havia reconquistado várias terras do Brasil, aos holandeses, foi encarregado de libertar Angola do jugo holandês. A 15 de Agosto, com 900 homens de armas, tomou de assalto o Forte de S. Miguel.  Desde este dia (Assunção de Nossa Senhora) a cidade tomou o nome de S. Paulo da Assunção de Luanda.

A cidade, muito danificada pelos holandeses, reedificou se rapidamente, sendo actualmente [1961] uma das primeiras de Portugal.

Em alvarás de 1662 foram concedidos aos moradores da cidade os mesmos privilégios dos cidadãos da cidade do Porto, em consideração aos serviços prestados à Restauração de Angola. Desde então o seu brasão de armas, no qual figuram a Virgem e S. Paulo, ficou "para sempre registado nos arquivos da Torre do Tombo", entre os das outras cidades e vilas portuguesas.

A cidade desenvolveu-se rapidamente após a sua fundação. No século XVII possuía quatro fortalezas, além das de Santo António, S. Miguel, Penedo e Santa Cruz, seis igrejas, Conventos dos Jesuítas e dos Terceiros Franciscanos, Hospital da Misericórdia e muitas habitações. Foi neste século que se erigiu a Ermida de N. Sra. da Nazaré, em memória da Batalha de Ambuíla (1665). No século XVIII construíram-se muitos edifícios de vulto, como sejam o Forte de S. Pedro da Barra, o Quartel de Infantaria (demolido) o Palácio do Governo (1761) e a Alfândega (1770/79). O actual Quartel da PSP  (Polícia de Segurança Pública) foi fundado em 1754, sendo nesse tempo o Quartel de Cavalaria.

No século passado os principais edifícios foram o Mercado da Quitanda (1818), o Cemitério do Alto das Cruzes (1806) e o Hospital de D. Maria Pia. Neste século [XX] construíram se outros edifícios grandiosos, como o Banco de Angola, o Liceu Salvador Correia, [o Liceu] D. Guiomar de Lencastre (em construção), a Escola Industrial, a Igreja de S. Paulo (em construção), o edifício da Fazenda e Contabilidade, o porto de mar, o Aeroporto Craveiro Lopes, os cinemas "Restauração" - um dos melhores do Império Português - e "Miramar", ampliação do Hospital D. Maria Pia, o Seminário, o Colégio [feminino] de S. José de Cluny e muitos outros prédios de envergadura, além de modernos "arranha céus".

Vista do mar, a cidade parece como que disposta em anfiteatro, em escadaria. No primeiro plano a Avenida Paulo Dias de Novais, ladeada de palmeiras e com prédios de cinco e mais andares. E, em planos sucessivos, vê-se uma amálgama de prédios modernos a par de prédios de dezenas de anos.

Distinguem se duas partes na cidade: a Baixa e a Alta.  Na Baixa, de traçado antigo, na maioria das vezes, encontramos a zona comercial, com modernos prédios e prédios antigos, de séculos. Esta é o coração da cidade, com as suas casas comerciais, armazéns, pastelarias, cinemas e os seus prédios de apartamentos.

Na  Alta, de traçado moderno, encontram se largas avenidas arborizadas, como as dos Combatentes, Paiva Couceiro e Brasil, ladeadas umas por monstros de cimento armado, os arranha céus, outras por graciosas moradias térreas, na sua maioria ajardinadas.

Como isto contrasta com a Luanda de há 20 anos [a Luanda dos anos 40], uma Luanda triste, de ruas escuras e mal calcetadas, casas de adobe, baixas e frias!!! Muito se fez nestes vinte anos, mas há ainda muito a fazer. Tem bairros operários, de funcionários, para indígenas, populares, e bairros elegantes, [como o de Miramar].

Aos domingos os habitantes deslocam-se para as praias de Luanda, como sejam as da Ilha do Cabo, Samba, Corimba e tantas outras. À noite frequentam-se as elegantes "boites" e exibem se filmes nos cinco principais cinemas da cidade.

Enfim, Luanda é uma cidade moderna, que se desenvolveu prodigiosamente e que muito mais se desenvolverá num futuro próximo. Pode orgulhar-se, com justiça, de 1ª cidade do Ultramar Português e 3ª de Portugal.» ( [1])




[1] - Dum exercício de Português (5º ano Liceal), no Colégio Cristo Rei, dos Irmãos Maristas, em Luanda.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Em 1963 registava eu no meu Diário:
«Em Luanda inaugurou se um novo cinema, o Ngola. É o segundo desde que estou na Metrópole. O outro foi o S. João. Já são sete cinemas, embora dois não sejam de 1ª categoria: o Nacional [cine teatro] e o Colonial. (Isto sem contar os cinemas de bairro! Estou certo que irei encontrar grandes diferenças na minha querida cidade.» (1963.11.22 - Diário IV)
~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Em 1967 o meu entusiasmo era menor:
«Tenho tido as mais desencontradas notícias da cidade de S. Paulo e da Virgem, vulgo Luanda: a mesma pasmaceira de sempre, o atraso de vida do costume, muitos prédios e ruas novas. Talvez não sejam tão desencontradas como isso.» (ADP - 1967.11.21)

Sem comentários: