* Victor Nogueira
2013 09 04 - O
Sobrevivente
O que são as memórias? Um
escrito? Uma photo? Uma lembrança burilada ou afeiçoada nas brumas do tempo e
da memória? Uma recordação, uma atrás das outras, impetuosas ou em
meandros como o rio que se espraia pela planície? Qual é a verdade das memórias?
Hoje - a 4 de setembro - farias
92 anos; daqui a 4 meses faria a Maria Emília 94, como o Zé Luís teria feito 62
em 29 de Maio, tantos quantos a Celeste a 7 desse mesmo mês. Não comemorarás o
centenário com a família, parte da família, como desejavas, num lauto banquete
como o que ofereceste aos 80, de convites personalizados. Na juventude
pensei que seria o patriarca duma grande família, espalhada por várias
gerações. Mas os meus tios de "sangue" não casaram, o meu irmão
morreu, os divórcios e separações mesquinhamente e com frequência apartam
águas.
Contigo, para além de na minha meninice e adolescência me teres transmitido os valores da tolerância política e religiosa, da solidariedade, da multi-racialidade, da verticalidade e da não subserviência, da não adesão a castas ou preconceitos de classe, aprendi também que a família é muito mais extensa . Depois disso tivemos muitas desinteligências, não poucas vezes deixaste de falar comigo mas não eu contigo, porque na família fui o único que te disse não qd entendia dever fazê-lo, sem que a minha firmeza me roubasse as boas-maneiras para contigo, entre-ambos. E só nos voltámos a encontrar nos dois anos antes de morreres. Só então voltaste a libertar a ternura que sempre tiveras pelo teu filho insubmisso, rebelde e contestatário.
A família … Que é a família? Uma
certidão ou conjunto de certidões de nascimento? Uma árvore genealógica a
partir destas? E como preencher as lacunas das filiações de pai incógnito,
mesmo qd se sabe que este era um estudante de medicina, médico muito rico
numa qualquer terreola do interior ? Uma Foto ? Mesmo que seja mentirosa
como aquela em que estás com a mão no ombro do que sempre considerei meu
bisavô? Como neto me consideraram o avô Zé Luís, afinal teu padrasto, ou a minha
tia-avó Esperança, que sempre nos considerou e nos tratou e à Maria Emília como
sobrinhos! Porque é mentirosa aquela foto que sempre exibiste com orgulho? Um
dia perguntei à Lili se o meu bisavô não teria escrito poemas ao Manuel - o
Necas - como fizera aos filhos da Alzira e do Zé Luís ou se estes se haviam
perdido. A resposta foi que nunca os havia escrito. Insisti, mas parecem amigos
na foto, aquela que o meu pai emoldurou em vários exemplares e me ofereceu e
aos irmãos e não sei se ao “pai” dele, adoptivo. E veio a história – por duas
vezes o Manuel pousou a mão no ombro do que eu sempre considerei meu bisavô e
por duas vezes este sacudiu-a com brusquidão. Mas à 3ª, não houve tempo porque,
entretanto, o fotógrafo disparara.
Na última longa conversa que tivemos,
dias antes de morreres, em que falámos de muitas coisas - do passado, do
presente, do futuro - [a minha mãe escrevia-me mas tu preferias conversar],
veio à baila a fotografia que estava porque a puseras no teu quarto no lar. E
sem acrimónia e com bonomia e com um sorriso ladino contaste a história do
garoto que teimosamente rejeitara a rejeição do seu “avô” – a verdade da foto
não é/seria a aceitação que não houve, mas a teimosia de quem considerava
aquela a sua família. Como no teu quarto puseste essa e a foto que te tirei na
tua casa em Setúbal, porque mo pediras, numa das mãos uma com a Alzira e o Zé
Luís, teus pais, na outra a do teu bisneto Francisco, como se fosses um elo
entre gerações.
Há da família conceitos que a
vida pode ir alargando, cada vez mais compreensiva e extensamente. Há quem
fique pela escravidão do “sangue” e da servidão, mesmo que retintamente
vermelho e plebeu aquele seja, e há quem alargue o conceito até abranger a
humanidade e a vida, toda a humanidade e toda a vida. Há um poema de Eugénio de
Andrade que fala disso:
Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se
demora
e noites rumorosas de águas
matinais.
