Foto jj castro ferreira - baía de Luanda - c. 1959
* Victor Nogueira
Em 1961 para a disciplina de Português escrevi uma redacção sobre Luanda, semanas depois do 4 de Fevereiro e do 15 de Março, que marcam o início da Guerra Colonial ou de Libertação, então ausentes deste texto, como sendo de menor ou nenhuma consciência das futuras implicações e consequências.
Sendo na altura um adolescente,o texto de então não reflecte nem regista que praticamente desde o início Luanda era um porto de saída do tráfico negreiro para as plantações e engenhos das Américas e que a finalidade de Salvador Correia e da sua Armada era simplesmente colocar o tráfico esclavagista nas mãos do Brasil, com a expulsão dos Holandeses. Nada disto era dito ou dado a conhecer nas aulas de Português ou de História ou referido nos livros que tinham de passar pela "censura". Nem há qualquer referência à outra Luanda, a dos musseques, sem condições de habitabilidade e salubridade.
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«A cidade de S. Paulo da Assunção de Luanda foi fundada em
1575 pelo Governador e Capitão Mor das Conquistas do Reino de Angola, Paulo
Dias de Novais na ilha fronteira. Decorrido um ano o burgo foi transferido para
o continente, onde foi crescendo ao redor do Morro de S. Miguel, tendo sido
elevado à categoria de cidade pelo Governador Geral Manuel Cerveira Pereira.
(1606)
As primeiras perturbações causadas pelos holandeses à
florescente cidade deram-se em 1624. Até 1648 o sossego não se restabeleceu.
Neste ano Salvador Correia de Sá e Benevides, que havia reconquistado várias
terras do Brasil, aos holandeses, foi encarregado de libertar Angola do jugo
holandês. A 15 de Agosto, com 900 homens de armas, tomou de assalto o Forte de
S. Miguel. Desde este dia (Assunção de Nossa Senhora) a cidade tomou
o nome de S. Paulo da Assunção de Luanda.
A cidade, muito danificada pelos holandeses, reedificou se
rapidamente, sendo actualmente [1961] uma das primeiras de Portugal.
Em alvarás de 1662 foram concedidos aos moradores da cidade
os mesmos privilégios dos cidadãos da cidade do Porto, em consideração aos
serviços prestados à Restauração de Angola. Desde então o seu brasão de armas,
no qual figuram a Virgem e S. Paulo, ficou "para sempre registado nos arquivos da Torre do Tombo", entre
os das outras cidades e vilas portuguesas.
A cidade desenvolveu-se rapidamente após a sua fundação. No
século XVII possuía quatro fortalezas, além das de Santo António, S. Miguel,
Penedo e Santa Cruz, seis igrejas, Conventos dos Jesuítas e dos Terceiros
Franciscanos, Hospital da Misericórdia e muitas habitações. Foi neste século
que se erigiu a Ermida de N. Sra. da Nazaré, em memória da Batalha de Ambuíla
(1665). No século XVIII construíram-se muitos edifícios de vulto, como sejam o
Forte de S. Pedro da Barra, o Quartel de Infantaria (demolido) o Palácio do
Governo (1761) e a Alfândega (1770/79). O actual Quartel da
PSP (Polícia de Segurança Pública) foi fundado em 1754, sendo nesse
tempo o Quartel de Cavalaria.
No século passado os principais edifícios foram o Mercado da
Quitanda (1818), o Cemitério do Alto das Cruzes (1806) e o Hospital de D. Maria
Pia. Neste século [XX] construíram se outros edifícios grandiosos, como o Banco
de Angola, o Liceu Salvador Correia, [o Liceu] D. Guiomar de Lencastre (em
construção), a Escola Industrial, a Igreja de S. Paulo (em construção), o
edifício da Fazenda e Contabilidade, o porto de mar, o Aeroporto Craveiro
Lopes, os cinemas "Restauração" -
um dos melhores do Império Português - e "Miramar", ampliação do Hospital D. Maria Pia, o Seminário, o
Colégio [feminino] de S. José de Cluny e muitos outros prédios de envergadura,
além de modernos "arranha céus".
Vista do mar, a cidade parece como que disposta em
anfiteatro, em escadaria. No primeiro plano a Avenida Paulo Dias de Novais,
ladeada de palmeiras e com prédios de cinco e mais andares. E, em planos
sucessivos, vê-se uma amálgama de prédios modernos a par de prédios de dezenas
de anos.
Distinguem se duas partes na cidade: a Baixa e a
Alta. Na Baixa, de traçado antigo, na maioria das vezes, encontramos
a zona comercial, com modernos prédios e prédios antigos, de séculos. Esta é o
coração da cidade, com as suas casas comerciais, armazéns, pastelarias, cinemas
e os seus prédios de apartamentos.
Na Alta, de traçado moderno, encontram se largas
avenidas arborizadas, como as dos Combatentes, Paiva Couceiro e Brasil,
ladeadas umas por monstros de cimento armado, os arranha céus, outras por
graciosas moradias térreas, na sua maioria ajardinadas.
Como isto contrasta com a Luanda de há 20 anos [a Luanda dos
anos 40], uma Luanda triste, de ruas escuras e mal calcetadas, casas de
adobe, baixas e frias!!! Muito se fez nestes vinte anos, mas há ainda muito a
fazer. Tem bairros operários, de funcionários, para indígenas, populares, e
bairros elegantes, [como o de Miramar].
Aos domingos os habitantes deslocam-se para as praias de
Luanda, como sejam as da Ilha do Cabo, Samba, Corimba e tantas outras. À noite
frequentam-se as elegantes "boites" e
exibem se filmes nos cinco principais cinemas da cidade.
Enfim, Luanda é uma cidade moderna, que se desenvolveu prodigiosamente e
que muito mais se desenvolverá num futuro próximo. Pode orgulhar-se, com
justiça, de 1ª cidade do Ultramar Português e 3ª de Portugal.» (
)
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Em 1963 registava eu no meu Diário:
«Em Luanda inaugurou se um novo cinema, o Ngola. É o segundo
desde que estou na Metrópole. O outro foi o S. João. Já são sete cinemas,
embora dois não sejam de 1ª categoria: o Nacional [cine teatro] e o Colonial.
(Isto sem contar os cinemas de bairro! Estou certo que irei encontrar grandes
diferenças na minha querida cidade.» (1963.11.22 - Diário IV)
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Em 1967 o meu entusiasmo era menor:
«Tenho tido as mais desencontradas notícias da cidade de S.
Paulo e da Virgem, vulgo Luanda: a mesma pasmaceira de sempre, o atraso de vida
do costume, muitos prédios e ruas novas. Talvez não sejam tão desencontradas
como isso.» (ADP - 1967.11.21)
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