Por isso, às vezes, as palavras
que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas
brancas
que apertava junto ao
coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as
rosas,
talvez não enchesses as horas de
pesadelos.
Mas tu esqueceste muita
coisa;
esqueceste que as minhas pernas
cresceram,
que todo o meu corpo
cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus
olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na
moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era
uma vez uma princesa
no
meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é
enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a
beber,
Não me esqueci de nada,
mãe.
Guardo a tua voz dentro de
mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as
aves.
Eugénio de Andrade, in
"Os Amantes Sem Dinheiro"
Partir com as aves é muitas vezes
doloroso, mas tal como o poeta refere em O Lugar da Casa “ (…) crescer como
árvore, resistir / ao vento, ao rigor da invernia,/ certa manhã sentir os
passos / de abril / ou, quem sabe?, a floração / dos ramos, que pareciam /
secos, e de novo estremecem / com o repentino canto da cotovia.” é
partir com as aves e responder ao canto da cotovia; significa também a
capacidade de estender a fraternidade para além do clâ, da seita, da igreja, do
clube, do bairrismo, da vizinhança.
Sim, a minha família é muito mais
extensa do que aquela que certas leis e certas decisões dizem ser a minha.
Muitos não percebem, não compreendem nem aceitam que a minha família, se a
explicitasse, englobaria as das mulheres que amei, mesmo que não tivessem sido
minhas companheiras: desde a jovem professora - meu amor de sempre, nunca
esquecido - que em évoraburgomedieval me despertou para a poesia, até à Maria
Papoila, a Florbela, a Fatma, incluindo a Maria do Mar, a Joana Princesa, a
Mana Clarisse de Aguiar e Berlmonte, a Maria dos Mil-Sóis Rendilhados, a
Julieta dos Espíritos ... Mas (quase) tudo passou e morreu, com ou sem
aspas, e uma simples passagem no inFaceLock pelas páginas de certas pessoas que
sempre considerei da minha família, leva-me a constatar que eu e os meus
filhos e neto fomos pura e simplesmente eliminados. A decisão não é
minha, nunca seria minha.
“Pai, tu não és deste Mundo! Tu
não vives neste Mundo!”, disse-me a susana em adolescente. Talvez! Mas as
minhas famílias continuam a ser a Vida e a Humanidade” como o meu pai e a vida
me ensinaram. E eu decidi escolher! Eu escolhi a fraternidade e a igualdade. Eu
escolhi o futuro sem esquecer ou renegar/re-escrever o passado.
Um brinde aos avós, a todos eles,
qualquer que seja a geração passada ou futura, com a Dança do Balcão, já a
seguir, em:
Abraço amigo e uma feliz noite, eu sou uma sobrevivente
.....
Memórias? O que são as memórias, são o que guardamos da
nosso passado, bom ou mau, de meninos ou já adultos, é como a história do nosso
país, dele temos muitas memórias!!! e são tantas, tantas porque já os anos
passaram por nós e nos deixou recordações que teima-mos em recordar, e tu
Victor fá-lo bem demais, nós conseguimos ver tudo o que escreves e como
escreves,sentimos e vimos o que tu vês,pelo menos eu que adoro o que escreves e
a história mal contada desta Portugal, tu fazes revê-la, um beijo
amigo,obrigada
Nós somos todos sobreviventes.
Somos MEMÓRIAS ! Abraço
De alguma forma, somos todos sobreviventes.Por vezes, as
pessoas são desconhecedoras da verdade dos acontecimentos e das razões de
certas atitudes, tomadas pelos seus antepassados. Acontece as pessoas
idealizaram para a sua vida uma coisa, mas a vida programar outra.
Todavia, não devemos desvalorizar o que de bom nos foi dado, nem ficar
amargurados, muito menos desejar vingança nas gerações actuais por algo que nos
marcou no passado. Temos obrigação de tentar entender as razões dos vários
lados e não só de um, para não sermos injustos, nem egoístas.
As minhas memórias são traições do presente, não quero viver
de memórias porque prefiro viver o presente edificando o futuro. Embora sem
grande esperança nele (futuro) é o fazer o presente, livre de traumas ou
saudades, que a vida se faz., Bjos.
Grata pela partilha ddos seus escritos que muito aprecio.
Abraço Amigo.
beijinhos gostei muito!
Gostei muito e agradeço Sobre as
memórias muito há dizer.... eu vivo bem com as minhas.
Isabel
Magalhães Deolinda
Figueiredo Mesquita Manuela Silva Sobre
as memórias, sobre a vida, sobre os tempos ... Por mim está tudo escrito com
clareza, no que nesta nota escrevi, reproduzi ou transcrevi. Bjos
Isa
Alçada Donzilia
Conceiçao José Pires Aquele
abraço
Ao Rui Gato, que
atentamente comentou em privado, aquele bjo
aos parcos em palavras e ricos em silêncio - grato por me
terem lido e deixado a marca
Victor,
bjs
Belíssimo o poema do Eugénio de Andrade,
como se sabe, mas belas também as tuas palavras, que não se ficam na beleza e
que nos fazem pensar não só no que dizem, mas também na delicadeza,
interioridade, verticalidade e humanidade da pessoa que as escreve...
Beijinhos, Victor!
Esta é para mim, talvez a tua nota mais bela e brilhante. De
repente despiste-te de uma armadura e expuseste-te com tudo aquilo que tens de
bom e belo. O teu interior está desnudado nas palavras i falam de quem és. Aqui
seria possível escrever um romance com personagens ricas de sentido e
sentir e tão diversas em personalidade. Na minha mente ficam muitas indagações,
ficarão sempre. O poema do grande Eugénio é um dos meus preferidos e nesta nota
que fala de família e não só, ele assume importância especial.
Estando tão perto ainda os últimos acontecimentos tu
conseguiste escrever uma nota que sem quaisquer lamechices é im tributo à
família de sangue, à de papel passado, à dos afectos nunca esquecidos e a toda
a humanidade.
Os meus aplausos e um beijo.
Somos feitos de muitas vivências.A família, os que amámos,
os que passaram por nós, os que ficaram (vão ficando...) Engolimos desilusões,
carinhos, amores.E o que fica é se calhar uma manta de retalhos a que alguns
chamam memórias e outros, vida...Belíssimo este Eugénio."Boa noite,Eu
vou com as aves."
A família não escolhemos ela entra na nossa vida sem pedir
licença e permanece, os amigos escolhemos e selecionamos, até à perfeição, se
assim for possível.
Mas é com a família que aprendemos a andar, a crescer, a
rir, a chorar, a amar, a odiar...
É no seu seio que criamos raízes, embora as arranquemos
para partir e viver por nós, mas ficam sempre pequenos rebentos que florescem
na Primavera e nunca se desata o nó, nem se cortam as amarras, voltamos
sempre....mas um dia, lentamente, alguém começa a ir com as aves, quer a
família, quer os amigos....
Restam as fotos, as cartas escritas, ou por escrever, os
objetos, os livros lidos e os que restam ler, os lugares, os espaços, a mesa
posta, as lembranças.......
Lindo...como sabes gosto muito de ti,querido amigo.
Emocionei-me.....ter-me- ás sempre como amiga.Sem mais
palavras.
Arminda Griff
Isso não vale...Sou muito chorona! Agoro-te ..
Uma bela narrativa familiar muito sentida e que nos
sensibiliza Victor!
Fraternidade e Igualdade, é sempre uma bela escolha.
Obrigado, Victor
Belo e
emocionante. ABRAÇO.
Um bom texto, como é teu apanágio. Meu amigo Vítor, tenho de
te pedir desculpa de novo, assim como a tantos outros amigos que me mimam com
presentes destes. O Carlos Rodrigues, a Cecília, a Maria Jorgete, O Osvaldo
Pires e tantos outros. Não tenho conseguido entrar na net com excepção dos
emails que implicam responsabilidades laborais que ainda detenho em algumas
áreas. Um grande beijinho e um bem hajam para todos.
Gostei muito. Beijinho.
Adoro teus textos, amigo!!! Bjo
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